** A população carcerária nacional já passou de 500 mil presos (cf. www.ipclfg.com.br). Desse total, 56% correspondem aos presos com condenação definitiva, enquanto 44% ainda são presos provisórios[1], ou seja, aproximadamente 220 mil.
Essa realidade era completamente diversa no ano de 1990, vez que presos condenados representavam 82% do total carcerário; apenas 18% eram provisórios[2].
Não é por outra razão que afirmamos ser a prisão provisória a grande responsável pelo boom carcerário e pelo déficit de vagas no sistema penitenciário.
Com capacidade para 298.275 presos e com um número de 500 mil presos (em 31 de dezembro de 2010), a conclusão não pode ser outra: déficit de 198.000 vagas no sistema carcerário.
Neste caso, se algum governante, num momento de insanidade mental, quisesse acabar com o déficit prisional de uma só vez ele construiria 396 prisões (cada uma com capacidade para 500 detentos) e tudo estaria resolvido.
Com a nova lei (Lei 12.403/11) de prisão e medidas cautelares, o problema do déficit carcerário poderá ser minimizado de outra forma.
Vejamos.
A partir de 4 de julho de 2011 cerca de 200 mil prisões em flagrante (pessoas já presas) deverão ser revistas. Isso que dizer que ospresos não comprovadamente perigosos e/ou primários, poderão ter liberdade, com ou sem medidas cautelares alternativas.
De acordo com a pesquisa sobre o Sistema Penitenciário realizada pelo Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes, aproximadamente 50% da população carcerária nacional corresponde a crimes cometidos sem violência ou grave ameaça[3].
Desta forma, estimamos que aproximadamente 110 mil presos provisórios (50% dos 220 mil presos), em tese, poderiam ser liberados, caso os juízes realizem devidamente a revisão destes processos, entendendo não haver fundamento para o encarceramento cautelar.
É evidente que se trata apenas de uma estimativa, vez que a velha praxe das fundamentações consideradas ilegais ou inconstitucionais vão prosseguir, já que os juízes continuarão a citar o clamor público ou até mesmo a gravidade abstrata da infração (o que não é aceito pelo Supremo Tribunal Federal — STF).
No caso do estado de São Paulo, o raciocínio aplicado é o mesmo. Com uma população carcerária de 170.916 presos (quase 1/3 da população carcerária nacional), 32% são provisórios, ou seja, 54.388 presos. Desta maneira, levando-se em consideração que 50% dos presos representam aqueles que não cometeram o crime com violência ou grave ameaça, cerca de 25 mil presos poderiam ter sua liberdade.
A nova Lei de prisão e medidas cautelares pode ser uma possível solução ao déficit do sistema carcerário. Tudo depende da forma como será aplicada. De qualquer modo, não podemos ser alarmantes nem colocar a população em pânico: é mais fácil quebrar um átomo que romper preconceitos.
Se as estimativas fossem confirmadas, milhares de presos seriam colocados em liberdade e o déficit penitenciário nacional que hoje é de 66% passaria para 30% (ou seja, ao invés de 198 mil, seriam necessárias 88 mil vagas para solucionar o déficit carcerário).
No caso do estado de São Paulo, os dados não são tão impactantes quanto a análise nacional. O IPC-LFG conclui que a lei é mais benéfica para o resto do Brasil do que o estado de São Paulo, do ponto de vista de redução de déficit carcerário.
Isso porque o déficit de vagas em São Paulo é de 72% e, com a liberação de 50% dos presos provisórios, o déficit chegaria a 46% (ou seja, seriam necessárias ainda 46.921 vagas).
No entanto, ainda assim, estamos diante de um quadro positivo, já que presos que não possuem periculosidade concreta poderão responder ao processo em liberdade.
Imprescindível agora é que a lei nova seja corretamente aplicada e muito bem fiscalizada por advogados e defensores, para que coíbam o uso e abuso das prisões provisórias que, em regra, são desproporcionais e descabidas.
Assim, se o déficit prisional do sistema prisional está correlacionado com a prisão provisória, não podemos negar que a Lei de prisões e medidas cautelares será um passo fundamental para o enfrentamento da questão penitenciária brasileira.
Qualquer ato ou medida que propicie o mínimo de condições humanas dentro do sistema prisional, é muito bem vindo, porque até agora, no Brasil, as prisões são o exemplo mais chocante de instituição fora-da-lei. Em matéria de prisão não se pode falar em Estado de Direito, sim, em Estado de não-Direito (ou seja: Estado marginal)
** Colaborou Natália Macedo, advogada, pós-graduanda em Ciências Penais e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
[1] Dados extraídos do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça, bem como do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
[2] Dados extraídos do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça, bem como do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
[3] De acordo com os dados divulgados pelo DEPEN (Departamento Penitenciário) do Ministério da Justiça, temos as seguintes estatísticas no tocante a tipificação dos crimes 20% Entorpecentes, 16% Furtos, 1% Estelionato, 6% Desarmamento, 3% Receptação (totalizando 46% de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça), 29% roubo, 2% latrocínio, 12% homicídio, 5% crimes contra o costume (totalizando 49% de crimes cometidos com violência ou grave ameaça).
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