segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Artigo: A execução da pena privativa de liberdade (II)

Este segundo artigo reproduz mais uma parte do documento elaborado pelo grupo de trabalho instituído pelo secretário de Estado da Justiça e Cidadania, desembargador Jair Ramos Braga e o Presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Antônio Vidal Coelho.

Trata-se de um valioso estudo e conclusões fundamentadas após várias reuniões da Comissão para Aprimoramento da Individualização da Pena no Sistema Penitenciário do Paraná, que tem a seguinte composição: Carlos Henrique Licheski Klein, presidente (juiz da 2.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba); Roberto Antonio Massaro, vice-presidente (juiz da 1.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba); Christine Kampmann Bittencourt, secretária (juíza da Vara de Execuções Penais de Guarapuava); Vera Lúcia Silano dos Santos (diretora do Patronato Penitenciário Estadual); Joe Tennyson Velo (presidente do Conselho Penitenciário Estadual); Honório Olavo Bortolini (coordenador-Geral do Departamento Penitenciário Estadual); Flávio Lopes Buchmann (diretor da Penitenciária Estadual de Piraquara); Lauro Luiz de Cesar Valeixo (diretor da Colônia Penal Agrícola).

O levantamento dos problemas e dos desafios do sistema prisional paranaense foi apreentado ao governador Roberto Requião, na reunião da Escola de Governo do dia 2 do corrente mês, com a presença dos desembargadores Ramos Braga e Vidal Coelhio, além de secretários de Estado e titulares de vários órgãos.

É fundamental que esse diagnóstico e as sugestões permaneçam na Administração Pública como um roteiro viável para se reduzir, tanto quanto possível, a contradição entre a teoria e a prática nesse terreno complexo e tortuoso da execução da pena de prisão.

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O primeiro artigo encerrou com a conclusão n.º 3.4. canteiros de trabalho, propondo que "todas as unidades do sistema penitenciário devem ampliar canteiros de trabalho que, quando possível, devem ser profissionalizantes, voltados para o aperfeiçoamento das qualificações do sentenciado".

Seguem, com absoluta fidelidade ao texto original, outras conclusões.

5.5. ENSINO FORMAL E CURSOS PROFISSIONALIZANTES

5.5.1. O estudo deve ser estimulado, seja presencial, seja através de métodos modernos de ensino, tanto para o ensino formal quanto profissionalizante, desenvolvendo aptidões, habilitando, qualificando, educando o preso, interrompendo o círculo vicioso e criando um círculo virtuoso. Neste contexto, destaca-se a indispensável participação do profissional pedagogo.

JUSTIFICATIVA: É fato que grande parte da população carcerária, seja pela baixa faixa etária, seja pelo extrato social de origem, não possui ou tem parca formação formal ou profissional, de modo que seu retorno ao convívio social, após anos de recolhimento em estabelecimento penal, já naturalmente difícil, torna-se extremamente penoso, ante a baixa qualificação.
Desde modo, a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, isoladamente ou em conjunto com a Secretaria de Estado da Educação e Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social ou outros órgãos, devem desenvolver ações para qualificar os detentos recolhidos no sistema penitenciário, possibilitando-lhes concorrer no mercado de trabalho.

Os detentos, em sua maioria, são originários do mais baixo extrato social, onde o estudo, a educação, a formação moral e ética, na maior parte das vezes, é simplesmente ignorado, de modo que o esforço empregado pelo Poder Público haverá de repercutir, resultando no crescimento do próprio detento e de seu círculo familiar, inclusive no incentivo para a adequada formação de seus filhos.

5.5.2. Em todas as unidades, deverão ser ministrados cursos pelos prestadores de serviços.

JUSTIFICATIVA: Os prestadores de serviços, de modo geral, podem oferecer cursos nas suas respectivas áreas de atuação, com baixo custo e posterior ocupação da mão-de-obra.

Os prestadores de serviços na área de alimentação, por exemplo, poderiam capacitar internas e internos das Unidades Penais ofertando cursos de auxiliar de cozinha, manipulação de alimentos, etc.

5.5.3. Todas as Unidades Penais poderiam, na impossibilidade de custear cursos para todos os sentenciados, devido ao alto custo, capacitar formadores dentre os detentos de melhor nível cultural, de forma que o curso recebido viabilize a multiplicação da formação profissional.

JUSTIFICATIVA: Mais que oferecer um diploma, formar um profissional capacitado para uma atividade lícita, para prover o próprio sustento, é absolutamente fundamental, de forma que a multiplicação de aptidões deve ser maximizada.
O formador primitivo poderia, ao cabo do curso ministrado pelo detento multiplicador, avaliar a formação dos demais, recebendo o valor correspondente a avaliação e certificado.

6.6. ASSISTENCIA SOCIAL

6.1. As Unidades devem incentivar e não dificultar a preservação de vínculos familiares, abolindo-se restrições infundadas para a visitação (antecedentes, por ex., caso em que, se necessário, a visitação far-se-á em parlatório).

JUSTIFICATIVA: A existência de vínculos afetivos humaniza e torna possível a reabilitação, seja pelo indispensável amparo ao detento quando este ingressa em regime de liberdade plena, seja pelos compromissos que assume com os familiares enquanto cumprindo pena.

6.2. Deve o setor de Serviço Social de todas as Unidades Penais orientar a família do preso quanto aos benefícios sociais oferecidos nos diversos programas de governo Estadual e Federal, inclusive encaminhando aos órgãos competentes.

