terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Estudiosos comentam lei de crimes ambientais

A Lei de Crimes Ambientais na berlinda

Na quarta-feira passada, o livro "Comentário à Lei de Crimes Ambientais", publicado pela Editora Quartier Latin, foi lançado na Livraria da Vila dos Jardins, em São Paulo. Os coordenadores do trabalho, que reuniu uma equipe de articulistas, falam sobre esse tema tão moderno e instigante, nesta entrevista exclusiva para o PORTAL IBCCRIM.

PORTAL IBCCRIM - Como foram feitas a escolha e a divisão dos temas abordados no livro?

LUCIANO ANDERSON DE SOUZA - O desafio a que nos propusemos foi o de estabelecer uma séria reflexão acerca de cada um dos artigos da chamada Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que apresenta enormes falhas técnicas na regulação de assunto fundamental para a vida em nosso planeta. Neste sentido, propusemos a cada um dos autores levar a cabo uma obra de comentários à legislação. O critério que nos pareceu mais producente foi a divisão conforme os capítulos da lei especial, convidando para escrever sobre seus artigos especialistas na matéria, os quais, todos mestres e/ou doutores pela USP, no mais das vezes já tinham trabalhos relacionados ao específico tema.

Qual o perfil dos autores dessa nova geração de penalistas?

Estamos diante de uma feliz constatação ante os novos estudiosos do Direito Penal, mormente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Estimulados por grandes Professores, como Miguel Reale Júnior, Sérgio Salomão Shecaira e o saudoso Antonio Luis Chaves Camargo, uma nova safra de estudiosos desponta em São Paulo, refletindo profundamente sobre os novos problemas de nossa sociedade globalizada. Aprofundados estudos de mestrado e doutorado, bem como alentados artigos e densas discussões são encetados por estes jovens penalistas. E, por conta disso, uma nova geração de competentes professores já se destaca, como Renato de Mello Jorge Silveira, Eduardo Reale Ferrari e, mais recentemente, Ana Elisa Bechara, Mariângela Magalhães e Pierpaolo Bottini. Temos profunda sorte de poder conviver com estes grandes juristas e refletir sobre as novéis problemáticas das ciências criminais.

Que critérios foram seguidos para a redação e edição dos textos?

Aos autores foi conferida ampla liberdade, quer de forma, quer de conteúdo. Apenas o que foi obrigatório foi o estabelecimento de análise de artigo por artigo. Mas as opiniões – muitas vezes enormemente divergentes –, a citação de doutrina ou julgados, as conclusões emitidas, tudo foi absolutamente livre. E tal se deu para fins de possibilitar um debate democrático sobre esse importante tema, que é o meio ambiente. Parece-nos que ainda há muito por ser feito, percepção esta compartilhada pelos ilustres Professores Miguel Reale Júnior e Sérgio Salomão Shecaira, os quais, respectivamente, gentilmente ofertaram apresentação e prefácio da obra – as quais, sem qualquer favor, já fez valer a pena a edição do livro.

Segundo Miguel Reale Júnior, que faz a apresentação da obra, na Lei n° 9.065/98 se concentram “todos os vícios do atual expansionismo penal, somados à ausência de técnica na elaboração dos tipos criminais”. Como os empecilhos inerentes à lei ambiental foram vencidos durante a pesquisa?

Tal como percucientemente observado pelo Professor Miguel Reale Júnior, a Lei dos Crimes Ambientais padece dos mais graves vícios de forma e conteúdo, como a utilização exacerbada de crimes de perigo abstrato, normas penais em branco, delitos culposos e responsabilização penal objetiva. A responsabilidade penal da pessoa jurídica estabelecida, por outro lado, não ostenta maior possibilidade de aplicação face o não estabelecimento de sua forma (quem seria interrogado, quem aponta testemunhas, etc.). Tudo isso gera descrédito às instâncias penais e ao Direito Penal. Dessa forma, antes de se caracterizar como um empecilho à pesquisa, a identificação dos problemas talvez tenha sido o seu norte.

A divisão do meio ambiente em natural, artificial e cultural introduz à abordagem do tema uma complexidade multidisciplinar bem ampla. Qual o caminho para profissional de Direito que deseja se especializar na área ambiental?

