sexta-feira, 15 de julho de 2011

NOVAS MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL (IV)

Por Rene A. Dotti.

A Lei n º 12.403 entrou em vigor segunda-feira e logo em seguida começou o choro de muitas carpideiras que lamentam a morte da prisão preventiva para todos os tipos de crime punidos com reclusão, independentemente da quantidade penal e até mesmo para hipóteses sancionadas com detenção, conforme o revogado art. 313, I e II do CPP. Nos termos da lei nova, a prisão e outras medidas cautelares são submetidas a rígidos e taxativos critérios, assim definidos: a) necessidade para a aplicação da lei penal; b) necessidade para a investigação prévia ou a instrução criminal; c) em casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais; d) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
         A prisão preventiva - que o imortal JF Marques apodava de nódoa totalitária[1] - não será admitida nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade de até 4 (quatro) anos, salvo restritas exceções: a) quando o indiciado ou acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado (salvo o caso da temporariedade da reincidência)[2]; b) quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; c) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa; d) quando a pessoa não fornecer elementos suficientes para esclarecer a sua identidade.
         A Lei nº 12.403/2011 constitui autêntica revolução copérnica no universo das medidas cautelares do processo penal brasileiro. Com efeito, o astrônomo, matemático e geógrafo, Claudio Ptolomeu, que nasceu no Egito (Século II) e viveu em Alexandria (Grécia), sustentava que a terra era um corpo fixo no centro do universo. A sua teoria foi abandonada quando Nicolau Copérnico (1473-1543), célebre astrônomo polonês, demonstrou o duplo movimento dos planetas sobre si mesmos e em torno do sol (teoria heliocêntrica).
         A prisão preventiva, de natureza imobilizadora, deixa de constituir o centro do sistema cautelar. Com o advento da Lei nº 12.403/2011, ela deve girar em torno da liberdade individual como o fazem as demais medidas (CPP, arts. 317 e 319).[3] Por exemplo: a) prisão domiciliar; b) comparecimento periódico em juízo; c) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; d) proibição de manter contato com pessoa determinada; e) proibição de ausentar-se da comarca; f) recolhimento domiciliar e nos dias de folga; g) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira; h) internação provisória em caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade; i) fiança; j) monitoração eletrônica.
Aos juízes e demais operadores do sistema criminal, reserva-se a grande missão de acolher e de estimular a aplicação de medidas cautelares não institucionais. São oportunas as lúcidas considerações do imortal penalista português, Eduardo Correia, a propósito das penas não institucionais como oportuna e necessária mudança do padrão prisional para o combate ao crime. São suas essas palavras: "Não poderá, pois, dizer-se sem mais que tais penas não institucionais põem em causa a repressão e a prevenção geral da criminalidade. Pretender outra coisa, será imobilismo na visão dos problemas, que leva os que nele se encerram a encarniçarem-se contra os novos processos de luta contra o crime como, nos séculos XVII e XVX, se teriam oposto à abolição das penas corporais e ainda hoje se erguem a favor da pena de morte e de prisão perpétua.  Mas não será por certo essa lição da história. Continua a valer no nosso tempo, o ensinamento de Montesquieu, ao escrever «Qu'on examine la cause de tous relâchements, on verra qu'elle vient de l'impunité des crimes et non de la modération des peines»[4]. E quando a opinião pública não esteja preparada ou não compreenda as modernas reações contra a prisão e a necessidade de a substituir ou integrar por medidas que, sem deixar de reprovar, reeducam, ressocializam e recuperam os delinquentes, impedindo realmente a reincidência, o caminho será ajudá-la, por todas as formas, a tomar consciência do problema em todas as suas perspectivas. Só, aliás, através de uma vasta gama de reacções - e as não institucionais desdobram-se, na sua realização concreta, quase em tantas quantos os casos a que se aplicam - é possível, mesmo no plano ético-jurídico, tal como o entendemos, praticar uma penologia diferenciada que verdadeiramente sirva o sentido do direito criminal moderno".[5] (Segue)

[1]              Marques, José Frederico. "A prisão preventiva compulsória", artigo publicado em Estudos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 228.  Evidentemente, o grande mestre se referia à prisão preventiva obrigatória que, nos termos do então vigente art. 312 do CPP, era automaticamente imposta pelo juiz com o recebimento da denúncia imputando ao réu um crime cuja pena cominada fosse igual ou superior a 10 (dez) anos. Aquele dispositivo foi revogado pela Lei nº 5.349/1967.
[2]              CP, art. 64. "Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação".
[3]              Os dispositivos mencionados têm a sua redação determinada pela Lei nº 12.403/2011.
[4]              Esprit des Lois, I/IV, c. 12, p. 426.
[5]              Direito Criminal, Coimbra: Livraria Almedina, 2004, vol. II, p. 426/427.
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René Ariel Dotti, advogado e professor titular de Direito Penal da UFPR, é detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007).

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