sexta-feira, 20 de março de 2009

Tratamento ao preso em debate

Em texto exclusivo para o Portal IBCCRIM, elaborado a partir de uma reflexão sobre a notícia de que a Defensoria Pública paulista fomentou o atendimento jurídico de presos em hospital penitenciário, o advogado Luis Eduardo Crosselli, especialista em Direito Penal e Coordenador-adjunto do Departamento de Internet do IBCCRIM, cuida do tratamento dispensado ao preso em nossa sociedade.



Leia a crônica abaixo e participe da enquete do Portal IBCCRIM:

Questão prisional em foco

Em data recente, foi veiculada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, notícia de que no início do mês de março de 2009 aquele órgão iniciaria a realização de uma força-tarefa para atendimento jurídico de pessoas presas e que se encontram internadas por problemas de saúde no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo.

O objetivo do trabalho é a garantia de revisão de todos os processos judiciais em curso à que o grupo de presos responde, para que se possa garantir-lhes pedidos judiciais de benefícios insculpidos em lei, além de maior aproximação do defensor com aquele que tem a saúde debilitada.

Por primeiro, deve-se ressaltar a louvável a iniciativa da Defensoria Pública Estadual. Mas não se pode deixar de assinalar a preocupação de determinados órgãos ligados à questão penal, seja durante o início da persecução ou já na fase de execução, em nominar determinadas tarefas com adjetivos superlativos como, por exemplo, “força-tarefa”.

A impressão reinante no corpo social, ou ao menos em parcela mais atenta e ligada ao problema das ciências criminais neste País, é a de que os órgãos diretamente envoltos à justiça criminal precisam realizar grande esforço para a realização de seus trabalhos, porque não conseguem fazê-lo nos termos em que a lei os definiu, e/ou pior: em tempo hábil para transmitir a sensação à coletividade de segurança jurídica.

Malgrado esta impertinente inquietação, fato é que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, órgão recém criado e adstrito ao poder executivo estadual, vem cumprindo (ou ao menos tentando), a função constitucional que lhe foi delimitada, muito embora lhe tenha restado possibilidade de atuação mitigada, diante da falta de profissionais para atender a toda sorte de demandas, em todos os rincões do maior estado da federação, nos termos definidos em lei.

Neste contexto, digno de comentário a sua atuação na tentativa de se solucionar intrigante questão afeta aos direitos dos presos internados em complexo hospitalar da rede penitenciária.

O que nos chama atenção é o fato de que estes presos que lá se encontram, na maioria, possuem algum tipo de moléstia que recomenda elevado grau de precaução e preocupação.

Se o escopo último da execução penal é a possibilidade da ressocialização do condenado, proporcionando-lhe condições para harmônica integração social (art. 1° da LEP), bem ainda, assegurar-lhe todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (art. 3° da LEP), então, de se admitir que aos presos locados na casa de saúde pública, a precaução e preocupação estejam sendo cumpridas a contento.

Mais ainda. Que as condições do tratamento à que estão sendo submetidos esteja compatível com a gravidade de sua enfermidade.

Mas será que estão? Ou seja, será que a atuação da força-tarefa supra nominada não está claramente a demonstrar que a situação dos detentos é realmente grave, diante do relato no site da instituição, e de que os cuidados não estão sendo tomados?

Ou será que a preocupação é com a possibilidade de encontrar ambiente legal favorável a propiciar o pedido de indulto humanitário, objetivando o resguardo à vida do sentenciado?

Neste prisma da questão analisada, encontramos fortes razões para entender que no Brasil, seria muito melhor atendido o direito a uma execução penal com corretidão de forma, aquela que considerasse a possibilidade de suspensão da execução da pena a presos que se encontrassem nas condições de enfermidade, notadamente as incuráveis.

O argumento bastante plausível e reinante na comunidade científica é o de que estando o apenado nestas condições, já não há mais interesse e objeto de incidência da pena.

Tal possibilidade daria aos familiares do sentenciado, inclusive sem necessidade de provocação da tutela jurisdicional, mas de ofício, condições de propiciarem tratamento condigno ao estado de saúde do ente querido.

E nem se digna que isto é utopia ou a mitigação do poder estatal sobre a tutela da liberdade do sentenciado, eis que todo o arcabouço de limitações da execução da pena seria transitório, e claro, dependente de termo condicional à recuperação da saúde do mesmo.

Como corolário, eis o prisma que deve nortear todo o raciocínio pela aplicabilidade da suspensão do cumprimento da pena: primar possibilidade de conceder vida digna ao condenado.

Neste passo, é lugar comum a lembrança de que no Brasil, os poderes constituídos, não raro, deixam de cumprir com a norma constitucional de caráter material e eficácia absoluta (mormente aquelas que envolvam a dignidade da pessoa humana), tanto que houve necessidade de introdução no texto constitucional a referência de que, tratados internacionais, após regular processamento nas duas casas legislativas componentes do Congresso Nacional, passassem à ter equivalência à emendas constitucionais, e daí, aplicabilidade imediata.

Tudo isto não bastasse e existe ainda como substrato, o comando inserto e proibição ao tratamento desumano ou degradante infligido ao preso (art. 5°, inciso III), do texto constitucional.

Ou não se constitui tratamento degradante ao preso, furtar-lhe tratamento condigno ao estado de saúde debilitado em razão de moléstia, que diuturnamente nos é apresentado por meios de comunicação, supostamente somente interessados na divulgação da notícia, e não no palco de horrores que se nos apresenta?

O que é preciso chamar atenção das autoridades, uma vez mais sem receio de ceticismo, é que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, e que o direito de todos em receber tratamento digno alinha-se a esta matiz de ordem democrática, que a igualdade tão almejada pela constituição, se faz presente por ações concretas e materiais, notadamente talvez, por uma maior preocupação e cuidado em deitar olhar sobre aqueles que mais necessitam do apoio incondicional de seus familiares, e das próprias políticas públicas, dada sua reduzida condição humana.

Luis Eduardo Crosselli
Coordenador-adjunto do Departamento de Internet do IBCCRIM

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IBCCRIM.

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