quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Crimes contra crianças permanecem impunes

Justiça e Ministério Público cobram agilidade nas investigações policiais que se arrastam por anos

O atendimento a crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais não é prioridade para a Polícia Civil. A constatação é de juízes e promotores que estão recebendo somente neste ano inquéritos de casos registrados entre 2002 e 2005.

Um exemplo desse descaso é a suspeita de atentado violento ao pudor cometido pelo padrasto contra uma menina de 10 anos, portadora de paralisia cerebral. O caso chegou ao conhecimento da Justiça quatro anos depois.

A mãe foi à Delegacia de Polícia para a Criança e o Adolescente Vítima (DPCAV) no dia do fato, 6 de junho de 2004. Um mês depois, a perícia confirmou lesões e vestígios de ato libidinoso. A investigação foi concluída este ano sem a coleta de um depoimento sequer e sem que o suspeito, foragido do semi-aberto, tenha sido localizado.

Expresso em 27 páginas, o trabalho policial de quatro anos foi em vão. No período em que o expediente se arrastou na delegacia, a vítima não recebeu do Estado a proteção a que tem direito, nem o padrasto, a punição devida.

A morosidade desse tipo de investigação virou regra, segundo autoridades. Nos últimos três meses, apenas nove inquéritos resultaram em denúncia pelo Ministério Público (MP) e chegaram às mãos do juiz José Antônio Daltoé Cezar, titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude. Cinco são de casos ocorridos entre 2003 e 2004.

Ao receber procedimentos cuja antigüidade prejudica a obtenção de provas e o amparo às vítimas, um dos promotores de Justiça da Infância e Juventude da Capital, Alexandre Spizzirri, e o juiz Daltoé decidiram cobrar do Estado. O juiz enviou ofícios à governadora Yeda Crusius, ao Conselho Estadual de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente e ao Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca).

– É inadmissível que fatos fiquem anos sem ação por parte do poder público – enfatizou o juiz.

MP requisita que casos sejam enviados imediatamente

Até o momento, não houve resposta oficial. Inquéritos antigos estão chegando à Justiça principalmente pela interferência da Promotoria de Controle Externo do MP, que faz inspeções semestrais em delegacias. Na visita feita em julho à DPCAV, foram encontrados 1.883 inquéritos de fatos registrados entre 2002 e 2005, e 3.177 de 2006 a 2007. Nesses casos, o MP requisita que o material seja enviado à Justiça imediatamente.

Dessa forma, muitos dos inquéritos chegam à Justiça apenas com o registro da ocorrência. De novidade, o despacho do delegado informando “remeta-se este procedimento no estado em que se encontra ao Poder Judiciário, solicitando o arquivamento, face o tempo transcorrido e a impossibilidade de atendimento em tempo oportuno”.

O promotor Alexandre apurou que entre 1º de agosto e 22 de outubro foi necessário solicitar 63 diligências relacionadas a inquéritos antigos.

– São medidas sem as quais seria impossível ingressar com a ação, ter um embasamento de provas para a denúncia – afirma o promotor.

Há cerca de um mês, juiz e promotor se reuniram com delegados do Deca, ao qual está subordinada a DPCAV. O encontro visava a discutir meios de melhorar o atendimento.

– Não queremos ser algozes da polícia. Sabemos das dificuldades de estrutura e de pessoal e queremos ser parceiros em busca de solução – destaca Daltoé.

Zero Hora.

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