Etiqueta para o século 21.
Gloria Kalil deixou recentemente o trono de consultora de moda e estilo mais festejada do país, localizado no sétimo andar de uma área nobre de São Paulo, para subir a serra gaúcha. Veio explicar, ao vivo e em cores, no Condomínio Alphaville, em Gramado, quais são os requisitos para se ter etiqueta no século 21. O encontro não poderia ter tido uma autoridade maior. Gloria é best-seller no assunto. Viaja o Brasil distribuindo ensinamentos sobre moda e boas maneiras. Já são quatro livros sobre o assunto, que a colocam sempre no topo da lista dos mais vendidos. O mais recente, Alô, Chics!, traz respostas a dúvidas enviadas à autora por internautas do site Chic, ouvintes da Rádio Eldorado de São Paulo e telespectadores do programa Fantástico, da TV Globo. Televisão, rádio, internet: Gloria Kalil (o sobrenome ela herdou do ex-marido, José Carlos Kalil) é uma celebridade multimídia. Ela sorri. Não gosta do termo. "Uso minha vivência para ajudar as pessoas, e só", diz. Simpática e de uma simplicidade desconcertante tratando-se de quem é, Gloria aproveitou o intervalo entre um compromisso e outro para conceder a DonnaZH a entrevista a seguir.
DonnaZH - Seu mais recente livro, Alô, Chics!, a exemplo de todos os outros três, está na lista dos mais vendidos. As pessoas estão carentes de boas maneiras?
Gloria Kalil - As pessoas estão preocupadas, sim, com a maneira como se apresentam e se relacionam - e dou razão a elas. É algo que tem um peso enorme hoje em dia. Vivemos um momento de grande competitividade, imersos em um mundo globalizado, com problemas de desemprego. Nesse contexto, questões como aparência e relacionamento são muito importantes.
DonnaZH - Alô, Chics! inicia com a frase: "Ninguém é chic se não for civilizado". Etiqueta e elegância estão associadas à educação?
Gloria - Sem dúvida nenhuma. As pessoas imaginam que para ser chique e elegante basta uma boa aparência. Não tem nada a ver. Conteúdo é essencial. Elegância é questão de aprendizado, ninguém nasce sabendo ser elegante. Já etiqueta é questão de civilidade. A etiqueta que eu proponho tem como objetivo ajudar as pessoas nos dias atuais. Você lê até hoje em diversos livros que a mulher não deve dirigir-se diretamente ao garçom no restaurante. Faz o que então? Desenha o pedido na mesa? Há certas regras vigentes que não fazem mais sentido.
DonnaZH - Como é a etiqueta para o século 21?
Gloria - É adaptar todas as etiquetas vigentes para o modo de vida atual. Levá-las para o convívio nas cidades, do jeito que as cidades estão - com essa difícil convivência, com o trânsito caótico. É aprender a ter civilidade em questões difíceis do nosso cotidiano.
DonnaZH - Recentemente, assistimos a uma disputa entre Barack Obama e Hillary Clinton pela vaga do Partido Democrata na corrida pela presidência dos Estados Unidos. Hillary saiu perdendo. Ainda há preconceito com as mulheres na política?
Gloria - Eu acredito que sim. Os americanos sempre tiveram muitas questões raciais difíceis de resolver. O fato de Barack Obama ser homem, mesmo sendo negro, leva vantagem em relação a uma candidata mulher.
DonnaZH - O criticado figurino de Hillary contribuiu para sua derrota?
Gloria - Eu acho os figurinos dela terríveis (risos). Mas não sei até que ponto isso pode ter influenciado. Hillary caiu no clichê de usar terninho. Talvez tenha pensado que, com isso, ganharia credibilidade por vestir uma roupa neutra. Eu até entendo seus motivos. Uma mulher em campanha política não está ali para ser julgada pela maneira como se veste. A maioria acredita que, com um terninho, coloca essa discussão à margem e passa despercebida.
DonnaZH - Política e moda é um casamento difícil.