Muito importante a questão. O quase absoluto desconhecimento técnico dos juristas acerca de questões específicas de conteúdo de novos interesses sociais da sociedade de risco, como, além do meio ambiente, sistema informático, funcionamento do sistema financeiro, manipulação genética, etc. gera uma penosa realidade: tais interesses são tratados – legislativa, judicial e administrativamente – por quem não os compreende. É lógico que isso apenas fomenta a injustiça e o descrédito das instâncias jurídicas. A forma de superação dessa barreira é dupla: o combate ao desconhecimento, com o estudo, e a utilização de formas de controle jurídico-penal apenas após esgarçadas outras medidas – inclusive extra-jurídicas. Especificamente para a área ambiental, o profissional do Direito que queira a dominar deve, concomitantemente, estudar o Direito e o meio ambiente. Sobre estes, cursos específicos revelam-se um excelente caminho.

PORTAL IBCCRIM - A responsabilidade penal da pessoa jurídica é um dos temas mais polêmicos da Lei Ambiental. Qual o caminho que você tomou para abordar o assunto no capítulo que escreveu?

ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO - Acreditamos que o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica é um dos assuntos mais complicados do Direito Penal contemporâneo, sendo irremediavelmente necessário buscar substratos em pensamentos estrangeiros, principalmente na Europa, diante das modernas diretivas da Comunidade Européia acerca do assunto. No Brasil, temos a já consagrada obra do Professor Sérgio Salomão Shecaira que certamente é um ponto de apoio inescapável para qualquer um que deseje estudar o tema. Especificamente na legislação ambiental, duas discussões são importantes. A primeira, mais dogmática e teórica, diz respeito a possibilidade de se admitir ou não, político-criminalmente, a responsabilidade dos entes coletivos. A segunda, enceta a questão das balizas legais trazidas pela lei, as quais, indiscutivelmente, são passíveis de inúmeras e severas críticas.

Como lidar com as divergências da lei, que vão desde a plena e total refutação da responsabilidade penal aos entes coletivos até aquelas que aceitam completamente a sua ocorrência?

As divergências são essenciais para o universo jurídico, normativo. Todos os grandes pólos de pensamento jurídico, sobre qualquer tema, convivem com a existência de divergências. Nesse sentido, conforme afirmamos, o livro partiu da premissa da absoluta liberdade para seus autores, e este talvez seja nosso maior mérito. No caso da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a divergência não é um privilégio nacional, pois os penalistas das mais variadas universidades mundiais debatem calorosamente esta questão.

Qual a sugestão que você tem para o aperfeiçoamento dogmático do sistema penal, no que tange a temática ambiental?

Pensamos que a melhor solução seria o Poder Legislativo ouvir mais nossos acadêmicos. Não é possível a edição de leis penais, dentre elas a ambiental, que se preocupem apenas com grupos de interesse e, por sua vez, esqueçam aqueles que diariamente refletem a dogmática penal, a política criminal e a criminologia. A impressão que temos é que a legislação está distanciada da universidade, criou-se um fosso, como se a dimensão política buscasse propositadamente afastar-se da racionalidade da ciência. É inconcebível que talentos jurídicos não sejam sequer convidados a expressarem opinião e, em conseqüência, influenciar a legítima deliberação do Congresso Nacional.

Com referência ao meio ambiente artificial, quais as conseqüências diretas e indiretas de alçar condutas tradicionalmente reguladas pelo Direito Administrativo para a esfera penal?

O problema maior está na banalização do Direito Penal, na sua mera transformação em aparato essencialmente simbólico. Neste campo, por exemplo, o Professor Miguel Reale Júnior já há tempos defende o aprofundamento nas discussões a respeito de um direito administrativo sancionador, algo que vem sendo responsavelmente estudado por juristas como o Professor Eduardo Reale Ferrari e a Doutora Helena Regina Lobo da Costa. Esses trabalhos intelectuais são indispensáveis para a elaboração de nossos marcos legais. Juristas desse nível precisam ser chamados para debater, instaurando um processo de reflexão, no qual os estreitos limites de eficácia do Direito Penal na resolução de conflitos sejam colocados em destaque.

IBCCRIM.

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