segunda-feira, 30 de março de 2009

Entrevista - Sérgio Salomão Shecaira

Questão penitenciária e poder público


O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, ligado ao Ministério da Justiça, é o principal órgão brasileiro relacionado ao tema prisional, quer em termos de fiscalização da atuação pública no setor como relativamente ao estabelecimento de políticas pertinentes. Por outro lado, propõe diretrizes com relação às medidas de prevenção da criminalidade, estabelece critérios para estatística criminal e promove a pesquisa criminológica.

Desde agosto de 2007, o CNPCP, como é conhecido, é presidido por SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, ex-presidente do IBCCRIM (gestão 1997-1998) e atual membro do Conselho Consultivo; Professor Titular de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP); advogado criminal e autor de inúmeros trabalhos acadêmicos, como o livro Criminologia, publicado pela Editora RT, referência nacional no tema.

Veja abaixo a importante e exclusiva entrevista concedida pelo Professor Salomão ao PORTAL IBCCRIM, conheça algumas de suas obras e participe de nossa enquete:

PORTAL IBCCRIM - Professor Salomão, como tem sido a sua experiência à frente do CNPCP? Quais as maiores conquistas?

SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA - Inicialmente é importante dizer o que é o CNPCP. CNPCP é um órgão previsto na lei de execuções penais e quem tem hoje 18 membros, sendo 13 titulares e 5 suplentes, e que tem a incumbência de fiscalizar todas as penitenciárias do Brasil em articulação com os conselhos penitenciários dos Estados e de comunidades, assim como também com as tarefas dos juízes e promotores. Portanto, é uma tarefa bastante grande porque concerne a fiscalização dos presídios no Brasil inteiro e outra parte é que todos os projetos de lei que passam pelo Congresso Nacional e que dizem respeito a temas de penitenciários ou criminais tem o parecer prévio no CNPCP. Então a experiência é bastante árdua porque nós realizamos reuniões ordinárias mensais e ao lado delas a gente tem inúmeras atividades como de fiscalização, envolvimento, apresentação de projetos de lei, elaboração do decreto de indulto e que são concentradas nesse órgão, que é um órgão com pouca estrutura no Brasil.

PORTAL IBCCRIM - Quais os principais projetos de lei que o CNPCP se envolveu durante a sua gestão?

SSS - Os principais projetos de lei, além dos que vem de origem dos deputados, foram algumas iniciativas, por exemplo: a ampliação dos critérios para reabilitação dos criminosos, reabilitação penal, iniciativa a temas como remissão de pena e hoje a gente repensa também a discussão da questão de gênero que é de quanto tempo deve se estabelecer a permanência da mãe que dá a luz na prisão com o seu filho, quanto tempo ela deve permanecer com a criança, e isso é fundamental porque como nós não temos no Brasil nenhum critério legal estabelecido em Lei o que se estabelece por analogia constitucional é a permanência da mãe por 4 meses com a criança, que é o período de amamentação. Alguns lugares, como no Estado de SP, são seis meses, ou RS, que permanecem até 2 anos com as crianças em uma área contígua à área do presídio, isso por determinação da Constituição daquele Estado, mas não temos a rigor um critério e a idéia seria estabelecer esse critério e nem é só o caso da amamentação da mãe com o neonato, mas da mãe com a criação de um ano de idade, o que se faz com aquela criança? Vai simplesmente separar ela da mãe, e se a permanência da mãe for uma permanência relativamente curta de um a dois anos, seria melhor a criança ser separada da mãe ou permanecer com a mãe? Então essas questões precisam ser discutidas e essa é uma das prioridades nossa no conselho hoje.

PORTAL IBCCRIM - Professor, o último indulto natalino foi extremamente elogiado por todos os especialistas na matéria. Gostaríamos que o senhor comentasse o tema.

