segunda-feira, 7 de julho de 2008

Como a droga alimenta o crime

A epidemia do crack

A trajetória de um adolescente de 16 anos, do bairro Serraria, em Porto Alegre, ilustra como a tragédia individual da dependência conduz ao drama coletivo da insegurança:

O drama

Usuário desde os 13 anos, ele foi apreendido por seu envolvimento em delitos e se trata para superar a dependência. Quer passar uma temporada prolongada em uma fazenda terapêutica, esperança de não retornar ao crime:

- Se eu for para a casa, sei que me enterro de novo. Sei que vou voltar para a pedra e para os assaltos.

O tráfico

Aos 13 anos, foi cooptado a trabalhar com o traficante com quem sua mãe havia se envolvido. Permanecia na entrada da viela onde se situava a boca-de-fumo, vigiando a chegada de policiais ou de traficantes rivais. Quando aparecia um estranho, dava o aviso e permitia que o namorado da mãe escondesse a droga e fugisse. Recebia crack em troca. Quando o traficante foi preso, recebeu a incumbência de vender a droga. Circulava com crack, maconha e cocaína. Em uma ocasião, foi encaminhado à Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase).

Financiamento da boca

Toda semana, o namorado da mãe aparecia com um carro novo. No rádio, o adolescente ouvia que um modelo idêntico havia sido roubado. O bandido acumulava recursos para financiar sua boca-de-fumo. Os crimes continuaram até ele juntar R$ 8 mil.

- Agora não preciso mais fazer assalto. Vou ficar só no tráfico, que dá mais - comunicou.

Assaltos e arrombamentos

O traficante começou a desconfiar do adolescente. Achava que ele estava desviando droga. Esse tipo de suspeita é uma das principais causas de execuções no tráfico. O homem ficou agressivo e parou de fornecer pedra ao rapaz. O adolescente pegou a arma calibre 22 que o traficante havia dado e começou a roubar para poder comprar droga. Assaltava pessoas na rua e estabelecimentos comerciais. O último crime foi o arrombamento de uma loja. A mãe soube e chamou a polícia. Ele foi apreendido e encaminhado para tratamento.

Ataques a ônibus

A onda de assaltos a ônibus está associada ao consumo de crack. É uma forma de obter com rapidez dinheiro suficiente para a aquisição de pedras, tanto que alguns chamam os ônibus de caixa eletrônico. O adolescente explorou esse filão em Porto Alegre para financiar o vício pela pedra. Assaltava cobradores e passageiros no fim da linha, perto de casa:

- O que tinha de valor a gente estava roubando: celular, bolsa de couro, roupa, tênis. Trocava tudo por crack.

Os assassinatos

Dois anos atrás, o adolescente e três companheiros de crack encontraram um grupo de rapazes no calçadão de Ipanema.

- Vamos roubar a roupa deles e vender - sugeriu um dos viciados.

Levaram os jovens a um imóvel abandonado e ordenaram que tirassem as roupas e os calçados. Uma vítima reagiu. Foi executada (ZH não localizou o registro desse crime).

- Tenho remorso disso até hoje. Machuquei muita gente, botei arma na cabeça das pessoas, mas nunca matei. É um vício. Depois que mata uma vez, não consegue mais parar.

Os desaparecidos

Os dependentes de crack costumam se agastar com a família e sair de casa. São freqüentes os desaparecimentos, algumas vezes por morte ou prostituição. O adolescente da Serraria viveu isso na figura de uma irmã mais velha, a quem era apegado. Ela se iniciou no crack e sumiu de casa. Já faz dois anos.

Depoimentos:

Coronel Paulo Roberto Mendes, comandante-geral da Brigada Militar
"A gente pega crack à vontade. Estamos apreendendo muito, são quilos e mais quilos todos os dias. Isso quer dizer que a droga está entrando no Estado em quantidades enormes. É muito crack. É uma droga que está dominando e dizimando."

Bolívar Llantada, Titular da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos
"Não baixa de 70% o índice de homicídios relacionados com droga, basicamente crack. Parte disso são usuários que devem para o traficante e são mortos por valores irrisórios. Em alguns casos, o consumidor comete um homicídio durante a crise de abstinência. O mais comum são as mortes em disputas do narcotráfico."

Heliomar Athaydes Franco, titular da Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículos
"Grande parte do furto e do roubo de veículos é movida pelo crack. Ouvimos isso de receptadores, que compram os carros dos viciados. Prendemos um receptador com um Corsa comprado por R$ 300. Ele disse que aquele era caro, porque estava comprando até por R$ 40 carros roubados por dependentes de crack."


zerohora.com

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