domingo, 27 de julho de 2008

União financia universidade para quadros do Movimento dos Sem-Terra

Em 2003, eram 13 cursos de pedagogia para 922 assentados; hoje são 49 para 3.649 e vão da agronomia ao direito.

Na sexta-feira, um grupo de 54 estudantes da Universidade Federal de Sergipe vai festejar a conclusão do curso de engenharia agronômica. Até aí não há de nada de novo, uma vez que o Brasil tem formado agrônomos há mais de 100 anos. A novidade está no fato de ser a primeira turma de agronomia no País em que todos os formandos são originários de assentamentos da reforma agrária, a maioria deles ligados ao Movimento dos Sem-Terra (MST).

Mas isso não é tudo. A formatura é apenas um indicador de um movimento muito mais amplo que vem ocorrendo nas universidades públicas brasileiras: a rápida expansão de cursos especiais para jovens e adultos de assentamentos.

Essa mudança começou a ganhar força em 2003 - o início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele ano o Brasil dispunha de um conjunto de 13 cursos universitários para assentados - todos na área pedagógica - e 922 alunos matriculados. Hoje são 49 cursos, com 3.649 estudantes, divididos em diferentes áreas: da pedagogia ao direito, passando por ciências sociais, agronomia, geografia e outros.

O motor da mudança não está no Ministério da Educação, mas no próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mais exatamente numa de suas divisões, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Ele foi criado em 1998, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, com a missão de "ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados", e voltou-se nos primeiros anos sobretudo à solução de problemas nas áreas de alfabetização, ensino fundamental e profissionalizante.

No governo Lula o programa ficou mais rechonchudo, em termos de verbas, e mais atento à área universitária. É o que indicam seus números.

Em 2003, o Pronera dispôs de R$ 9 milhões para executar suas tarefas. Neste ano o valor é seis vezes maior, chegando a R$ 54 milhões. Mais da metade - R$ 29 milhões - é destinada ao ensino universitário. Devem ser somados a isso cerca de R$ 4 milhões usados para bolsas de pesquisa para os alunos do último semestre do curso.

Os cursos para assentados podem ser considerados especiais por vários motivos. Em primeiro lugar, as vagas só podem ser preenchidas por candidatos indicados pelas comunidades rurais de origem e desde que eles apresentem um atestado do Incra, comprovando sua ligação com a reforma agrária.

Em segundo lugar, não enfrentam os vestibulares comuns: fazem um concurso à parte, para escolher os mais capacitados entre eles. Além disso, as turmas funcionam com um calendário escolar próprio, que permite aos estudantes alternar atividades acadêmicas com trabalhos no campo. Por fim, a maioria deles conta com alojamentos especiais e ajuda de custo, no valor de R$ 300.

Na opinião do professor Givaldo Hipólito, da coordenação pedagógica do chamado Projeto de Qualificação em Engenharia Agronômica para Jovens e Adultos da Reforma Agrária (Proquera), da Federal de Sergipe, o investimento vale a pena. Ele observa que, dos 60 aprovados inicialmente para o curso, apenas 6 desistiram - o que representa 10%, taxa menor que a média universitária, de 30%.

"São alunos esforçados, que enfrentaram o currículo e a carga horária comuns aos outros estudantes, submeteram-se a todos os exames e provas e saíram-se bem, com boas notas", comemora Hipólito.

Mas esse esforço do Estado para dar formação aos estudantes da reforma agrária também enfrenta críticas e até ações judiciais destinadas a barrar sua expansão. Elas envolvem conselhos e associações profissionais, procuradores de Justiça, professores e até estudantes.

Uma das críticas freqüentes é que não existe nenhuma garantia de que o estudante, após dispor de condições especiais, retorne à comunidade de origem, contribuindo para seu desenvolvimento. O estudante indicado ao curso exclusivo para assentados na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás pode, ao receber o diploma, ir para a cidade e trabalhar num grande escritório de advocacia. Da mesma forma o agrônomo de Sergipe pode empregar-se numa empresa do agronegócio.

A coordenadora do Pronera, Clarice Aparecida dos Santos, considera a crítica preconceituosa: "Por que não perguntam se o filho do grande proprietário rural que estuda numa universidade pública vai voltar para a zona rural?"

Segundo Clarice, as críticas recrudesceram depois que os sem-terra passaram a reivindicar cursos que vão além da área de pedagogia, destinado à formação de professores. "Há muito de preconceito nas ações destinadas a barrar cursos diferentes, como agronomia e direito. Por quê? Camponês não pode estudar direito? Nós atendemos à demanda que vem de baixo para cima. Se os assentados pedem cursos de direito é porque estão precisando de advogados. E se as universidades fazem convênios com o Pronera é porque seus professores vêem sentido nessa atividade."


Estadão.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog