Eudes Quintino de Oliveira Júnior
A cultura do povo brasileiro é totalmente favorável à decretação da prisão cautelar assim como do cumprimento da pena em regime de reclusão. A tradição da prisão, talvez com raiz nas Ordenações do Reino de Portugal, revela que se alguém pratica um crime que lesa sobremaneira a comunidade deve, obrigatoriamente, ser levado à prisão, sem chances de usufruir o direito de liberdade. O pensamento popular circula na faixa da reprovação imediata do ato ilícito, buscando, em primeiro plano, retomar a segurança e, em segundo, reafirmar o exemplo punitivo da segregação. Voz do povo, voz de Deus, mas não a do legislador pátrio.
A pena de prisão deve ser medida de acordo com o índice de criminalidade de uma nação. Quando maior for, mais severos os instrumentos colocados à disposição da Justiça para fazer prevalecer a ordem pública e harmonia social. Assim, obtidos os resultados pretendidos, vai se afrouxando a rigidez legal e estabelecendo novas metas com a concessão de benefícios substitutivos da prisão. Tudo, no entanto, com a conscientização do infrator que deverá assumir uma postura de comprometimento social.
O Brasil enquadra-se entre países de alta criminalidade. As propostas legislativas a respeito das penas privativas de liberdade não se enquadram na realidade local. As penas catalogadas no Código Penal e legislações esparsas para os crimes mais graves, além de terem um cunho paternalista, não são cumpridas em regime fechado total. Com poucos meses de prisão você encontrará em liberdade com aquele que o assaltou.
A nova lei (Lei nº 12.403/2011) que altera o Código de Processo Penal, com vigência a partir de 04 de julho, modifica o sistema de prisões cautelares e liberdade provisória, trazendo inúmeros benefícios ao infrator. É uma legislação aplicável a países de primeiro mundo que não necessitam de austeridade penal. Fazendo-se uma rápida abordagem, em caso de prisão em flagrante delito, em crime cuja pena não seja superior a quatro anos de reclusão, a liberdade será concedida mediante o pagamento de fiança, a ser arbitrada pelo Delegado de Polícia, sem a necessidade da intervenção judicial. Se o delito tiver pena superior, o juiz poderá relaxar a prisão se ilegal, conceder a liberdade provisória com ou sem fiança, ou dispensar seu recolhimento se o preso for pobre, ou convertê-la em prisão preventiva, que, por sua vez, poderá ser substituída pela domiciliar, em alguns casos. Pode ser até que nem se decrete a prisão preventiva e sim a aplicação de medidas cautelares, tais como o comparecimento periódico em juízo para justificar as atividades, proibição de ausentar-se do distrito da culpa, recolhimento domiciliar durante o período noturno, monitoração eletrônica e outras mais.
A prisão em flagrante, considerada a mais perfeita de todas, porque compreende a visualização do cometimento do crime, cai por terra, perde sua consistência e ganha vida curta. Subsiste até ser decretada a preventiva, que passa a ser o parâmetro, guiada que é pelos critérios de necessidade e conveniência da segregação.
Sem falar, ainda, da aplicação favorável da lei mais benigna que irá, inevitavelmente, arrastar para seu caudal um número expressivo de presos temporários. Calcula-se que numa só tacada serão colocados em liberdade mais de 80.000 presos provisórios no Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A medida desafoga o sistema carcerário do país, mas concede passe livre para a criminalidade e põe em risco a tutela social.
É bom refletir.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior é Promotor de Justiça aposentado SP. Mestre em Direito Público. Doutor em Ciências da Saúde. Doutorando em Direito público. Pós-doutorando em Ciências da Saúde. Reitor do Centro Universitário do Norte Paulista. Advogado. Professor de Processo Penal, biodireito e bioética.
O Estado do Paraná. Direito e Justiça. 07/07/2011
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