terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Artigo: Por que os economistas falharam na previsão da crise econômica?

É impressionante como os economistas, da mesma maneira que os financistas e investidores, se iludem com as aparências.

É incrível como não vasculham mais a realidade para desnudarem o que está "oculto" no "aparente".

Ficam no "aparente do aparente" (Nilton Bonder) e um acaba servindo de espelho para o outro.

Terminam por fazer um discurso "clonado" e repetitivo (economistas e financistas) ou por terem um comportamento idêntico (investidores).

Se a bolsa na Ásia começa mal, a tendência quase que implacável é o mundo todo acabar o dia mal.

Um investidor copia o outro, sem atinar muito para as realidades que estão por trás da aparência.

As previsões e diagnósticos dos economistas e financistas são, quase sempre, as mesmas. Poucos divergem. O comportamento do investidor é sempre espelho do que ocorre com outros investidores. O que há de intrigante em tudo isso?

O seguinte: raramente os primeiros ou os segundos vão fundo em suas análises para descobrir o que está "oculto" por detrás do "aparente". "Todos pensam igual, vão ao mesmo lugar, tentam as mesmas coisas, têm as mesmas grandes idéias, etc., porque estão no reino do aparente do aparente" (N. Bonder). Eles esquecem completamente o que dizia Walter Lippman: "Quando todos pensam igual, ninguém está pensando".

Já estávamos em junho de 2008 quando o presidente do Banco Central europeu Jean-Claude Trichet disse: "Nosso cenário base mostra que teremos um retrocesso no crescimento durante o segundo e o terceiro trimestre deste ano, para depois retornar a um crescimento moderado e progressivo no quarto trimestre".

Simon Johnson, economista chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), afirmou em 2007: "Todos os riscos que cobrem nossas previsões parecem menos ameaçadores que seis meses atrás".

Atrás dos economistas vão os governantes. Lula chegou a se referir à crise como uma "marolinha" passageira. Nem sequer é uma gripe: é um mero resfriado. José Luis Rodríguez Zapatero, presidente do governo espanhol, disse em junho de 2008 que a economia do seu país iria crescer 2% esse ano.

Pouquíssimos foram os economistas que anteciparam a crise. Nesse restringidíssimo rol cabe mencionar, dentre outros, Nouriel Roubini e Paul Krugman, que bem entenderam que "o aparente induz ao erro; é necessário revelar outras formas de lidar com o aparente onde se façam conhecidos os elementos ocultos do aparente" (Bonder).

De um modo geral os economistas, um repetindo o outro, foram incrementando o discurso: de simples turbulências evoluíram para uma desaceleração, desta para uma crise, desta para uma recessão e, agora, alguns já começam a falar em depressão ou, pior, em estagdeflação. Um vai copiando o outro. Agora todos eles só disseminam notícias ruins.

Por quê? Seriam conflitos de interesses ou falta de transparência ou medo de remar contra a maré discursiva? Ou seria uma absurda resistência para ouvir os críticos do falacioso e destrutivo sistema econômico desenvolvido pelos americanos?

Agora se sabe que os Estados Unidos da América estão em recessão desde dezembro de 2007. Por que ninguém denunciou isso na época adequada? Onde estavam os "gurus" das finanças americanas? Peter Drucker costumava dizer que a palavra guru se popularizou porque a palavra charlatão era muito grande para ser usada persistentemente nas manchetes dos jornais.

As previsões dos economistas, em geral, assim como o comportamento mimetizado dos investidores, lembram (como salientou Contardo Calligaris na Folha de S.Paulo de 4 de dezembro de 2008, p. E8) a seguinte história: alguns colonos ingleses recém-chegados nos EUA se instalaram no alto de uma colina e estavam muito receosos com o primeiro inverno deles (em terras ainda estranhas).

Cortaram bastante madeira e, enfim, recorreram à sabedoria dos índios, que acampavam na colina em frente à deles. Foram consultar o xamã: Como será o inverno? "Será muito frio", respondeu o xamã. Os colonos cortaram mais madeiras, aumentando seu estoque.

No fim de novembro, eles decidiram consultar novamente o xamã, que desta vez respondeu: "Será muito, muito frio". Os colonos não hesitaram: serraram e empilharam madeira até não poder mais. Já em dezembro, só para garantir, eles voltaram a interrogar o xamã, que desta vez respondeu que seria o inverno mais frio de todos os tempos.

Os colonos iam voltar preocupados para suas barracas e, claro, amontoar mais madeira quando um deles perguntou para o xamã: "Mas como você faz para saber como será o inverno?". "É simples, respondeu, "olho para as casas dos colonos lá na colina em frente. Se eles cortam muita madeira, é que o inverno será frio".

Mais um exemplo de diagnóstico que se fia no "aparente do aparente". Não tem base na realidade, que está oculta. Tudo se transcorria no patamar da superficialidade, até que um dos colonos quebrou essa lógica indagando como era possível descrever o próximo inverno.

Claude Lévi-Strauss escreveu: "sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é o que formula as verdadeiras perguntas" (Cortella, "Não nascemos prontos", RJ, Vozes:2006)

Nilton Bonder ("O segredo judaico de resolução de problemas", Imago, RJ: 1995) enfatiza: "Quem não enxerga sabe que não vê. Mas pior é o que vê e pensa que tudo o que vê é o que é. Todos nós temos que enfocar o "aparente do aparente" não como verdades sabidas, sim, como um estágio para descobrir nossas ignorâncias".

E aconselha: "Saiba ser sensível a todas as possibilidades que um enunciado ou contexto apresenta. Seja um literalista e busque listar todas as realidades compatíveis com o que não sabe (...) Todo aquele que deseja aprender do óbvio deve voltar-se para aquilo que o óbvio pode ensinar sobre o que não é óbvio. Infelizmente, na maioria das vezes somos cativados pela estética do óbvio e o absorvemos com um ilusório senso de superioridade. Percebemos a clareza e nos sentimos poderosos, enquanto o lugar do saber está na intimidante percepção das escuridões".

A terrível crise mundial que atravessamos talvez pudesse ter sido evitada ou suavizada se os economistas, financistas e investidores soubessem que "nada suscita maior percepção das trevas que a luz da obviedade".


Luiz Flávio Gomes é professor doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, professor de Direito Penal na Universidade Anhangüera e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 21/12/2008.

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