sexta-feira, 8 de julho de 2011

NOVAS MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL (II)


 
1.         O novo diploma e sua relevância 
            A Lei nº 12.403/2011 assume extraordinário relevo no quadro das medidas cautelares adotadas na fase de investigação ou durante a instrução criminal. Com a sua aplicação no curso da ação penal se estabelece um vínculo de caráter permanente entre o acusado e o juiz da causa como ainda não havia no processo penal de feição clássica. Sob outro aspecto e considerando-se que qualquer uma das hipóteses de cautela, diversas da prisão, caracteriza uma restrição a liberdade de locomoção, a sua manutenção atende ao interesse público de se evitar a prescrição intercorrente, ou seja, aquela forma de extinção da punibilidade que se caracteriza entre a data do recebimento da denúncia (ou queixa) e a sentença condenatória.                     Na correta observação de Ivan Luís Marques,[1] "as normas que tratam das medidas cautelares modificadas pela Lei 12.403/2011 têm natureza jurídica diferenciadas. Temos regras de natureza penal, regras de natureza processual penal e regras de natureza híbrida. Cada uma delas terá efeitos diferentes no momento de sua entrada em vigor".
          Como exemplos dessas variantes pode-se mencionar, entre outras, as seguintes espécies de cautela diversas da prisão: a) comparecimento periódico em juízo para informar e justificar atividades;[2] b)  proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares; c) recolhimento domiciliar; d) proibição de ausentar-se da comarca; e f) fiança.

2.       As garantias do contraditório e da ampla defesa

          Os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa estão  garantidos com o funcionamento do novo sistema. Com efeito, o § 3º, do art. 282, do Código de Processo Penal (CPP), com a alteração determinada  pela Lei nº 12.403/2011, dispõe que o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, "determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias", ressalvados os casos de urgência quando a providência poderá ser imposta ex officio e sem audiência da parte afetada.

3.       Casos de substituição da medida

          O juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá acumular ou substituir uma medida por outra ou, ainda e em último caso, decretar a prisão preventiva ao verificar o descumprimento da cautelar anteriormente aplicada. Para tanto, é criada uma nova hipótese de prisão preventiva, conforme o parágrafo único do art. 312 do CPP. A desobediência não escusável abre oportunidade para essa medida excepcional, ainda que nenhuma das hipóteses já previstas[3] tenha se caracterizado.
          O dispositivo ora analisado implica na mudança de uma cultura do "faz de conta"  praticada pelo acusado quando houver a leniência judicial e a omissão do Ministério Público e de seu assistente. Realmente, constituem letras mortas as regras legais e as medidas cautelares concretas quando o acusado não as cumpre sem que se manifeste o poder de controle da  execução exercido pelo magistrado com a colaboração do MP e do ofendido ou quem o represente.

4.       A vigilância indireta do acusado

          A Lei 12.258/2010 introduziu o parágrafo único ao art. 122 da Lei de Execução Penal, com a seguinte redação: "A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo candidato, quando assim determinar o juiz da execução". O dispositivo está incluído no Título V da LEP, que regula a execução das penas em espécies e, mais especificamente, da execução da pena privativa de liberdade (arts. 105 e s.). O controle à distância do condenado é uma medida cautelar de acompanhamento do exercício da saída temporária para: a)  visitar a família; b) frequentar curso supletivo profissionalizante; c) frequentar curso de instrução de segundo grau ou superior; d) participar de atividades que concorram para o retorno saudável ao convívio funcional. O equipamento da monitoração é colocado no pulso ou no tornozelo do sentenciado de maneira a não ser percebido pela visão externa.
          Mas, não sendo possível submeter o acusado solto a esse tipo de controle, em face do princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) e de tradição de nosso sistema, o controle das medidas cautelares restritivas  deve ser efetivado mediante uma prestação de contas ao juiz do processo, informando-o acerca do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. Essa observação indireta é um aspecto natural das medidas cautelares não detentivas, assim como ocorre com qualquer pessoa que, ao entrar ou sair de certos lugares, é "vista" pelo olho eletrônico que ostenta a legenda: "Sorria. Você está sendo filmado". (Segue)
     

[1]               Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, coordenação de Luiz Flávio Gomes e Ivan Luís Marques, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.20. (Os destaques em itálico são meus). 
[2]               É elementar que a eficiência da regra pressupõe a atuação vigilante do Juiz, do MP e de seu assistente para os procedimentos mencionados que devem ser avaliados. O cumprimento adequado da lei é absolutamente oposto à rotineira prática da serventia ao informar e/ou certificar a presença do acusado sem maiores formalidades.  
[3]               CPP, art. 312. "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".


Por René Ariel Dotti, advogado e professor titular de Direito Penal da UFP, é detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007).


Fonte: O Estado do Paraná. Direito e Justiça. 25/06/2011.

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