segunda-feira, 28 de julho de 2008

Artigo: Comunicação e ética na magistratura

Há algo de novo no Poder Judiciário brasileiro. Em menos de um mês, dois juízes de primeiro grau - um magistrado estadual e um federal - foram desagravados por seus pares por motivos muito semelhantes. O juiz estadual teria sido ofendido em críticas que recebeu por condenar dois veículos de comunicação com base em normas de Direito Eleitoral e o juiz federal, intimidado com ameaça de apuração administrativa, por decidir pela prisão de um suspeito, contrariando determinação da Suprema Corte.

Nos dois casos, os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) - respectivamente, ministros Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes - manifestaram-se pela imprensa. O TSE modificou a norma que serviu de base à decisão criticada e o presidente do STF não saiu mais da mídia, às voltas com rumorosa apuração de crimes financeiros cuja autoria é atribuída a pessoas conhecidas do cenário nacional.

Aquela máxima de que juiz só fala nos autos do processo não é mais verdadeira. O que é um avanço no regime democrático em que vivemos. O Judiciário perdeu contato com a sociedade durante mais de um século de silêncio, porque, como a mulher de Cesar, não bastava ser honesto, precisava parecer honesto. Por isso é o mais desconhecido e, quem sabe, o mais incompreendido dos Poderes da República. Hoje se tem a consciência de que os juízes são agentes políticos e devem satisfação à sociedade a que servem, não podem ficar se escondendo, porque, aí, sim, parecerão desonestos. Por essa perspectiva, a concessão de entrevistas à imprensa se inclui entre os deveres do agente público, na preservação da transparência dos atos que pratica.

Outra conseqüência inusitada dos dois embates em comento foi a modificação das regras jurídicas ou a promessa de sua modificação. No caso do TSE, que tem poderes normativos, a regra fustigada pela grande imprensa foi logo mudada. Do caso do STF surge a promessa de endurecer a lei de abuso de autoridade, por causa do espetáculo das prisões realizadas pela Polícia Federal.

Na algaravia que se forma, é importante pontuar, primeiro, que eventual descumprimento pela autoridade policial das regras de procedimento a serem observadas nas prisões que realiza, quanto à publicidade e ao uso algemas, em nada prejudica a apuração criminal em curso, porque são os acusados que devem ser julgados no processo prestes a ser instaurado, não os policiais encarregados das prisões preventivas. Para os policiais, se for o caso, a conduta deve ser avaliada em processo administrativo disciplinar ou em inquérito aberto para esse fim específico.

No que respeita ao juiz estadual em exercício na Justiça Eleitoral, tem-se que ele apenas proferiu uma decisão baseado no regramento então em vigor, que restringia a divulgação de entrevistas com pré-candidatos. Não houve atentado algum à liberdade de imprensa, que sofre restrições naturais no período que antecede as eleições, para assegurar a igualdade de oportunidade aos participantes. Não houve cerceamento à informação, que é livre, e sim àquela dada forma de divulgação, contrária à regra eleitoral, que o juiz estava incumbido de fazer cumprir.

Quanto ao juiz federal, o caso envolve outro aspecto intrigante. Uma decisão de primeiro grau foi prontamente contrastada por uma decisão emanada da mais alta Corte do País, o que levou à polarização de duas autoridades judiciárias em posições muito distantes - entre o juiz de primeiro grau e o presidente do Supremo existem o Tribunal Federal Regional da 3ª Região e o Superior Tribunal de Justiça. A explicação dada foi a de que já existia um habeas-corpus preventivo em andamento, com pedido negado nas duas instâncias inferiores, aguardando distribuição no STF. Nesse particular, a sociedade precisa de mais informações a esse respeito para poder avaliar o episódio e, se possível, buscar uma forma de evitar esse tipo de confronto direto.

Feitos esses comentários, com o intuito exclusivo de melhor situar o leitor, chega-se ao ponto: se uma regra eleitoral foi modificada e outras tantas estão sendo sugeridas na área criminal, por conta desses dois incidentes, o que dizer das restrições impostas aos magistrados pela Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35, de 14/3/1979), notadamente no que se refere à comunicação com a sociedade por intermédio da imprensa?

A lei atual proíbe ao magistrado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério" (artigo 36, III, transcrito na íntegra).

Seguem-se as indagações, tão-só com a finalidade de investigar cientificamente a situação. O que se viu na mídia contraria esse dispositivo? Essa regra continua em vigor? Todos os magistrados estão sujeitos a essa regra, incluindo os seus mais altos representantes? Em caso afirmativo, qual é a sanção para quem transgride essa regra?

Depois de respondidas essas perguntas, pode-se passar para a ordem seguinte de indagações, isto é, se não seria o caso de mudar a lei, de reduzir ou de acabar com essas restrições de conteúdo de comunicação ou ampliar taxativamente o rol de situações em que o magistrado se pode comunicar com a sociedade, de modo a assegurar não só a transparência da administração da justiça, mas também a ética na magistratura nacional.

Esse é o aspecto dos rumorosos acontecimentos que parece ainda não ter sido comentado, daí este escrito, como proposta de iniciar a discussão.

José Elias Themer, juiz de Direito em Sorocaba (SP), é diretor-adjunto de Comunicação e diretor de Imprensa da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis)
E-mail: jthemer@tj.sp.gov.br


Estadão.

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