Falar em ética está ficando algo distante de nossa realidade. Gloria Perez, autora da novela Caminho das Índias, apresenta para nossa reflexão um exemplo clássico de como se forma um marginal ou delinquente.
Educado por adultos inconsequentes a transgredir, o jovem personagem faz de suas vítimas verdadeiros objetos de deboche e de desprezo pelo ser humano. A cena em que ele agride a professora é carregada de realidade. A ficção proposta por Gloria Perez há muito tempo tem se constituído numa cena real de nossas escolas.
A direção dessa escola ficcional decide, então, suspender o aluno, como forma de mostrar aos demais estudantes que, naquela escola, existe disciplina e regramento, independentemente do valor da conta bancária.
Os pais, grandes estimuladores da marginalidade do filho, prontamente saem em sua defesa. O argumento usado não tem nada de ficção. Colocam uma direção de escola sem rumo em xeque ao afirmar que são eles que pagam a escola. Como já vimos esse filme na realidade, fica o dito pelo não dito. Aquele garoto volta com a certeza de que será sempre acobertado por adultos incoerentes. Imagino que, ao longo da novela, a autora deverá discutir a mudança de quadro. Também não me surpreenderia se nada mudasse, apenas para confirmar o quadro patético de vazio existencial vivido pela geração a que temos a responsabilidade de educar.
O agressor, caso do personagem da novela, está à solta em todos os cantos de nossa sociedade. Intimida a todos pelo poder do dinheiro ou pelo poder da força. O agressor sabe constituir sua turma, que o segue embevecida, como se estivesse seguindo um deus. Essa turma despreza por completo normas de convivência. A cena da novela pode ser vista todos os dias em escolas brasileiras no famoso corredor polonês. Para quem nunca viu em uma escola, duas filas de estudantes se dispõem a dar tapas naquele que foi eleito para sofrer a punição da hora. Agressores são cruéis. Perdem a noção do juízo moral. Para eles, a palavra limite inexiste. Estão acima do bem e do mal. Ofendem professores, serventes, pessoas que passam nas ruas, tanto quanto pela força dominam seus pais em casa. Esse é o quadro de uma infantocracia e adolescentocracia que desconhece a palavra não.
Gloria Perez contribui para que saibamos ler as lições da ficção. Trazê-las para a luz do dia da vida da escola é necessário. De uma maneira explícita, ela nos apresenta uma aula de como se faz bullying nessa instituição. Tiros em Columbine é um documentário-filme obrigatório de se ver.
Como lidar com agressores e seus grupos? Como minimizar as agressões de todos os níveis das vítimas de condutas recorrentes? Como aprofundar com a grande massa dos indiferentes e silenciosos, quase sempre coniventes, temas tão significativos? Que lugar essa discussão ocupa na mesa de nossas casas e nossas escolas? Perguntas que clamam por respostas que vão além da mera indignação diante do personagem da novela de Gloria Perez.
Carlos Alberto Barcellos, Professor.
Zero Hora.
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