A sociedade está unida no combate implacável a corrupção. Esta é a mais promissora notícia da agenda político-institucional do Brasil nos últimos anos. A corrupção é um mal capaz de destruir um país. Ela viceja onde as instituições são omissas e as autoridades, cúmplices.
Uma história secular de impunidade dos crimes de colarinho-branco represou o desejo da população brasileira de ver atrás das grades os ricos e poderosos que sempre se jactaram desta imunidade penal de fato.
Rompido o dique que reprimia séculos de anseio popular graças às frequentes ações investigativas, o que se vê é a emergência de um novo fenômeno: a avassaladora força do apoio da sociedade às iniciativas da polícia e da acusação. Uma força de tal forma devastadora que arrasta consigo ingredientes tão nocivos quanto o próprio mal que se quer e se deve combater.
Vivemos sob a batuta da pressa. E a pressa, além de inimiga da perfeição, é desafeta do tempo. Das angústias que deprimem as pessoas nos dias atuais, nenhuma é mais dilacerante que a incapacidade de vivermos em harmonia com o relógio de nossa rotina.
Esta pressa nos escraviza, sem algemas; nos açoita, sem chicotes; e o mais grave é que nos subjuga à lógica totalitária da impaciência, sócia da intolerância, cúmplice do radicalismo.
Basta observar as suas pegadas (da doença social da pressa) para vislumbrar, não sem perplexidade, que, tanto no plano individual quanto social e histórico, ela é quem cria e dita a música que reproduzimos todos os dias sem saber de onde veio e por quem foi composta.
Não fomos capazes de construir um Estado e, apressados, acreditamos na ilusão de que sua natureza se forma com urgentes e improvisadas Medidas Provisórias disparadas intermitentemente contra problemas crônicos e seculares.
Não fomos capazes de construir uma sociedade como expressão orgânica de uma Nação porque nossa História é o retrato fiel da esperteza da pressa: mais importante que a forma como se chega, importa mesmo é chegar primeiro.
Achamos que os problemas podem ser solucionados com ímpeto, voluntarismo e sorte. Não temos força sequer para amar com coragem a Democracia, pois fingimos não ver suas distorções para agradar a maioria e o senso-comum, ainda que cientes de que haveremos de pagar juros políticos e sociais exorbitantes em um futuro próximo.
Neste país que se diz democrático, valores constitucionais não resistem aos modismos e, desprezados ou ignorados, repousam sobre o cinismo e a covardia de muitos operadores do Direito, mais preocupados com a repercussão da decisão do que com o próprio direito a ser aplicado.
A Constituição Federal de 1988 foi instituída para a construção evolutiva de um País fundado em princípios incompatíveis com a chaga que nos angustia e sufoca: a pressa. Fatigado pela sucessão interminável de improvisos que culminaram em tragédias históricas, o nosso país vive um momento de absoluta orfandade.
Um Brasil desprotegido de resistentes, deserto de lucidez, vazio de referências morais, incipiente de líderes autênticos dotados de autoridade para, eventualmente, advertir e alertar a maioria de que estamos no caminho errado.
Houve um tempo em que a defesa da integridade moral de um país se fazia com a advertência dos intelectuais. Contra a avassaladora força dos discursos oportunistas, eles se levantavam com a coragem solitária dos heróis para apontar erros e alertar a nação. Muitos sofreram as consequências por terem dito o que o senso comum repudiava, mas a história sempre lhes deu razão.
Hoje, o silêncio conivente dos que poderiam bradar atesta nosso desamparo. Desespera-nos a omissão dos que poderiam resistir e, ao menos, perguntar aos brasileiros aonde querem chegar aplaudindo “tudo isto que está aí” neste ritmo frenético de palmas, gritos, apupos e uivos sem nenhum sentido. Estamos no limiar de uma era do não-pensamento que consagra a impaciência da racionalidade e impõe a todos a padronização da burrice disfarçada em senso-comum.