SSS - Esse foi um projeto de transformação do indulto, na realidade como nós temos uma política criminal extremamente conservadora e repressiva no Brasil, por força de demandas pontuais, o que acontece é que a gente tem um sobre-encarceramento em relação ao número de vagas e a idéia então foi tentar minimizar esse problema que acontece em diversos Estados e tentando de alguma forma dar oportunidades para que algumas dessas situações de injustiças fossem corrigidas. Por isso, pensamos algumas frentes: a primeira é a questão de gênero, fazendo com que a mulher que tivesse filhos até 16 anos de idade e que tivessem dependência em relação à mãe, tivessem vantagem a concessão desse indulto. A segunda questão que é determinante é a da medida de segurança. Constatamos em inúmeras oportunidades que é necessário um processo de desinstitucionalização, porque se é verdade que a gente tem muitos presos imputáveis, são os que permanecem um pouco esquecidos dentro do cárcere, o fato de eles não serem loucos faz com que eles saibam reivindicar melhor os seus direitos. Ocorre que quando a gente tem uma pessoa que é privada de lucidez mental essa pessoa acaba não tendo condições de procurar um advogado ou mesmo reivindicar um advogado à direção do presídio. Isso tem feito com muitas pessoas que cumprem medida de segurança dentro do cárcere permaneçam no hospital de custódia e tratamento por um tempo absurdamente grande e às vezes por um delito ínfimo. Nós tivemos um caso no interior no Brasil de um rapaz que praticou um furto e estava há catorze anos encarcerado! Então são situações como essa, e ele passa a ser esquecido de todos e por todos, pelo juiz, promotor, advogados, pelas entidades, ele vai ficando, vai tomando remédios e nem se pode dizer que ele seja uma pessoa mais perigosa, uma pessoa que simplesmente está entorpecida por todas as drogas que tem tomado, isso é o que faz com que muitas vezes tenhamos que pensar nisso. Esse problema foi atacado com a questão do indulto para medida de segurança, de tal forma que se estabeleceu que se uma pessoa pratica um furto o máximo que ela pode permanecer é o máximo da pena aplicada. Então, se o máximo da pena aplicada para um furto simples é de quatro anos, ou para um furto qualificado de 8 anos, mais do que isso ele não pode permanecer. E, por fim, o terceiro grande eixo de pensamento foi o enfrentamento da questão da droga. Existe um grande repensar dos problemas das drogas no mundo todo. Hoje, dia 20 de março de 2009, nós temos o jornal Folha de São Paulo falando do governo americano, que está repensando a política de ataque às drogas. O presidente Barack Obama, por exemplo, resolveu não mais estabelecer persecução penal aos usuários de maconha nos três Estados americanos onde a maconha pode ser utilizada como remédio. Então veja: existe hoje um repensar do problema das drogas no mundo todo de tal forma que nós não somos infensos a isso; ao contrário, tentamos imaginar que tipo de enfrentamento poderíamos ter em relação a isso e notamos que 70% das mulheres em cárceres são mulheres que cometeram delitos previstos no artigo 33 da Lei de Drogas - e isso acontece porque, sempre muito fiel ao seu companheiro, marido, pai, ela faz a ponte, ela faz o transporte, às vezes a pedido do próprio preso. Isto tem elevado o número de mulheres encarceradas no presídio, esse tráfico eventual que a própria lei prevê que não deva ter uma pena tão exacerbada quanto aquela prevista no caput do artigo 33, que é de 5 anos. Assim é que nós pensamos em oferecer a possibilidade nestas hipóteses em que a pessoa não está envolvida com a criminalidade organizada que não tenha antecedentes, etc., que ela venha a ter a concessão do indulto. Sem prejuízo de outras questões, previu-se o indulto da pena de multa, com objetivo de facilitar o andamento dos processos, etc. Enfim, são 5 grandes medidas que tem por objetivo implementar uma política criminal que nós chamamos de política criminal do Direito Penal Mínimo.

PORTAL IBCCRIM - Uma das maiores dificuldades que a sociedade brasileira se depara na atualidade é com a questão prisional, sua dificuldade de controle e fiscalização, bem como de atendimento aos princípios estabelecidos na lei de execução penal. O que tem sido feito neste campo?

SSS - Na realidade o próprio decreto de indulto foi uma tentativa de minimizar essa questão. Temos adotado uma política dentro do CNPCP, que é uma política, primeiro, de muito rigor nas fiscalizações, de audiências públicas nos Estados - no meu mandato eu me recordo da Bahia, de Pernambuco, Minas, Estado do Rio, todos com audiência pública e todos com resultados muito significativos, quer por termos reajustamento de conduta com os Estados, com os poderes executivos estaduais para que os presídios sejam construídos, para que se pense no fluxo entre o regime fechado para o semi-aberto, do semi-aberto para o aberto de tal forma que a gente diminui a angústia dessa demora do regime progressivo. Ainda, tem-se tomado, em articulação com as defensorias públicas dos Estados, medidas no sentido de interditar determinados presídios que estejam absolutamente abarrotados, se é verdade que a gente tem uma certa tolerância com um pequeno excesso de presos em relação ao número de vagas, quando isso é uma coisa extremamente gritante tem-se tomado medidas enfáticas nesse sentido. Cito o exemplo mais recente da Polinter de Grajaú, no bairro do Rio de Janeiro, em que o presídio absolutamente não tinha a mínima condição de habitabilidade, as pessoas não tinham espaço físico para dormir, era um local infestado de baratas, um calor infernal, cheio de ratos e úmido, de tal sorte que imediatamente o juiz de execução reduziu o número de presos à metade e logo na sequência, como voltassem a colocar novos presos naquele distrito policial, houve uma concessão de uma medida liminar para defensoria pública do Estado do Rio que acabou por interditar parcialmente a Polinter de Grajaú. Portanto, as medidas são no sentido de respeito à dignidade do cidadão preso, pois, afinal de contas, a única coisa que ele perdeu foi a liberdade, ele não perdeu a dignidade e outros direitos humanos que lhe são inerentes. E no plano legislativo somos absolutamente refratários a todos os tipos de medidas congressuais que implicam em aumento de penas. Essa política é uma política de resistência que a gente tem feito no CNPCP e em muitas dessas oportunidades apontando inconstitucionalidade dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.

PORTAL IBCCRIM - Como a sua experiência de Professor de Direito Penal e Criminologia, bem como de advogado criminalista, o auxiliam a frente do CNPCP?

SSS - Eu acredito que a experiência é determinante porque eu entrei pela primeira vez num presídio em 1984. Portanto fui visitar um presídio antes mas entrei dentro da Casa de Detenção em 84: são vinte e cinco anos de experiência em presídios. Eu trabalhei dentro da Casa de Detenção, dentro da Penitenciária do Estado, trabalhei no presídio do Hipódromo, que foi desativado, e em vários distritos policiais e, portanto, o dado da experiência nos presídios paulistas me credenciou a conhecer um pouco e quando estou em presídio de outros Estados não cometer os erros que os neófitos cometem. Então é muito comum ter alguma experiência, por exemplo, quando a gente ouve uma denúncia dentro do presídio, jamais pode fazer com que essa pessoa que denuncia seja a única a ser ouvida, senão o que acontece muitas vezes é que quando a gente sai do presídio essa pessoa é agredida, muitas vezes torturada e espancada de tal forma que a gente tem que ter uma certa experiência até para saber como ouvir as denúncias em relação à violência que existe dentro dos cárceres e não são poucos os cárceres que tem violência. O Brasil já é processado na corte inter-americana de direitos humanos pelo caso do presídio de Urso Branco no Estado de Rondônia. Estive lá e para que se tenha uma idéia até hoje não foram apuradas as responsabilidades funcionais de quem praticou a tortura e de quem foi responsável por muitas mortes dentro do cárcere, porque misteriosamente houve um incêndio que destruiu todos os processos administrativos que estavam em curso. Então há um interesse dos Estados em alguns lugares de obstaculizar a verificação do cumprimento dos direitos humanos e o Estado da federação que é São Paulo, um dos mais importantes visto que com o maior número de presos, se negou na última gestão a divulgar quantos presos estão encarcerados. Então isso é uma verdadeira caixa preta e mostra o que a experiência pode dar da advocacia. E, por outro lado, acho que a experiência acadêmica permite encontrar os caminhos, apontar os caminhos. Eu escrevi cerca de 5 livros sobre penas, quer privativa de liberdades, quer sobre penas restritivas de direitos, e evidentemente que as experiências que outros países acerca das medidas que tiverem de ser tomadas para o enfrentamento da super população carcerária, participação em congressos internacionais, reuniões inclusive de entidades vinculadas à ONU, me permitem apresentar não só uma experiência prática como uma experiência teórica que está sendo implementada em certa medida no CNPCP. O decreto de indulto, por exemplo, tem meu envolvimento pessoal profundo, porque há linha de mitigação e minimização da intervenção punitiva - que estamos implantando dentro do Conselho.

PORTAL IBCCRIM - Por fim, prezado Professor Salomão, quais os principais desafios imediatos a serem ainda enfrentados pelo poder público brasileiro em matéria de repressão penal?

SSS - Eu acho que a grande questão que se coloca no poder público é uma conscientização de que o simples fato de se punir não é o suficiente para dissuadir o fenômeno da criminalidade, a criminalidade tem que abaixar muito mais por medidas externas à punição do que propriamente pela punição: um envolvimento comunitário no controle dos atos delituosos, o pronunciamento ostensivo dessas hipóteses, o processo de educação que ganha cursos em alguns lugares, a diminuição das disparidades sociais, todos esses fatores são mais importantes para o enfrentamento da criminalidade. E nossos operadores do direito tem o hábito de pensar que a melhor maneira de combater a criminalidade é dar pena privativa de liberdade... Isso não é verdade e eu posso citar 2 exemplos: tanto o comando vermelho, do Rio, como o primeiro comando da capital, em São Paulo, foram entidades de presos que surgiram dentro do cárcere em função do super-encarceramento, de tal sorte que se hoje a gente tem alguma criminalidade organizada, criminalidade organizada essa que decorre desta super-população carcerária, é alguma coisa que se poderia ter evitado se não se tivesse tanta pena privativa de liberdade.


IBCCRIM.

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