segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Reduzir a violência? É possível sim




É possível - Gestão da segurança pública e redução da violência. O nome já diz onde o livro quer chegar, e chega. Organizado pelos economistas e professores Fernando Veloso e Sergio Guimarães Ferreira, ele traz artigos que, em seu conjunto, renovam as esperanças dos leitores-cidadãos. São experiências de diagnóstico, planejamento integrado, políticas de prevenção e parcerias público-privadas realizadas em diferentes lugares do Brasil que se refletiram em quedas surpreendentes dos números da violência urbana.



A coletânea, lançada no Rio em 26 de novembro pela editora Contracapa e o Instituto de Estudos de Política Econômica (Iepe), reúne textos de renomados pesquisadores e gestores da segurança pública que falam do que entendem, não só em teoria, mas por experiência prática própria. Em maio de 2007, eles participaram de um seminário que reuniu pessoas de diversas áreas para discutir a gestão segurança pública.



Na apresentação, Edmar Bacha, diretor do Iepe, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do IBGE, conta que o seminário resultou de reuniões quinzenais de um grupo de estudos sobre o Rio de Janeiro na Casa das Garças, na Gávea. O grupo passou a estudar experiências positivas de combate à criminalidade em lugares díspares como Londres, Boston, Nova York, Bogotá e Medellín, além de casos em estados e cidades brasileiras.



“Na conclusão a que chegou o grupo de estudos, a estratégia deve ter como foco a qualidade da gestão da segurança pública, condição prévia para implantar mecanismos de ação policial e procedimentos de incorporação social descritos na literatura e postos em prática nas recentes experiências bem-sucedidas de redução da violência urbana”, escreve Bacha.



Para um dos autores, o antropólogo Rubem César Fernandes, do Viva Rio, a obra é um sinal de que o tema está deixando de ser domínio exclusivo de militares e policiais para tornar-se realmente público. "O livro é o resultado de uma situação singular. Economistas e homens de negócio reuniram-se regularmente por mais de um ano para pensar a segurança pública. Ouviram especialistas. Traduziram o que ouviam em suas categorias próprias de pensamento. Criaram uma agenda comum de propostas e editaram este livro", elogia.



O prefácio de Luiz Eduardo Soares convida à reflexão e à ação. Para Soares, apesar de não terem sido feitas as mudanças, inclusive constitucionais, que ele considera necessárias para acabar com a “esquizofrênica separação” das polícias civil e militar, a adaptação no Brasil, com ousadia e criatividade, de experiências internacionais de gestão e prevenção levou a avanços na segurança pública. “Este livro prova que é possível fazer a diferença mesmo sem que haja mudanças nas estruturas organizacionais das polícias. Daí não se deveria deduzir, entretanto, que as mudanças são dispensáveis”, observa.



No lançamento, na Casa das Garças, o economista Fernando Veloso conversou com o Comunidade Segura. Ele concorda com Soares que a separação constitucional das polícias cria uma série de dificuldades de gestão. “Nenhuma das duas polícias tem o ciclo completo”, criticou. Entende-se por polícia de ciclo completo aquela que desempenha tanto as funções judiciário-investigativas como as ostensivo-preventivas.



Em São Paulo e Minas Gerais, casos de sucesso



A primeira parte do livro, de autoria dos organizadores, aborda aspectos institucionais e organizacionais de reformas gerenciais na segurança pública, com ênfase na polícia. Os autores descrevem as principais metodologias de gestão policial adotadas no Brasil, analisam aspectos técnicos das reformas gerenciais baseadas na implementação de sistemas informatizados de dados e apresentam experiências de redução da criminalidade violenta e modalidades de parcerias público-privadas no Brasil e em outros países.



Na segunda parte, entram em cena os especialistas com seus estudos de casos. O primeiro é o do estado de São Paulo, que registrou uma queda de 57,6% da taxa de homicídios entre 1999 e 2006. O cientista político Túlio Kahn, coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança do estado, e o coronel Álvaro Batista Camilo, comandante do policiamento da região central de São Paulo relatam como o uso de tecnologias que mapeiam e distribuem informações criminais às unidades de polícia civil e militar e permitem realizar um planejamento integrado de ações foi importante para a redução dos índices. Eles destacam, entretanto, que o maior salto de qualidade verificado ocorreu na área de gestão. “A pauta de investimentos se diversificou e priorizou os sistemas de inteligência e a melhora do atendimento ao cidadão”, explicam.



