A existência de limites para o ius puniendi, em última análise, significa nada mais nada menos que o seguinte: a responsabilidade penal não pode acontecer de forma aleatória, arbitrária. Por meio desses limites procuramos descobrir quem responde e quando responde pelo fato criminoso praticado. Na atualidade tornou-se doutrina corrente a de que tais limites devem ser estudados (sobretudo) por meio dos princípios. Cada princípio limitador do ius puniendi corresponde a um filtro da responsabilidade penal.
A dogmática (ciência penal) existe para explicar a dimensão de cada princípio assim como o valor de cada um deles para essa filtragem da responsabilidade penal. Fruto desse trabalho sistematizador da ciência penal é a trilogia composta de causação, valoração e imputação. Esses conceitos não podem ser confundidos em Direito Penal.
A causação está atrelada ao âmbito da tipicidade formal, ou seja, está vinculada com a conduta, resultado naturalístico (nos crimes materiais) e nexo de causalidade. Tudo tem conexão com o princípio da materialização do fato. A tipicidade formal se completa com a adequação típica (subsunção do fato à letra da lei), que é exigência do princípio da legalidade do fato.
A valoração, sobretudo, diz respeito à tipicidade material, onde se acham presentes dois juízos de valor: (a) valoração da conduta e (b) valoração do resultado jurídico.
A conduta deve ser valorada de acordo com a teoria do risco de Roxin, ou seja, importa saber (aqui) se o agente criou ou incrementou um risco proibido relevante. Para Roxin, o risco proibido é matéria de imputação (imputação da conduta). Isso foi contestado por Frisch, com razoabilidade, que sublinha que o risco proibido não é assunto de imputação, sim, de valoração. Causar, valorar e imputar são coisas distintas em Direito Penal. Pensamos que Frisch tem razão.
No âmbito da valoração do resultado jurídico o juiz, em atenção ao princípio da ofensividade, deve constatar se a ofensa ao bem jurídico (lesão ou perigo concreto de lesão) é (a) concreta, (b) transcendental, (c) significativa e (d) intolerável. Tendo em vista o princípio ou teoria da imputação objetiva de Roxin cabe ao juiz (ainda) verificar (e) se o resultado (jurídico) pode ser imputado ao risco criado (nexo de imputação) e (f) se esse resultado está no âmbito de proteção da norma.
Na ordem lógica, portanto, depois da causação e da valoração vem a imputação. A primeira imputação em Direito Penal diz respeito ao aspecto objetivo, ou seja, quando deve o agente ser responsabilizado pelo seu ato.
A segunda imputação em Direito Penal é a subjetiva, que está atrelada a uma parte do princípio da responsabilidade subjetiva, ou seja, ao dolo e/ou outras intenções especiais (que são chamadas de elementos subjetivos do tipo ou elementos subjetivos do injusto ou requisitos subjetivos especiais).
Não se pode confundir responsabilidade subjetiva (ninguém pode ser punido penalmente senão quando atua com dolo ou culpa) com responsabilidade penal (ninguém pode ser punido por fato alheio).
A terceira imputação em Direito Penal diz respeito a quem deve ser responsabilizado penalmente: é a chamada imputação pessoal. Dentro dela temos que estudar o princípio da responsabilidade pessoal (quem responde pelo delito) assim como o princípio da culpabilidade (só responde quem podia se motivar de acordo com a norma e se comportar conforme o direito).
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.
Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2011
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