terça-feira, 8 de julho de 2008

O corpo e a vida por uma pedra

O primeira vez da adolescente da Vila Elizabeth, na zona norte de Porto Alegre, foi com um traficante. O segundo homem era quatro décadas mais velho e pagou R$ 40 pelo sexo feito dentro do carro em uma rua da Capital. Nas duas ocasiões, a menina de classe média cedeu o corpo, o único bem que ainda restava, para saciar o desejo por crack.

Enquanto os garotos encontram no crime a saída para sustentar o vício, meninas como ela, que hoje têm 15 anos, estão buscando no sexo os meios para comprar as pedras que lhes oferecem um instante de alívio. O resultado é a multiplicação das zonas de prostituição nas maiores cidades do Estado. Profissionais engajados no atendimento das usuárias de crack afirmam que já escasseiam as que nunca fizeram programa. Na fissura, aceitam droga como pagamento e se arriscam sem preservativo.

A Casa Marta e Maria, da Capital, que trata dependentes químicos do sexo feminino, é um bom local para avaliar a expansão do problema: o crack virou onipresente. As 20 internas, com idades de 12 a 25 anos, já usaram a pedra.

- A maioria admite ter passado pela exploração sexual - revela a irmã Genési Guedes, coordenadora da casa.

A adolescente de 15 anos da Zona Norte estava até duas semanas atrás na instituição, mas foi excluída por problemas de comportamento. Sua trajetória ilustra a derrocada pessoal que leva do crack à degradação. Enquanto a mãe e o padrasto trabalhavam, ela permanecia em casa, usando maconha. Um dia, aos 12 anos, o vizinho e melhor amigo ofereceu crack.

- Dei um pega e enlouqueci. É uma pedra deste tamanhinho, mas te domina - conta.

Com 13 anos e um histórico de abandono da escola, alucinações, furtos e venda de suas roupas, foi internada pela mãe. Conseguiu fugir, louca por crack e sem dinheiro. Foi parar na casa do traficante, com quem se iniciou sexualmente:

- Fiquei duas semanas lá, por causa da droga. Passava o tempo todo só usando, sem dormir. No final, a gente nem tinha tanta relação.

Depois de fugir da boca-de-fumo e de ser perseguida e ameaçada pelo traficante até ele ser assassinado com sete tiros e uma pedrada na cabeça, há cerca de um ano, a adolescente encontrou abrigo na residência de uma amiga que se prostituía pelo crack. Sem dinheiro para a droga e estimulada pela outra, vestiu roupas curtas e seguiu para a Rua Voluntários da Pátria em uma noite de chuva. Embarcou no carro de um homem de mais de 50 anos.

- Odeio contar essa parte. Eu tinha 13 anos. Foi dentro do carro, em um lugar escuro. Eu não sabia como fazer e fiquei encabulada. Caí no choro e disse que não conseguia fazer. Ele gritou comigo. Tive muito nojo. Mas peguei os R$ 40 e fui comprar a droga.

O aparecimento de um exército de meninas como a adolescente de 15 anos provocou uma reviravolta nos pontos de prostituição. As novatas, chamadas de "pedreiras" pelas mais antigas, circulam como zumbis nos arredores da Rua Voluntários da Pátria, na Capital, às vezes fumando a pedra entre um programa e outro. Para as que não se drogam e estão no ofício há mais tempo, a invasão das meninas do crack significou declínio no número de clientes e no preço. As pedreiras topam sexo sem camisinha por R$ 5 ou R$ 10. Ou por uma pedra.

- Os clientes querem a mesma coisa, mas a gente está aqui para ganhar a vida - reclama uma prostituta de 23 anos.

Outra novidade trazida pelas pedreiras foi a violência. Viraram rotina meninas chapadas se arrastando no chão ou chorando por terem sido agredidas por um cliente. No dia 10 de maio, uma pedreira de 23 anos foi baleada nas costas por um cliente, depois de uma discussão sobre o local do programa. Ela estava havia 72 horas sob efeito do crack. No Hospital de Pronto Socorro, uma semana depois, prometeu em entrevista a Zero Hora deixar o vício e a prostituição para trás.

- Esse tiro estragou um pouco a minha vida, mas veio para me ajudar a ter vergonha na cara. Daqui, vou direto para a casa da minha mãe - planejou.

A garota morreu no dia 12 de junho, no hospital.


Zero Hora.

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