Gloria - É. Nenhuma mulher que está no poder quer ser notada pelos figurinos. Ela não está lá para isso, pelo contrário. Isso atrapalha. Veja a Marta Suplicy, por exemplo. É criticada pelo botox, pela cor do cabelo, pelo tailleur... Se ela usa tailleur é porque é tailleur, se usa terninho é porque é terninho, se coloca um vestido de babado é porque o vestido tem babado... É muito difícil! O tipo de olhar que a sociedade lança sobre as mulheres prejudica muito as candidatas.
DonnaZH - Ninguém critica as olheiras do governador José Serra, mas todos criticam o botox da Marta. É mais ou menos por aí?
Gloria - Exatamente. Ninguém critica as olheiras do Serra, ninguém critica as variadíssimas mudanças de cor dos cabelos do Sarney (José Sarney, senador), que um dia está preto, outro dia está vermelho, um dia o bigode dele está preto, outro dia está branco... Ou seja: o Sarney pinta o bigode, pinta o cabelo e ninguém fala nada! Há, sim, uma patrulha em cima das mulheres.
DonnaZH - Porto Alegre tem três candidatas em potencial à prefeitura. Que conselhos uma consultora de moda e estilo daria a elas?
Gloria - Existem alguns modelos preestabelecidos que podem ser observados. Um deles é o da presidente do Chile, Michelle Bachelet. Ela segue um pouco a linha de Hillary Clinton, gosta de terninhos. No lado oposto, tem o estilo mais esfuziante, adotado por Cristina Kirchner, da Argentina. A grande dificuldade das mulheres na política são exatamente esses opostos. Se elas se vestem sobriamente com um terninho, criticam que estão de terninho. Se são mais vaidosas, caem em outro extremo. Eu gostava muito do modelo da ex-primeira dama americana Nancy Reagan. Ela conseguia um meio termo bastante interessante. Não fazia nem o estilo graciosa demais, nem o estilo masculino. Era um estilo bastante contemporâneo. Acho que é por aí.
DonnaZH - A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, consegue esse equilíbrio?
Gloria - Conheço pouco o estilo da Yeda, mas, sempre que a vejo, me passa a sensação de uma mulher agradável. A imagem que tenho dela é a de sempre estar usando uma blusa de malha e um lenço no pescoço. É uma mulher bonitona que consegue ser discreta. Ela não segue o estilo terninho, nem tailleur. Conseguiu essa neutralidade de não falarem do seu figurino. Atualmente, porém, acho que a Yeda até preferiria que falassem de suas roupas em vez de falarem de tanta crise em seu governo... (risos).
DonnaZH - Como avalia o estilo da gaúcha se vestir?
Gloria - Tive contato com o mercado daqui durante muitos anos em função do meu trabalho na Fiorucci nos anos 1980, e o Rio Grande do Sul sempre foi considerado um Estado de grande infidelidade a marcas. Não sei se isso mudou, acredito que não. O que percebo é que, devido ao clima mais frio, há uma certa seriedade das mulheres na hora de se vestir.
DonnaZH - A gaúcha gosta de usar calça legging para passear na rua. Pode ou não pode?
Gloria - Sério? Eu não conhecia esse deslize da gaúcha (risos). Tudo pode, né? Mas que é feio, é. Aliás, legging é uma praga da moda.
DonnaZH - O estilista Ocimar Versolato critica o apego da mulher brasileira ao cabelo comprido. Diz que é cafona. Você concorda?
Gloria - É o estilo da brasileira, não tem jeito. A mulher brasileira acredita muito no cabelo. É cafona, sim. Mas é engraçado. Ela também gosta da roupa mais justa e mais curta. A mulher brasileira usa o jeans muito mais justo do que as mulheres de outros países. Existe um estilo próprio da brasileira - e o cabelo comprido faz parte dele.
DonnaZH - O papel do estilista é refletir sua época através da moda. Que época é essa que estamos vivendo?
Gloria - Estamos vivendo a passagem da moda para o estilo. A palavra "estilo", hoje em dia, é extremamente usada, o que não acontecia antes. Estilo é o quê? Uma representação de individualidade. A moda hoje é uma moda múltipla, que abastece as individualidades com milhões de propostas. Antigamente, você usava isto ou aquilo - e só tinha essas duas opções. Hoje não. Se alguém chegar e falar que tem uma confecção de moda jovem, eu vou perguntar: "Mas que tipo de moda jovem?". É para o jovem ligado em música, em esporte, em computador? São nichos diferentes. E a moda reflete isso. É múltipla e atende a essa noção de individualidade e estilo que as pessoas passaram a ter.
DonnaZH - Celebridades dão exemplos de moda que são imitados pela maioria das pessoas. O fato de a Xuxa ter vestido jaqueta jeans em um casamento dá permissão para que essa peça passe a freqüentar festas chiques?
Gloria - Artistas se julgam acima do bem e do mal. Têm um trânsito na impunidade maior do que os outros. Qualquer celebridade tem que ser consciente de que suas atitudes, o guarda-roupa, o vocabulário, tudo, enfim, influencia a vida das pessoas. Esse caso da Xuxa foi uma maneira de ela pontuar uma roupa com um depoimento próprio, de dizer: "Eu sou uma pessoa de personalidade, sou aquela que está acima de qualquer regra, sou ousada". Aquela jaqueta tinha exatamente esse depoimento. Porque roupa dá depoimento, sim. Então, se você quer dar esse depoimento, é assim que você faz: ousa e quebra regras.
DonnaZH - Vivemos a era dos megacasamentos. O que antes era uma cerimônia íntima agora adquiriu status de show. Como você vê isso?
Gloria - Se você olhar um pouco para trás, verá que os casamentos tradicionais do século 18 e 19 eram verdadeiras joint ventures. Eram os pais que convidavam, eram castelos, fortunas e famílias que se uniam. O que tem de novo nesses megacasamentos é que são cerimônias em que agora os noivos têm um papel. Eles participam ativamente da organização. Virou uma grande balada. A festa vai até de madrugada, tem orquestra, DJs, telões com fotos. É realmente um show. Se você parar para pensar, verá que combina com esse mundo do espetáculo que a gente vive hoje em dia.
DonnaZH - Você diz que homens e mulheres andam com a "Síndrome do Peter Pan", com medo de crescer. Isso também se reflete na moda?
Gloria - E como! (risos). A moda tem até um termo para esse fenômeno: kidult. Metade kid (criança), metade adulto. Hoje a adolescência vai até 40 anos. Até essa idade há homens e mulheres morando na casa dos pais. E por quê? Porque, antigamente, você tinha vontade de sair de casa para ter sua liberdade. Hoje em dia, você tem liberdade dentro de casa. A dificuldade de você ter um emprego e se sustentar aliada a essa liberdade faz com que ninguém mais queira sair de casa. Conheço casais que têm filhos de 30, 35, 40 anos que ainda moram na casa dos pais.
DonnaZH - Isso é bom ou ruim?
Gloria - Eu acho extremamente esquisito. Ser adolescente aos 37 anos é esticar um pouco demais essa fase. Mais tarde, fica mais difícil de a pessoa conseguir se libertar. E isso pode torná-la um ser humano sem iniciativa, sem desempenho próprio, com dificuldades em lidar com as responsabilidades da vida adulta. A moda nada mais é do que um reflexo de tudo isso. Ela não fabrica essas pessoas, mas abastece.
DonnaZH - O fenômeno do toy art encaixa-se aí, não?
Gloria - Com certeza! A toy art nada mais é do que uma categoria de brinquedinho para adulto.
DonnaZH - Você é contra essa infantilização?
Gloria - Não sou contra, mas acho um problema sério. Essa necessidade de homens e mulheres não saírem da casa dos pais é uma maneira que encontraram de se defender do mundo adulto - que pode ser perigoso e ameaçador, mas também é um mundo maravilhoso. Ficam com medo de crescer - e com certa razão. Porque o crescer hoje implica você entrar nesse mundo adulto e competitivo, de empregos e oportunidades escassas. Mais do que uma questão psicológica, é uma questão econômica.
DonnaZH - Dá para ter estilo comprando em grandes magazines?
Gloria - Sem dúvida! Moda e estilo é questão de informação e de olho - muito mais do que de dinheiro. Uma vez, a revista Veja escolheu alguns consultores de moda, eu estava entre eles, e nos deu R$ 100 para que a gente comprasse um look completo em grandes magazines. Todo mundo se vestiu superbem, com estilo e bom gosto.
DonnaZH - Você considera descabido pagar R$ 10 mil por uma bolsa de grife, sobretudo no Brasil, um país de tanta desigualdade social?
Gloria - É descabido pagar R$ 10 mil por uma bolsa em qualquer lugar do mundo! É burrice em qualquer país. O Brasil tem uma das piores distribuições de renda do mundo. Tem pessoas riquíssimas e pessoas paupérrimas. O que precisa é mercado para esses dois grupos. Muita gente critica um templo de consumo como a Daslu. Mas em uma cidade do tamanho de São Paulo precisa ter uma Daslu, com produtos importados, mais caros e sofisticados. Faz falta para um determinado nicho de pessoas. Faz parte do universo daquela cidade.
DonnaZH - É possível ser feliz sem necessariamente se encaixar no padrão de beleza atual?
Gloria - Não existe exatamente um único padrão. O que existe é uma exigência enorme de performance física. As pessoas se sentem pressionadas a ter um físico espetacular. Todo mundo tem que ser alto, magro, bonito, jovem. Essa exigência existe - e é muito forte. Eu, particularmente, acho o bocão que a maioria das mulheres deseja, algo horroroso.
DonnaZH - Picasso dizia que as mulheres eram "máquinas de sofrer".
Gloria - Picasso era muito cruel com as mulheres dele. Foi um forte contribuinte de todo esse sofrimento. A mulher já sofreu muito. Até os anos 1970, era jogo duro ser mulher. Hoje em dia há um sofrimento pela beleza. A beleza adquiriu um peso extraordinário e assustador. Os anos 2000 são os anos da celebração máxima do narcisismo e da contemplação do próprio umbigo.
DonnaZH - A maior consultora de moda e estilo do país também comete gafes?
Gloria - Mas é claro! (risos). Muitas! Quem nunca cometeu alguma gafe?
DonnaZH - Qual a maior gafe que você já cometeu?
Gloria - (Risos) Ahh, a gente comete muitas gafes... Troca nome de pessoas, esquece de agradecer gentilezas... Eu mesma já esqueci data de aniversário de afilhado.
DonnaZH - E o que você fez para reparar?
Gloria - A hora que você lembra, você imediatamente telefona e confessa que esqueceu. O problema da gafe é quando a gente fica tão envergonhada que começa a fugir do assunto. Vai ficando cada vez pior. Gafe não se estica. Ficar falando da gafe e se desculpando a vida inteira por ela é prolongar a vida da gafe. É assunto para ser resolvido o mais rápido possível. Tem que matar o touro a unha (risos).
Gloriosas dicas:
Vasos de flores, fotos das crianças, canecas, lixa de unha... Estamos falando da mesa do escritório ou da penteadeira? A mesa da secretária da diretoria é uma boa pista para saber o grau de decoração da sua. Olhe bem para a mesa dela e saiba qual o perfil da empresa. E o que ela espera de você.
Não há motivo para tratar de "senhor" e "senhora" um casal não-casado (sem papel passado), que resolveu manter sua individualidade. Se for mandar um convite, coloque os dois nomes no envelope. Novas composições do mundo civilizado. Adapte-se.
O que fazer quando a gente encontra uma pessoa usando a roupa igual a nossa numa festa? Se a desgraça acontecer, o jeito é chegar perto da outra vítima, abraçar, fazer com que todo mundo veja a dupla. Assim, sobra o resto da noite para tentar esquecer o assunto.
Zero Hora.
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