Os dois artigos seguintes tratam de intervenções bem sucedidas em localidades com taxas de homicídios especialmente elevadas. Deniz Mizne, fundador e presidente do Instituto Sou da Paz, descreve a experiência do Jardim Ângela, na cidade de São Paulo, que contou com o envolvimento da comunidade e a criação de alternativas de mediação de conflitos. Em seguida, a secretária de Defesa Social de Diadema, SP, Regina Miki, apresenta os programas da prefeitura, evidenciando o papel importante dos municípios na gestão da segurança.



A experiência mineira, também referência nacional e internacional, é enfocada pelo secretário adjunto de Estado de Defesa Social do estado, Luiz Flávio Sapori. A fórmula em Minas Gerais foi a fusão de duas secretarias e a conseqüente integração de diversos órgãos – como as polícias militar e civil, Corpo de Bombeiros Militar, o Judiciário e o Ministério Público - em um só órgão, a Secretaria de Estado de Defesa Social. A troca constante de informações entre os órgãos e a criação de programas baseados em diagnósticos levaram a uma redução de 13% da criminalidade violenta entre 2003 e 2006.



Um programa de prevenção de homicídios desenvolvido em Belo Horizonte ganhou especial projeção e é analisado por um de seus criadores, o professor Cláudio Beato, coordenador geral do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp/UFMG). O Fica Vivo, implantado em 2002 como projeto piloto na favela Morro das Pedras, foi institucionalizado em 2003 pelo Governo de Minas e replicado em 21 áreas do estado. Além de órgãos da Secretaria de Defesa Social, o programa envolve o Clube dos Diretores Lojistas e órgãos não governamentais, e hoje conta com a participação de mais de 14 mil jovens em suas oficinas de atividades. Nas suas áreas de atuação, houve uma redução de homicídios, em comparação à cidade de maneira geral.



Experiências de parcerias público-privadas no Rio encerram o livro. César Campos, coordenador do Programa Delegacia Legal, criado em 1999, conta como foi o processo de informatização das delegacias do estado, que melhorou o atendimento à população e o registro dos dados criminais.



Por fim, Rubem César Fernandes conta a história do Viva Rio, movimento da sociedade civil criado em 1993 com a missão de buscar a redução da violência e a integração social. Desde então, Viva Rio desenvolveu uma série de projetos de pesquisa e de ações locais e envolveu-se intensamente na campanha do desarmamento. Nos últimos anos, a organização realizou diagnósticos e planos de segurança pública para diversos municípios fluminenses, além de promover projetos de capacitação policial e policiamento comunitário em parceria com governos e a iniciativa privada.



Na opinião de Fernando Veloso, falta ao Rio a integração entre as polícias, o Judiciário, o Governo federal e a Prefeitura para a promoção de ações conjuntas. Ele sugere a divisão da cidade do Rio em Regiões Integradas de Segurança Pública (Risps) - áreas com uma companhia da PM e uma delegacia, como é feito em São Paulo e Minas Gerais -, nas quais as unidades policiais teriam metas a cumprir, por exemplo na redução de homicídios ou de roubos.



Veloso destaca ainda a necessidade de prestação de contas pelos gestores em reuniões periódicas. “Falam que faltam recursos, mas se houver uma cobrança isso não vai ocorrer. A cobrança é fundamental. A sociedade é o cliente e o tema está na ordem do dia”, defende.



É possível tem 207 páginas e custa R$ 35. Assina a orelha Maria Silvia Bastos Marques e a contracapa, Pedro Malan. “Se você não pretende se deixar levar pelo desencanto, pela frustração, pelo ceticismo e pela desesperança, leia este livro”, recomenda o ex-ministro da Economia.


Comunidade Segura.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog