Policiais do Distrito Federal estão prestes a vestir um novo uniforme: a beca. 1.250 policiais militares estudam e debatem questões como direitos humanos ou preservação de evidências em locais de crime. Trata-se do curso à distância de Tecnologia em Segurança e Ordem Pública – parte do projeto Policial do Futuro, que pretende formar cinco mil policiais em seis anos.
O projeto surgiu por iniciativa da PM da capital federal, e o curso é realizado pela Universidade Católica de Brasília (UCB). “A formação e a capacitação foram adotados como eixo estratégico de desenvolvimento institucional da PMDF", afirma o Coronel Ricardo Martins, gerente do projeto. Ele conta que, ao ser decidido que o policial do DF seria graduado em nível superior, buscou-se uma interação com a Política Nacional de Segurança Pública.
Assim, o currículo de Tecnologia em Segurança e Ordem Pública foi elaborado sobre a base da matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), e foi concebido pela necessidade de ampliar os horizontes da formação policial, mas sem deixar de lado a especificidade da sua área de atuação. “Desenhou-se um curso voltado para o perfil do profissional da Segurança Pública”, diz Martins. O curso tem duração de dois anos e é realizado com tecnologia de ensino à distância, para se adaptar à rotina de escalas dos policiais.
Para ser policial, nível superior
As aulas começaram em agosto de 2008, e a primeira turma é composta de 1.350 pessoas aprovadas no vestibular da UCB – 100 vagas são destinadas a civis. Segundo levantamento da PM, o efetivo no DF é de cerca de 14 mil homens, dos quais cinco mil não têm curso superior. “Estamos falando de todo o efetivo, inclusive os praças. Capacitação não deve ter um nivelamento hierárquico”, afirma Martins. Os custos com os estudos dos policiais da ativa sem formação universitária são assumidos pela Polícia Militar. O curso terá um custo de R$ 36 milhões durante seis anos.
O curso chega num momento em que a Polícia Militar do DF passa a exigir nível superior nos próximos concursos de admissão. Os policiais que já estão na corporação não serão obrigados a fazer a faculdade, mas são encorajados pela instituição a fazê-lo.
“Achamos que a obrigatoriedade poderia inclusive prejudicar o projeto. Nós preferimos o convencimento, inclusive dando incentivos concretos", diz o coronel Martins, referindo-se à modificação do plano de carreira, que passará a levar a graduação em conta na ascensão profissional do policial. "Só no primeiro vestibular, foram 5.800 inscritos", orgulha-se.
No entanto, não se trata somente de ascensão na carreira. Ter um diploma de curso superior em Segurança Pública melhora auto-estima do policial, o conhecimento da sua atividade diária e, principalmente, faz com que ele reflita de maneira crítica a sua atuação profissional. “Estamos vivendo num contexto em que há necessidade constante de aprendizado e aperfeiçoamento. O policial que estuda em uma universidade, além de ter um acréscimo de conhecimento, muda a imagem de toda a corporação junto à sociedade. Por outro lado, a própria sociedade ganha com profissionais mais bem preparados para lidar com os conflitos sociais”.
Desconstruir a falsa dicotomia entre prática e teoria
O sargento Salustiano Rodrigues, há 12 anos servindo na corporação do DF (leia a entrevista completa aqui), destaca a importância do curso, que apresenta, segundo ele, conceitos novos trazidos pelas ciências sociais, ao mesmo tempo em que serve para um aperfeiçoamento profissional mais direto. “Mais chamam a minha atenção as disciplinas da área do Direito, pois têm uma relação muito grande com a minha atividade”, diz.
Para ele, a maior ajuda para seu trabalho cotidiano vem da quebra de preconceitos e paradigmas da segurança pública que o curso possibilita. “O curso amplia a visão crítica do policial”, afirma.
Moema Freire, professora da disciplina “Estado, segurança pública e complexidade social”, dá um exemplo: “em uma de nossas primeiras aulas, estabelecemos um debate sobre o senso comum. Após essa reflexão, vários alunos enviaram comentários identificando e questionando alguns comportamentos e crenças muitas vezes identificados como preconceituosos na segurança pública”, conta.
