Mais do que policiais nas ruas, o problema da violência urbana requer participação da comunidade. A análise é do tenente-coronel da Polícia Militar da Paraíba, Washington França da Silva, comandante-geral do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), mantido pelo governo do estado.
Desde 1997, ele trabalha estimulando a participação de comunidades de João Pessoa na prevenção da violência. Entre novembro de 2005 e agosto de 2006, quando estava à frente do 5º Batalhão da PM, unidade responsável por 32 bairros da Zona Sul da capital paraibana, desenvolveu um projeto que levou moradores e comerciantes de uma das regiões mais conflituosas da cidade a detectarem a raiz dos problemas na área.
O local em questão é a Praça Cristo Rei, localizada em Mangabeira, o maior bairro de João Pessoa, com 67,4 mil habitantes. Antigo conjunto habitacional, o bairro é formado por habitações populares. A praça fica no que poderia ser chamado de coração do bairro, onde são comuns assaltos e brigas.
Combater a doença e não os sintomas
Foi nesse cenário que o tenente-coronel França começou a promover reuniões entre comerciantes e representantes da comunidade e de órgãos públicos para identificar onde estava a origem do problema. Desde que assumira o 5º Batalhão da PM, ele havia adotado um sistema de gestão descentralizada, colocando os policiais para trabalhar com comunidades específicas, de forma que pudessem estar sempre próximos e conhecer melhor os problemas de cada localidade.
Na Praça Cristo Rei também decidiu inovar. “Decidimos fazer um trabalho articulado e integrado, com a gestão compartilhada dos problemas de segurança e desordem pública”, explica. O objetivo era envolver a população na busca de soluções.
Após várias reuniões, moradores, comerciantes e poder público constataram que o problema não era apenas os assaltos isolados e que a saída não estava exclusivamente no reforço do policiamento na região. “Tratava-se da desorganização do espaço público. A praça, que deveria contribuir para o lazer da população, passou a ser um ambiente de desordem. As pessoas pensam que a solução sempre é colocar mais policiais na rua. O que tentamos despertar na comunidade é a necessidade de conhecer de forma mais ampla o problema”, avalia França.
De acordo com o tenente-coronel, com as reuniões do projeto na Praça Cristo Rei, a comunidade conseguiu identificar problemas que não estavam bem claros antes, como o consumo de drogas no local. O trabalho ainda não rendeu uma transformação completa. “A construção começou no mês de julho e, em agosto, eu saí do comando”, recorda.
Ainda assim, ele acredita que o simples fato de colocar moradores e comerciantes para discutir os problemas da comunidade já representa um passo importante para a mudança da realidade no bairro. “O primeiro resultado positivo foi estabelecer esse diálogo entre as pessoas e as instituições. O segundo foi a compreensão de que o problema de segurança não se restringe apenas à polícia. Ele é muito mais complexo e exige soluções mais complexas, com a participação da sociedade”, relata.
A experiência desenvolvida no 5º Batalhão da PM em João Pessoa e na Praça Cristo Rei foi apresentada durante o primeiro workshop da Rede Brasileira de Policiais e Sociedade Civil “RPS Brasil: práticas e saberes policiais”, realizado no Rio de Janeiro em setembro.
Criando redes de proteção social
Na opinião do comandante do Proerd, o fortalecimento da relação de confiança entre moradores e comerciantes e a percepção completa dos problemas já ajuda a diminuir os conflitos. “Demos o primeiro passo nessa rede de proteção social”, avalia.
diante disso, novos desafios aparecem. “Primeiramente, é preciso desenvolver o espírito participativo, para que todos enxerguem a segurança como um bem coletivo. A própria Constituição Federal diz que a segurança pública é dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos”.
Na opinião de França, é importante desenvolver uma cultura de prevenção da violência. Ações que dêem oportunidades de lazer, cultura e educação às crianças de uma determinada comunidade, por exemplo, ajudam a reduzir os índices de consumo de drogas e, conseqüentemente, a evitar a ocorrência de crimes violentos.
Já em terrenos baldios que servem muitas vezes como depósito de lixo e esconderijo para prática de delitos e consumo de drogas, a solução pode ser criar um equipamento público de lazer com a ajuda de todos do bairro. “A tendência das pessoas é cobrar, mas é preciso que elas também se engajem nessa luta”, cobra França. Na sua opinião, a questão da segurança deve fazer parte também das políticas municipais. “Os prefeitos precisam discutir políticas que atendam a melhor condição de vida da população”, opina.
Moradores escolhem o melhor oficial
Para inibir a violência na comunidade, algumas vezes apenas um sinal de camaradagem é eficiente. É o que demonstra uma experiência comandada pela líder comunitária do bairro de Mangabeira, Abimadabe Vieira – que também é delegada do Orçamento Participativo, um instrumento criado pela prefeitura para ouvir a opinião dos moradores sobre como gastar o dinheiro público.
“A diretora de uma escola pública no bairro estava preocupada com a venda de drogas no colégio. Nós organizamos, então, a festa de formatura do 5º Batalhão da PM na escola. Foram mais de mil policiais. Ninguém mais quis vender drogas em um lugar que foi palco de uma festa dessas”, conta. A partir daquele dia, as formaturas do 5º Batalhão passaram a ser realizadas dentro do bairro, principalmente em escolas.
Abimadabe comanda um grupo formado por mais de 70 moradores de Mangabeira, entre comerciantes, pais e mães que sonham com mais segurança. Regularmente, realizam eventos para a polícia a fim de aproximá-la mais da população.
No Natal de 2007, por exemplo, juntaram-se para enfeitar a fachada do 5º Batalhão, com o apoio do atual comandante, Marcus Marconi Torres de Lima. No Dia das Crianças, fizeram uma festa para os filhos de policiais. Este ano, promoveram eventos também durante o mês de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, levando serviços grátis para todo o bairro. Agora, há até uma festa para premiar o “melhor praça” e o “melhor oficial” do ano.
Mas nos últimos meses o grupo de moradores está enfrentando problemas e diminuindo a freqüência de ações. Eles contam que, em março, o então comandante geral da PM, coronel Lima Irmão, foi substituído. Em agosto, a população perdeu a tenda da PM que ficava instalada na Praça Cristo Rei. Acredita-se que a medida tenha sido determinada pelo comando-geral. “Eles não comunicaram nada, não pediram a nossa opinião, não mostraram outras opções. Eu entendo isso como uma violência cometida contra a comunidade”, avalia Abimadabe Vieira.
Muitos dos que circulam pela praça ainda acreditam que o reforço no policiamento é a principal solução para a questão da violência. O taxista Manoel Almeida, de 48 anos, por exemplo, culpa a retirada da tenda da PM que servia de base na área pelo aumento da insegurança. Pouco tempo depois, um taxista morreu em meio a um tiroteio na praça. Ninguém foi preso. “Ele só estava parado, logo ali”, conta, apontado para o local onde o homem morreu. Segundo Manoel, casos de brigas acontecem todos os dias.
As mudanças acabaram atrapalhando as negociações dos moradores com o comando da PM para instalação de uma unidade fixa no bairro e de uma delegacia da mulher. “Mas a gente vai continuar tentando. Precisamos disso”, afirma Abimadabe Vieira.
Para ela, a mobilização de moradores que existe, hoje, no bairro ainda não é a ideal. “Não posso dizer que a comunidade toda se envolve, porque não é verdade. Ainda tem muita gente que não se importa. Mas temos um grupo unido e tentamos fazer a nossa parte”, diz.
Comunidade Segura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário