quarta-feira, 2 de julho de 2008

Mercado competitivo faz aumentar a procura por cursos de oratória

Na Antigüidade, falar bem em público já era uma habilidade considerada importante. Professores como o grego Aristóteles e o romano Quintiliano se aprofundaram no assunto e fundaram as bases da oratória, uma tradição que se estendeu ao longo dos séculos. Ou seja: desde a civilização clássica, sabe-se que a arte da eloqüência não é necessariamente um dom natural. Uma boa retórica depende de estudo e, principalmente, treinamento.

Nos dias de hoje, o senso comum diz que as aulas de oratória são procuradas por pessoas extremamente tímidas ou políticos dispostos a melhorar sua lábia diante do povão. Nada disso. Em voga novamente, os cursos do gênero recebem cada vez mais alunos, a grande maioria em busca de ascensão profissional. É que o mercado, essa entidade superior e onipresente, tem sido cruel com quem não sabe se expressar direito em público.

A começar pelas entrevistas de emprego, acirradíssimas. Em muitos casos, os processos de recrutamento também incluem as constrangedoras dinâmicas de grupo, que limam logo de cara os menos falantes. Mesmo os já empregados devem ter a língua afiada se quiserem sobreviver nessa selva. Reuniões, apresentações de projetos e concursos internos são uma constante no mundo corporativo – e exigem funcionários afiados no que se convencionou chamar de ‘‘comunicação interpessoal’’.

Diante desse cenário, pode-se afirmar que quem procura um curso de oratória em 2008 é porque perdeu oportunidades. Ou tem medo de perdê-las no futuro. Que o digam os 10 alunos matriculados na turma de junho do Senac, em Curitiba. Numa noite gelada de terça-feira, eles largaram suas famílias e o aconchego do lar para assistir à primeira aula, sempre a mais embaraçosa.

Um a um, os alunos se levantam e falam um pouco de si, a partir de um questionário escrito no quadro. Curiosamente, apenas dois ou três se mostram excessivamente travados. O espontâneo Mário César, por exemplo, não esconde a vontade de participar da reportagem. No intervalo, conta que vende carros em uma concessionária e está ali para buscar um ‘‘crescimento em todas áreas’’.

A performance no trabalho, ele revela, poderia ser melhor. ‘‘Quando estou com um ou dois clientes, não há problemas. Mas falo rápido e gaguejo se estou em frente a um grupo maior’’, afirma o vendedor de 35 anos. Mário também enrola a língua na igreja evangélica, em situações que pedem uma palavra de fé perante os outros fiéis. ‘‘Quero poder falar, sem gaguejar, como a vida é bela’’, diz.

A verdade é que o vínculo entre empresas e clientes mudou. ‘‘Relacionamento’’ e ‘‘fidelização’’ são as novas palavras de ordem entre os ‘‘consultores de vendas’’, como agora são chamados os vendedores. Além de convencer os fregueses, eles devem ensiná-los a usar os produtos.

Como o consultor João Carlos Moreira, 40, responsável pela área de pós-venda de uma companhia de alimentos. Seu trabalho consiste em treinar panificadores que utilizam matéria-prima produzida por sua empresa. Mas ele nem sempre consegue se expressar como gostaria.

‘‘Tenho a informação, só que não consigo transmiti-la com clareza’’, confessa Moreira. Com as técnicas aprendidas no curso do Senac, pago pela companhia, o consultor pretende surpreender os clientes. ‘‘Falar sobre pão já é chato. Imagina por duas horas. Meu objetivo é fazer um treinamento diferente, que as pessoas tenham prazer em participar’’, afirma.

Dentro do perfil variado da turma, há quem sequer entrou no mercado. Karin Bittar, 24, recém-formada em Ciências Eqüinas, matriculou-se nas aulas de oratória para encurtar o caminho rumo ao primeiro emprego. Ela conta que fica ruborizada e com ‘‘o coração na goela’’ quando se vê diante de uma platéia. ‘‘Quero fazer uma apresentação sem ter de ficar consultando uma ‘cola’ o tempo todo’’, diz.

Empregados ou não, os alunos passam por um processo de desmistificação da fala. ‘‘Vocês estão muito mais expostos ao público no dia-a-dia do que imaginam’’, provoca a professora Sirley Maciel, do Senac. ‘‘Contem com quantas pessoas você falam em um dia normal. Todo conhecimento que usaram para falar com uma, poderiam usar para falar com todas, se estivessem reunidas numa sala’’, prossegue. E conclui:

‘‘O que muda é a sensação, a forma como vocês se colocam nessa situação’’.


Folha de Londrina

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