sexta-feira, 11 de julho de 2008

crack - As pedras rolam para o Interior

A família concluiu que o jeito de afastar o adolescente do crack seria despachá-lo a uma comunidade interiorana onde a droga não existisse. A culpa, pensavam, era da cidade de médio porte onde viviam. Uma área rural perdida no limite entre Muçum e Roca Sales, no Vale do Taquari, foi escolhida como novo lar do garoto. A iniciativa serviu apenas para a família descobrir que não há mais como se esconder do crack no Rio Grande do Sul. Muçum, 4,6 mil habitantes, tinha um ponto de venda da droga. Roca Sales, 9,9 mil habitantes, estava assolada pela pedra. Entre os roçados e as criações de animais do sítio do avô, o adolescente de 17 anos recaiu no vício.

- Os piás usam direto - contou o garoto.

O crack penetrou em todos os rincões gaúchos uma década depois de chegar ao Estado. Levantamento feito pela Brigada Militar a pedido de ZH para a série A Epidemia do Crack mostra que entre março e maio houve apreensões da droga em todas as regiões. Municípios pequenos e antes tranqüilos foram convulsionados quase da noite para o dia pela invasão da pedra.

Roca Sales é um exemplo do que as comunidades estão enfrentando por todo o Rio Grande. No município, é um desafio encontrar quem não tenha uma história de parente ou vizinho tragado pelo crack ou dos furtos que se multiplicaram para financiar o vício. No ano passado, depois da entrada da droga, o número de ocorrências dobrou em relação ao normal.

- O crack tomou a cidade - contou um morador de 28 anos que se viciou e hoje está internado.

Usuário de cocaína e maconha, ele havia conquistado a estabilidade com o casamento e o emprego de supervisor em uma fábrica de solas de calçado. Um ano e meio atrás, por curiosidade, comprou o recém-chegado crack em uma boca-de-fumo da cidade. Teve de aprender com traficantes como fumar a pedra. A partir dali, viveu para a nova droga. Sem dormir nem comer, perdeu 23 quilos, não conseguiu mais trabalhar, viu a mulher ir embora e deixou de ter prazer em brincar com as filhas, de três e seis anos:

- Virei 25% eu mesmo e 75% crack. Achava que iria morrer.

Enquanto o supervisor afundava em sua tragédia particular, a cidade sucumbia ao mesmo mal. O epicentro do problema é o Loteamento Sete de Setembro. Foi por lá que a pedra entrou e provocou efeitos devastadores. Dos amigos do supervisor, muitos naufragaram. Uma conversa de portão entre três vizinhas da rua onde ele morava revela a extensão do caos: uma têm um filho preso por assalto motivado pela droga e outro tentando se livrar do crack, a segunda já teve de internar os dois filhos por causa do vício e a terceira lamenta o fim do sobrinho que, devastado pela pedra, enforcou-se. Enquanto conversam, passa um rapaz franzino.

- Aquele lá usa direto. Era gordo... hoje nem trabalho tem - aponta a moradora.

Com o crack, acabou-se até a tranqüilidade de deixar as roupas estendidas no varal ou cadeira na frente da casa. Tudo virou moeda para comprar droga. Vizinhos saqueiam vizinhos e depois oferecem a outros vizinhos os objetos furtados.

- Pedem R$ 10 por um cobertor. Ou pedem dinheiro, e a gente acaba dando. Se negar, podem te roubar ou fazer coisa pior - conta uma moradora.

A prefeitura montou convênios com clínicas, mas os dependentes recusam tratamento. A secretária de Saúde, Clorinda Togni, contabiliza apenas nove pacientes encaminhados. Três seguem internados. Seis desistiram. A prefeitura prepara um programa de prevenção. Um usuário de crack de 16 anos que ameaçou a professora de morte sob o efeito da pedra é um dos que recusaram internar-se.

- Não conheço o lugar. Não vou - respondeu o adolescente.

Por causa da onipresença da droga em Roca Sales, um viciado preparava a mudança para uma cidade ainda menor, Dois Lajeados, de 3,3 mil habitantes. Ele acredita que a distância é sua única chance:

- Aqui, se não usar, vão dizer que sou alcagüete.

Esse é o cenário que aguarda o supervisor de 28 anos quando ele deixar a comunidade terapêutica onde está internado. Ele se diz confiante e faz planos de abrir uma filial do Narcóticos Anônimos em Roca Sales para ajudar os mais de 30 amigos com quem fumava e os muitos que se viciaram depois. A família teme por seu futuro.

- Vai ser difícil. Roca Sales está tomada. É uma cidade tão pequena que nem restaurante para a gente comer tem. Mas droga não falta - lamenta a irmã de 25 anos.


Zero Hora.

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