O STF, em decisão liminar do ministro Eros Grau, uma vez mais afastou a manutenção de uma prisão cautelar com escora no argumento da gravidade do delito, conforme jurisprudência consolidada da Excelsa Corte, reafirmando que em nosso ordenamento jurídico democrático a liberdade é a regra.
Trata-se de um caso de porte ilegal de arma raspada, que teria sido alugada para prática de homicídio. Após negativas ao pleito defensivo no TJ-SP e STJ, contra esta última decisão fora impetrado "habeas corpus", cujo seguimento foi negado com escora na Súmula 691 do STF ("NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONHECER DE "HABEAS CORPUS" IMPETRADO CONTRA DECISÃO DO RELATOR QUE, EM "HABEAS CORPUS" REQUERIDO A TRIBUNAL SUPERIOR, INDEFERE A LIMINAR").
Esta última orientação foi também uma vez mais afastada com base no argumento do constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.
A decisão de primeira instância escorava-se, além da gravidade do delito, no argumento de que a prisão asseguraria a citação do acusado, o que também foi rechaçado pelo ministro Eros Grau por falta de amparo fático.
Veja abaixo a importante decisão:
HC/97.998 - HABEAS CORPUS
Origem: SP - SÃO PAULO
Relator: MIN. EROS GRAU
PACTE.(S) B. W. A.
IMPTE.(S) ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 128632 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO:
1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato da Ministra Laurita Vaz, do STJ, consubstanciado em decisão que negou seguimento a habeas corpus, com fundamento na Súmula 691/STF.
2. O paciente foi preso em flagrante pela prática do crime tipificado no art. 14 da Lei 10.826/03.
3. A Juíza de Direito do Foro Central Criminal da Comarca de São Paulo indeferiu pedido de liberdade provisória (fls. 77/78).
4. O TJ-SP negou a liminar requerida em habeas corpus (fl. 89), sobrevindo, contra essa decisão, habeas corpus no STJ, ao qual foi negado seguimento.
5. Afirmando haver flagrante constrangimento ilegal, a ensejar exceção à Súmula 691 desta Corte, o impetrante resumiu as razões da impetração nos seguintes termos (fls. 4/5):
"1. Paciente preso em flagrante e denunciado pela suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo, previsto no art. 14, caput, da Lei 10.826/03.
2. Paciente que, além de ostentar condições pessoais favoráveis - jovem de 23 anos, estudante técnico de tecnologia da informação, primário, sem antecedentes criminais, com família constituída e residência fixa com os pais -, não representa qualquer risco à sociedade. Ausência da real necessidade da manutenção da medida constritiva.
3. Juízo de primeiro grau que indeferiu pedido de liberdade provisória, após destacar alguns dos fatos em apuração, com base numa suposta ‘reprovabilidade da conduta' para se ‘acautelar a ordem pública'. Caráter genérico. Decisão que não aponta de que forma, concretamente, a ordem pública estaria em risco. Ausência de fundamentação idônea. Precedente do STJ: ‘ Posse ou porte ilegal de arma de fogo. Inconstitucionalidade do art. 21 da Lei 10.826/03 declarada pelo STF. Prisão em flagrante. Indeferimento do pedido de liberdade provisória. Motivação inidônea para respaldar a custódia. Constrangimento ilegal. Ordem concedida.' (HC 71.999, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ 10.9.07) e deste col. STF: ⍊ ??Quanto à ordem pública, a jurisprudência do Tribunal se firmou no sentido de que a caracterização genérica ou a mera citação do art. 312 do CPP não são suficient es para caracterizar a ameaça à ordem pública.' (HC n.º 85.615, rel. GILMAR MENDES, DJ 03.03.2006)
4. Elementos que dizem respeito ao próprio mérito da ação penal. Magistrado de primeiro grau que confunde matéria fática - a ser apurada na instrução processual - com requisitos da cautelar. Impossibilidade. Argumentos genéricos. Precedente do e. STJ: ‘Não se prestam para justificar a prisão preventiva apenas a existência de indícios de autoria e a prova da materialidade e o juízo valorativo sobre a gravidade dos delitos imputados ao acusado.' (HC 91.762, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª Tuma, DJ 10.03.2008).
5. Alegação, ainda, de que a denúncia poderá ser posteriormente aditada para constar a imputação de crime com pena mais severa (qualificadora da numeração raspada na arma - art. 16, § 1º, IV, do Estatuto do Desarmamento).
6. Questão que não guarda qualquer relação com a concessão da liberdade provisória. Possibilidade de deferimento do benefício processual ainda que seja na forma qualificada do delito.
7. Manifesta contrariedade à jurisprudência unânime deste e. STF e do e. STJ a autorizar a superação da Sú mula nº 691. Precedentes do STF: HC 95.009, Min. EROS GRAU, j. 6.11.2008, HC 91.729, Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 25.09.2007 e do STJ: HC 59.908, Min. FELIX FISCHER, j. 21.11.2006. Precedente específico quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo: HC 90.157, rel. Min. GILMAR MENDES, j. 2.3.07, DJ 12.3.07.
8. Flagrante constrangimento ilegal. Pedido de liminar para colocação do paciente em liberdade até o julgamento final do writ."
6. É o relatório.
7. Decido.
8. Eis a decisão que indeferiu a liberdade provisória:
"Trata-se de pedido de liberdade provisória formulado em favor de B. W. A., o qual foi autuado em flagrante por infração ao art. 16 da Lei 10.826/03.
Consta que o autuado ‘alugou' sua arma de fogo para Marcelo Travtzki Barbosa, seu amigo, para matar a ex-namorada, fato que acabou ocorrendo.
Dessa forma, demonstrada a gravidade delitiva, inclusive pelo resultado da conduta de Marcelo, claro está a presença dos requisitos da prisão preventiva.
Além disso, na residência do autuado teria sido supostamente apreendido um cacete, munição calibre 7,65 e indicou o local onde estava escondida a arma de fogo utilizada na prática delitiva em questão, consistente em um revólver marca Taurus, calibre 38, municiada.
Outrossim, não é possível o prosseguimento do processo sem a citação pessoal do autuado, na forma do artigo 366 do Código de Processo Penal, sendo necessária a sua custódia por conveniência da instrução criminal, em caso de ajuizamento da ação penal.
A instrução processual, em casos como o dos presentes autos, reclama a custódia do autuado, já que poderá dificultar senão prejudicar a colheita da prova."
9. Destaca-se dessa decisão que a prisão preventiva do paciente encontraria justificativa (i) na gravidade do crime e (ii) na necessidade de citação do paciente caso venha a ser ajuizada a ação penal.
10. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que a invocação da gravidade do crime não autoriza a prisão preventiva. A regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em situações excepcionais, na linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal (HCs ns. 83.516, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 23.5.08; 91.662, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 4.4.08; 88.858, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 25.4.08; 87.343, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 22.6.07; 84.071, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 24.11.06; 88.025, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 16.2.07; 85.237, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 29.4.05).
11. A prisão cautelar também não se justifica por conveniência da instrução criminal, tendo em conta a necessidade da citação do paciente para responder à ação penal. A Juíza não indicou a razão concreta pela qual inferiu que o paciente frustraria a prática desse ato processual, assim como também não se desincumbiu de demonstrar de que forma ele poderia dificultar ou prejudicar a colheita da prova.
12. Condições pessoais como primariedade, bons antecedentes, emprego e residência fixa devem ser valoradas positivamente quando ausentes os requisitos da prisão cautelar.
Excepciono a regra contida na Súmula 691 desta Corte e defiro a liminar a fim de que o paciente seja colocado em liberdade provisória, até o julgamento definitivo deste habeas corpus.
Comunique-se.
Solicitem-se informações.
Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.
Publique-se.
Brasília, 4 de março de 2009.
Ministro Eros Grau
- Relator -
IBCCRIM.
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