“Mesmo aqueles conteúdos do curso de maior carga teórica, que à primeira vista podem parecer não estar diretamente ligados à atuação policial, também possuem uma alta aplicação no trabalho diário dos alunos”, acredita a professora Moema.
“O que eu acho mais importante nesse curso é desconstruir a falsa dicotomia entre prática e teoria, mostrando que as atividades diárias do policial podem encontrar um ambiente profícuo de reflexão dentro da academia”, opina Marcelle Figueira, coordenadora do curso.
Ela conta que a convivência dos policiais com a universidade é tranqüila. Apesar de ser à distância, o curso tem momentos presenciais - especialmente os dias de prova. Se os policiais chegam armados - pois muitos vêm direto do serviço -, lhes é pedido que guardem suas armas em algum lugar próprio para isso, dentro da universidade.
“Eles são como qualquer aluno; alguns circulam pela universidade fardados, sem problema algum”, conta. Dizer isso pode parecer óbvio, mas não é bem assim porque os professores também têm revisto certos paradigmas. "Alguns tinham uma visão muito repressora da polícia", afirma Marcelle.
Mas o que aprendem os alunos, exatamente? O curso tem um total de 1.650 horas de aula, divididas em quatro módulos: “Fundamental: as relações indivíduo, estado e sociedade”, “Instrumental: gestão e segurança pública”, “Profissional: sistemas e estratégias de prevenção” e “Profissional: prevenção em ação”. Acesse a grade curricular completa aqui (formato PDF).
Construção conjunta do conhecimento
Por ser um curso à distância, os alunos têm suas aulas pela internet, através da plataforma de educação à distância da UCB. “Ela [a plataforma] é excelente, sempre reforçando o conteúdo com hipertextos que ajudam o aluno a aprofundar-se nos diversos temas estudados”, elogia o sargento Rodrigues.
Além das aulas, há os fóruns de debate online, que fazem parte inclusive da avaliação dos alunos. São espaços interativos, de debate e muita polêmica, que favorecem a construção conjunta do conhecimento em um campo que está longe de ser uma ciência exata. “Durante o debate nos fóruns, naturalmente surgem opiniões divergentes, mas essas divergências não significam resistência a novos conhecimentos, e sim um estímulo adicional à reflexão sobre a complexidade da segurança pública”, diz Moema Freire.
A professora destaca também a troca de experiências entre a academia e o mundo policial. “Esse contato tem me proporcionado um grande aprendizado. Os elementos teóricos apresentados nas aulas logo são enriquecidos pela experiência profissional dos estudantes”, diz. O aluno Salustiano Rodrigues reforça a mesma idéia, do lado policial: “Na universidade, temos contato com um mundo totalmente novo e diversificado em relação ao tema”.
Por sua vez, o coronel Martins destaca a importância da educação continuada do policial, mais abrangente que uma formação meramente técnica. “É claro que se ele for para o Bope (Batalhão de Operações Especiais), terá que fazer o curso do Bope. Se for para a cavalaria, terá que fazer o curso apropriado. Mas a base deve ser comum a todos: a de uma polícia mais voltada para o cidadão”, diz ele, e completa: “isso também é valorizar o policial – não é só o salário”.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas nesse curso é o desafio de trazer de volta para o ensino pessoas que há muitos anos estavam longe dos estudos. “Temos alunos que estavam há mais de 15 anos sem estudar", conta Marcelle Figueira. Por outro lado, a distância dos estudos também serviu como incentivo. “Em geral, os alunos têm iniciado sua trajetória acadêmica nesse curso com muito entusiamo. O curso é visto como uma grande oportunidade”, diz a professora Moema.
De fato, entusiasmo é o que não falta. “Estudo de três a quatro horas por dia. Há uma necessidade de autodisciplina muito grande. Afinal, são horas a fio de estudo para obter êxito, o que não é muito fácil após um dia inteiro de trabalho nas ruas. Mas vale a pena”, comemora Rodrigues.
Comunidade Segura.
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