JUSTIFICATIVA: Por meios lícitos ou ilícitos, o detento, de modo geral, é o provedor, aquele que fornece o sustento à família, de modo que, devido ao seu recolhimento em um estabelecimento penal, a família, na maioria das vezes, agrava sua situação de penúria, com graves repercussões para a prole.

Logo, orientar e promover socialmente a família, com recursos já existentes e disponíveis, permite prevenir a criminalidade futura, além de ampliar as possibilidades que esta exerça sobre o detento uma influência positiva.

Se a criminalidade decorre, em grande parte, do uso de substâncias que causam dependência, não é necessário lembrar que também a miséria é fator que contribui para o ingresso ou permanência na marginalidade.

Oportuno lembrar que o Governo Federal e o Governo do Estadual oferecem programas sociais, notadamente o Bolsa Escola, entre outros (Bolsa Família, Auxílio Reclusão, Luz Fraterna e Programa da Distribuição do Leite). Cumpre à Unidade comunicar o Ministério Público quando necessário, para as providências cabíveis.

6.3. Todas as unidades devem promover a regularização da documentação dos presos, bem assim incentivar a regularização de pendências em relação aos filhos (reconhecimento de paternidade, por ex.).

JUSTIFICATIVA: Promover a regularização dos documentos do sentenciado é integrá-lo à vida em sociedade, é torná-lo cidadão.

Não há quem possa trabalhar, formalmente sem documentação regular e, para a maioria dos presos, ao saírem dos estabelecimentos penais, falta recursos financeiros para as necessidades mais básicas, de modo que as unidades devem se empenhar na obtenção dos documentos do detento.

Promover a regularização da documentação dos filhos e reconhecer a paternidade pode contribuir para estabelecer laços afetivos, compromisso e apoio no retorno ao convívio social.

7.7. ASSISTENCIA PSICOLÓGICA

Que em todas Unidades Penais seja realizado acompanhamento psicológico individual e/ou em grupo aos presos, que possa proporcionar uma reflexão das condições da próxima etapa do cumprimento da pena, assim como estimular a recuperação e a manutenção dos vínculos afetivos, sociais, profissionais e familiares, garantindo assim, a sua reintegração social.

JUSTIFICATIVA: Diante do expressivo aumento da população carcerária e clara mudança do perfil do preso, novas alternativas de tratamento penal devem ser proporcionadas aos presos, evitando a indicação do acompanhamento psicológico e freqüência em grupos de auto-ajuda (Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos).

8.8. ASSISTENCIA JURÍDICA

Todas as Unidades Penais devem manter agendadas as datas dos benefícios dos sentenciados a elas vinculados, mesmo aqueles que contam com defensor particular, providenciando o que for necessário (entrevista com o defensor, via Assistente Social, quando se tratar de defensor particular, se for de interesse do sentenciado, ou promover o pedido relativo ao benefício agendado).

JUSTIFICATIVA: O benefício é direito do sentenciado e a permanência além do lapso temporal necessário ao cumprimento da pena leva a administração pública a despender gastos desnecessários, além de gerar intranqüilidade na população carcerária.
Logo, o Setor Jurídico da Unidade Penal deve ocupar-se de orientar o sentenciado quanto aos seus direitos, por eles postulando, quando necessário, certo que a maior parte da população carcerária não dispõe de recursos para constituir defensores".

9. PLANO ESTRATÉGICO DE GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

9.1. Elaborar um plano estratégico para o Sistema Penitenciário do Estado do Paraná, utilizando-se dos dados coletados, estatísticas, tendências, indicadores e experiência pretérita para ações futuras, atuando de forma preventiva.

JUSTIFICATIVA: Em que pese o grande esforço do atual governo, ainda há muito por fazer para melhorar o sistema penitenciário.

Atuar de forma preventiva, antecipando necessidades, dotando-se o sistema penitenciário de condições para exercer seu papel de contenção e ressocialização.

É fato que o número de vagas hoje existente na capital e região metropolitana é insuficiente para atender a demanda, de forma que é absolutamente indispensável, observando os números e fazendo projeções, estabelecer o que ainda é necessário fazer agora e para o futuro próximo.

A experiência tem demonstrado que o Poder Público tem se mobilizado para atender as demandas do sistema penitenciário, quando a situação se aproxima da saturação, sendo exemplos recentes os ocorridos com a Colônia Penal Agrícola, que elevando o número de vagas com as adequações emergenciais feitas pela Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, dificultou a qualidade do tratamento penal desta e de outras Unidades Penais cujas capacidades foram ampliadas.
As futuras Unidades Penais devem ser inauguradas com seus quadros de pessoal completos e o preenchimento de vagas, para desafogar cadeias públicas, com os cuidados necessários de triagem, contribuindo para a adequação do tratamento penal".

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Na continuação desta série, iremos divulgar as propostas de medidas que são, no entender da Comissão, absolutamente indispensáveis. Destacam-se, entre elas: a) reestrutura da organização do Departamento Penitenciário; b) interiorização de unidade de regime fechado e semi-aberto feminino; c) interiorização do regime semi-aberto masculino, edificando ao lado de cada unidade de regime fechado; d) no planejamento das unidades provisórias, prever estrutura física que permita o trabalho e o estudo, em face da demanda dos presidiários sempre crescente quando a esses direitos legalmente previstos. (Segue).


René Ariel Dotti é advogado. Professor titular de Direito Penal na Universidade Federal do Paraná. Co-redator do anteprojeto que se converteu na Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84). Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007).

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 28/12/2008.

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