Nos filmes de Hollywood, os presos americanos, com seus uniformes listrados de azul e branco, quebram pedras com marretas, constroem estradas e ferrovias e trabalham nas lavouras. Na mente da maioria dos americanos, os presos produzem placas de carro. Também produzem artigos de cama e mesa e continuam, até hoje, trabalhando em lavouras – notadamente as mulheres. Mas na verdade a mão de obra presidiária se tornou a mais requisitada por grandes corporações, desde que o Congresso criou o Programa da Indústria Prisional.
Hoje, os presidiários produzem de tudo, por quase nada. Por exemplo, eles produzem 100% da maioria do material usado pelos militares: capacetes, uniformes completos, cinturões de munição, veste à prova de balas, crachás, bolsas e cantis. E equipamentos mais sofisticados, como óculos de segurança com visão noturna, armaduras, dispositivos de rádio e comunicações, componentes para canhões antiaéreos, caça-minas e equipamentos eletro-ópticos.
Além disso, os prisioneiros fornecem, para todo o mercado, 98% dos serviços de montagem de equipamentos, 92% da montagem de fogões, 46% das armaduras fabricadas, 36% dos aparelhos domésticos, 30% dos fones de ouvido, microfones e alto-falantes e 21% dos móveis para escritório. Também fabricam peças para avião, suprimentos médicos e até mesmo treinam cães para cegos.
Muitas das grandes corporações americanas usam a mão de obra prisioneira, como se fossem os melhores trabalhadores do mundo: eles não fazem greves, trabalham mais de oito horas por dia, sem receber horas extras, não chegam tarde ao trabalho, nem saem mais cedo, não faltam ao trabalho por doença de algum membro da família. Além disso, não têm férias, seguro-desemprego, custo de assistência social, licença para tratamento de saúde remunerada, pensão ou aposentadoria e não são sindicalizados. Em suma, não têm qualquer direito trabalhista.
Não se recusam a trabalhar, porque, se o fazem, perdem alguns dos poucos privilégios concedidos aos presos, podem ser trancados em celas de isolamento e sofrer coação física e mental. E o salário é de apenas US$ 0,25 por hora, em média – ou seja, US$ 2 por dia.
Na realidade, o salário, por hora, varia de US$ 0,13 a US$ 0.,50 – este para mão-de-obra qualificada – nas prisões privadas. Os prisioneiros que trabalham em algumas prisões federais, não em todas, se consideram com mais sorte: podem ganhar de US$ 1,25 a US$ 8 por hora – o salário mínimo nos EUA varia de US$ 8 por hora a US$ 15 por hora, dependendo do estado.
Pelo menos 37 dos 50 estados americanos legalizaram a contratação de mão-de-obra prisional por empresas privadas, nos últimos anos. A lista de corporações que montaram operações dentro das prisões estaduais incluem: IBM, Boeing, Motorola, Microsoft, AT&T, Wireless, Texas Instrument, Dell, Compaq, Honeywell, Hewlett-Packard, Nortel, Lucent Technologies, 3Com, Intel, Northern Telecom, TWA, Nordstrom’s, Revlon, Macy’s, Pierre Cardin, Target Stores, Eddie Bauer, Victoria’s Secret e muitas outras, de acordo com as fontes citadas.
Empresas de armamento também mantêm operações nas prisões – é claro que peças ou componentes, apeans. Mas a empresa que está à frente de todas as outras, na exploração da mão-de-obra prisional, é a UNICOR. A empresa, que antes se chamava “Federal Prison Industries”, é uma organização com fins lucrativos e a 39ª maior fornecedora do governo dos EUA.
A UNICOR opera 100 fábricas, em 79 penitenciárias federais. O Departamento de Defesa dos EUA é seu maior cliente: responde por 66,5% de seus negócios. A empresa trabalha com um grande número de produtos, o que pode ser conferido em seu site (www.unicor.gov), na barra à esquerda de qualquer página.
As corporações que investem na mão-de-obra presidiária, normalmente registradas nas bolsas de valores, têm websites, fazem suas próprias feiras comerciais e suas próprias convenções, produzem catálogos para venda por correio ou pela Internet, fazem campanhas publicitárias. Também fazem parte do “complexo da indústria prisional” empresas de construção, de arquitetura, de fornecimento de material hidráulico, segurança armada e fabricantes de celas acolchoadas, para abrigar presos que tentam se ferir.
Com os salários que pagam, a maioria alguns centavos por hora, as operadoras de fábricas nos presídios americanos passaram a fazer concorrência com as “sweatshops” (ou “sweat factories”) que operam na Ásia, em alguns países da América Latina, bem como nos EUA e no Canadá. “Sweatshops” são definidas como fábricas que pagam um salário irrisório a trabalhadores, sob péssimas condições de trabalho – e que são usadas por diversas corporações multinacionais que querem reduzir seus custos e aumentar seus lucros.
De acordo com o site Answers, os salários pagos por “sweatshops” variam de país a país e são os seguintes, em dólares americanos: México – $ 3 por dia; Bangladesh – $ 0,13 por hora; China – $ 0,44 por hora; Costa Rica – $ 2,38 por hora; República Dominicana – $ 1,62 por hora; El Salvador – $ 1,38 por hora; Haiti – $ 0,49 por hora; Honduras – $ 1,31 por hora; Indonésia – $ 0,34 por hora; Nicarágua – $ 0,76 por hora; Vietnã – $ 0,26 por hora.
Com a mão-de-obra prisional nos EUA competindo com as “sweatshops” internacionais, o ex-deputado federal por Oregon, Kevin Mannix, pediu à Nike para interromper sua produção na Indonésia e trazê-la para o estado. Segundo o deputado, a empresa economizaria seus custos de transporte, com um custo de mão-de-obra equivalente, segundo as fontes já citadas.
Uma empresa que operava uma fábrica de produção e montagem no México, uma das chamadas “maquiladoras”, terminou suas operações no país e as relocou para a prisão estadual de San Quentin, na Califórnia. No Texas, uma fábrica demitiu seus 150 operários e contratou mão-de-obra da prisão Lockhart Texas, onde se produz, por exemplo, circuitos impressos para a IBM e a Compaq.
Esses são os fatos. As opiniões sobre eles, entre os americanos, são contraditórias. A UNICOR expressa, em seu website, a opinião dos empresários que utilizam o sistema e dos segmentos da sociedade que o aprovam:
“As Indústrias da Prisão Federal são um programa correcional. Todo o ímpeto por trás do programa não está nos negócios. Em vez disso, é uma preparação para a libertação dos presos. Ajuda os criminosos a adquirir as qualificações necessárias para fazer, com sucesso, a transição da prisão para a sociedade, como membros respeitadores das leis e contribuintes. A produção de itens e prestação de serviços são meramente subprodutos desses esforços”.
A Global Research e a Ella Baker Center for Human Rights, que expressam a opinião das organizações de direitos humanos e outras entidades públicas, dizem que o sistema da indústria prisional é a continuação da escravatura. Para a maioria dos prisioneiros, dizem as organizações, o trabalho é forçado, porque a recusa tem um alto custo. Há muitos relatos, principalmente na Geórgia, de prisioneiros que foram espancados por se recusar a trabalhar.
As condições de trabalho são “atrozes” e eles não têm qualquer direito ou proteção. Muitos prisioneiros trabalham com materiais tóxicos, sem roupas e equipamentos apropriados. Trabalham por oito horas e por horas extras, por uma ninharia, sendo que muitas prisões retêm 80% de seus ganhos, como pagamento de “hospedagem e alimentação”.
Ocorrem casos de “tráfico de escravos”, dizem as organizações. Algumas vezes, prisões privadas oferecem a condados, cujas prisões estão com lotação esgotada, US$ 1,50 por preso, por dia, para a transferência de presos para suas dependências.
Dos prisioneiros do país, 80% são pessoas negras, apesar de os negros representarem apenas 30% da população. Há mais pessoas negras fazendo trabalho de “escravos” nas prisões, do que haviam escravos em 1850, antes do fim da escravatura, afirmam as organizações.
Uma das razões para isso está nas penas aplicadas aos condenados por crimes ou pequenos delitos. Por exemplo, a lei federal impõe penas de cinco anos de prisão, sem liberdade condicional, para a posse de cinco gramas de “crack” ou 3,5 gramas de heroína; e dez anos de prisão pela posse de 56,7 gramas (ou duas onças) de “crack”.
Porém, a pena é de apenas cinco anos para posse de 500 gramas de cocaína em pó – 100 vezes mais do que a quantidade de “crack”, para a mesma pena. “A maioria dos usuários de cocaína em pó é de brancos, classe alta ou classe média, enquanto a maioria dos usuários de “crack” são negros e latinos, da população mais pobre”, dizem as organizações.
A mão-de-obra barata está garantida, porque o país em mais de 2,3 milhões de prisioneiros. Uma razão para isso, são as longas penas impostas mesmo a pessoas que praticaram crimes que, em qualquer lugar do mundo, teriam sentenças muito menores. Um caso popular foi de um homem que pegou três penas de 25 anos cada (75 anos, portanto, no total), por haver roubado um carro e duas bicicletas.
A lei conhecida como “three strikes, you’re out”, uma expressão do beisebol que pode ser interpretada como “três delitos e você está fora da sociedade”, contribuiu para a construção de 20 novas prisões só na Califórnia. Com o “sucesso” da indústria prisional, a ideia foi adaptada para “three strikes and you’re hired” – ou “três delitos e você está contratado” [por uma operadora de mão-de-obra prisional].
O fato é que os EUA têm 25% da população carcerária do mundo, embora só tenha 5% da população mundial. Isso leva os críticos do sistema, mesmo dentro do país, a chamar os EUA de os “Estados Unidos do Encarceramento”, dizem as organizações.
Os contribuintes subsidiam as operações da indústria prisional. A manutenção dos presos trabalhadores não tem custo para as corporações que usam a mão-de-obra prisional, mas os prisioneiros, em geral, têm um alto custo para os contribuintes. De acordo com a CBS, cada preso custa aos contribuintes de US$ 50 mil a US$ 60 mil por ano – esse é o salário de um professor ou de um bombeiro.
Assim, um estado pode gastar até US$ 74 bilhões por ano, para manter seus prisioneiros. Em alguns casos, os gastos são absurdos, dizem as organizações. Por exemplo, o país gasta US$ 9 bilhões por ano, para manter cerca de 500 mil acusados, que aguardam julgamento nas prisões porque não têm dinheiro para pagar fiança.
Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2014.
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