As respostas convictas preponderam sobre as análises honestas; as manchetes de sites têm mais força que sentenças; a liberdade de imprensa sucumbe à licenciosidade para as ofensas impunes; os assassinatos morais das edições apressadas do noticiário dilaceram a presunção de inocência; os indícios se elevam à categoria de provas irrefutáveis e, todos com urgência, nos sobrepomos ao próprio tempo, correndo freneticamente sem saber para onde queremos chegar.
Perdemos a capacidade de ter paciência para amadurecer, por isso comemos cru as desgraças da nossa democracia. O que esperar de um país que se delicia com o assassinato moral de investigados e se deprime com a absolvição dos mesmos que foram injustiçados? O que esperar de um país que, a pretexto de odiar políticos, propaga a intolerância à Política? E o que esperar de uma classe política absurdamente egoísta, imediatista e medrosa, eleita por eleitores “distraídos”, senão a entronização da mediocridade em todos os níveis da vida nacional?
De um país que se auto-atropela com a pressa que deprime direitos e excita justiçamentos, que já se acostumou a conceber Processo como o conjunto de capítulos dos noticiários de TV; que se antipatiza com o contraditório porque a “verdade” já foi revelada pelos jornais; que debocha da defesa porque ela só quer ganhar tempo e o tempo é inimigo da pressa.
Nunca se viu um tempo em que o desejo infrene de acusar, condenar e executar com requintes de crueldade apressada fosse tão manifestamente desavergonhado como nos dias atuais em que, sob o pretexto de se combater um mal, avaliza-se a proliferação de outros tantos.
Como será possível resgatar a viabilidade do nosso futuro coletivo, se o Executivo, em regra, legisla; o Legislativo, em regra, investiga e o Judiciário, com as honrosas exceções, se deixa acuar pela fúria propagandística damass media e fica receoso de enfrentar a corrente, porque refém da histeria coletiva? Nesse ritmo, em pouco tempo, o clamor social será o único requisito, de fato, a ser considerado para a decretação de prisão dos presumivelmente inocentes. E sabemos todos nas mãos de quem está o poder de fabricar esse clamor.
E no planeta dos covardes, a Internet, onde a máscara do anonimato expõe a podridão dos pensamentos mais repugnantes e vis, o Brasil doente revela todas as suas chagas que a pressa do desespero causou. Profeta ou adivinho, Carlos Lacerda, em 1957, com o visor para o futuro, nos descreve:
“Vivemos tempos de subversão de valores no qual, como na sátira de Orwell, fala-se em liberdade para matá-la, em democracia para destruí-la, em legalidade para negá-la na sua própria essência. As palavras adquirem sentido oposto ao seu significado e os homens afetam sentimentos nobres para justificar, na perplexidade das ideias, a política dos seus mais baixos instintos.”
Nenhum país se faz com “cidadãos liminares” dotados de pensamentos que homenageiam os instintos. A continuar nesta febril excitação da pressa, no máximo, chegaremos a ajuntar um monturo de indivíduos, esquecidos de si próprios, famintos de sectarismo, sedentos de brados maniqueístas, desertos de maturidade, escravos do reducionismo e incapazes de se conciliar.
A pressa que nos expõe ao ridículo perante o mundo maduro precisa ser superada, reconciliando o pensamento nacional com a reflexão, pois o Brasil não tem problemas simples e nenhum problema complexo se resolve com pressa, mas com a amizade do tempo (maturidade sem ódio, diálogo sem intransigências, amor pelo poder do futuro e não pelo futuro do poder).
Esgotou-se o ciclo histórico que nos prendia a um país liminar; chegou o momento de cuidarmos do mérito do Brasil. Esta é uma tarefa que não se faz com pressa, mas com persistência, trabalho, integridade. e coragem.
Fábio Trad é advogado e professor. Foi presidente da seccional da OAB no Mato Grosso do Sul e deputado federal pelo estado (PMDB). Também presidiu a Comissão do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.
Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário