O que é melhor, entregar presídios à iniciativa privada – triplicando os custos com os presos – ou deixar as prisões sob tutela do Estado, gerenciando o caos? O debate ganhou fôlego nesta semana no Rio Grande do Sul. Hoje à tarde, juízes responsáveis pelas varas de execuções criminais do Estado se reúnem em Porto Alegre em busca de um discurso afinado sobre o tema, pois não há consenso dentro do Judiciário. A única certeza é que não é possível continuar como está.
A constatação vem a partir de reportagens como a série produzida pelo repórter Daniel Scola e divulgada por veículos da RBS esta semana. Entre outras coisas, o jornalista mostrou que alguns presos custeiam a fiação elétrica das próprias celas no Presídio Central, diante da omissão estatal. Em outros locais, como os presídios femininos, as presas dormem amontoadas umas sobre as outras, devido à superlotação.
A falta de vagas no sistema penitenciário, aliás, faz com que um em cada três detentos gaúchos cumpra pena, atualmente, em presídios que estão sob interdição judicial. Conforme revelou ZH, por determinação de magistrados, 17 casas prisionais estão proibidas de aceitar o ingresso de novos presidiários ou então só podem deixar entrar presos em flagrante ou do próprio município.
A saída é privatizar cadeias, como estuda o governo do Estado? Alguns especialistas acreditam que sim, inclusive gente oriunda do funcionalismo público. É o caso do promotor de Justiça Adriano Marmitt, que em 2005 estudou como funcionam as prisões privadas americanas e brasileiras. Chegou ao final de sua bolsa de pesquisa no Programa Minerva – do Ministério da Fazenda em parceria com a universidade norte-americana George Washington – convencido de que as parcerias com a iniciativa privada são uma opção viável para reduzir o problema de superlotação nas cadeias gaúchas.
Marmitt analisou exemplos de quase três décadas de cadeias privadas nos Estados Unidos durante sua estada em Washington, além de experiências na Inglaterra e em seis penitenciárias do Paraná. Chamou a sua atenção o fato de as fugas e as rebeliões serem raras e as condições das unidades pouco lembrarem as cadeias gaúchas.
– Em uma prisão que visitei nos Estados Unidos só há uma entrada. Todos, até o diretor, passam por detectores de metal e drogas – conta Marmitt.
A prisão é o Centro Correcional George Hill, na Pensilvânia.
Para o promotor, que hoje atua no 3º Juizado Especial Criminal de Porto Alegre, não há obstáculos legais para a implantação das parcerias público-privadas (PPPs) no Estado. Marmitt defende, diferentemente dos críticos das PPPs, que a guarda interna nas cadeias privadas seja feita por seguranças particulares. Na sua visão, basta que o controle final seja feito por servidores do quadro da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) para que a custódia dos presos permaneça legalmente com o Estado.
Preso custo mais caro, mas é recuperado, diz promotor
Entre as vantagens das cadeias privadas em relação às públicas, o promotor destaca a agilidade da iniciativa privada. Marmitt avalia que algumas características do modelo público de gestão entravam o processo, como a série de licitações para construir e equipar as casas prisionais, além de concursos para nomeação de agentes.
– Só vejo falarem que vão construir presídios, mas não vejo obras. Sem falar que é quase impossível demitir um mau servidor. Na iniciativa privada, se o médico falta muito ao trabalho, é substituído – defende.
Um argumento contrário à implantação de cadeias privadas, o custo elevado em relação aos gastos atuais com presos, é refutado pelo promotor. O investimento retornaria com a gradual redução dos índices de criminalidade e de reincidência.
– Dizem que gastam R$ 680 para manter um detento no Presídio Central, sem chance de reabilitação, pois 70% retornam à cadeia depois de algum tempo na rua. Olha, se gastarem R$ 2 mil por preso num presídio privado que garante reincidência de apenas 7% (recuperação de 93%), está ótimo. A sociedade ganha duplamente, com a reintegração do apenado à sociedade.
O consultor em segurança pública e ex-deputado Marcos Rolim tem uma visão um pouco diferente a respeito da privatização das cadeias. Ele visitou algumas penitenciárias nos EUA e na Inglaterra, onde fez doutorado em segurança pública no início da década, e concluiu: privatização é bom, desde que jogar gente nas prisões não se torne um negócio muito lucrativo.
Ele acredita que um modelo misto é o ideal, como ocorre em grande parte da Inglaterra. A construção da penitenciária, sua guarda externa e o controle da pena ficam por conta do Estado. A guarda interna é particular e o trabalho dos presos, controlado pela iniciativa privada.
– O que não pode é existir um mercado do encarceramento, a busca frenética por mais presos, atrás de lucro. O Estado deve evitar isso – conclui Rolim.
Um terceiro modelo é defendido pelo juiz de Execuções Penais de Porto Alegre, Sidinei Brzuska. Ele acredita que tanto a guarda externa quanto a interna, nos presídios, devem ser feitas pelo Estado. A iniciativa privada se limitaria a gerenciar o trabalho dos detentos e explorá-lo de uma forma mais eficaz que o aparelho estatal.
Mas há quem defenda com unhas e dentes o modelo atual de gestão. É o caso de Luiz Fernando Rocha, presidente da Associação de Monitores e Agentes Penitenciários do Rio Grande do Sul (Amapergs). Ele diz que privatizar não é o caminho e que o problema não é o Estado, mas a falta de investimentos, venham eles de onde vierem.
– Se o Estado investir R$ 2,2 mil por preso, como acontece nos presídios privados, teremos o melhor sistema penitenciário do mundo e não essas masmorras que estão aí.
Confira a série Caos nos Presídios.
Zero Hora.
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