Por ser crime doloso, a denunciação caluniosa só fica caracterizada quando o autor tem a intenção de imputar a outra pessoa, que sabe ser inocente, a prática de um crime. Dessa forma, não há crime se ficar provado que o réu não sabia que as acusações eram falsas. Assim decidiu o ministro Luiz Fux, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar denúncia do Ministério Público Eleitoral.
Seguindo jurisprudência do próprio Supremo, o ministro apontou que a acusação por denunciação caluniosa deve ter pelo menos alguma prova para demonstrar que a instauração de investigação, processo ou inquérito civil teve como única motivação o interesse de atribuir crime a uma pessoa que se sabe ser inocente.
Em setembro de 2010, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa deputada federal Antônia Luciléia Cruz Ramos Câmara (PSC-AC). Ela denunciou o delegado responsável por condução coercitiva. Segundo a deputada, ele a puxou pelo braço esquerdo para o lado da sala e lhe deu duas cotoveladas no tórax.
Foi instaurado procedimento administrativo para apurar a prática do crime de abuso de autoridade cometido pelo delegado. Entretanto, o procedimento foi arquivado por “inexistência de ato apto a caracterizar abuso de autoridade praticado pelo delegado”. O MP gravou um vídeo durante a diligência e afirmou que as imagens mostram que não houve qualquer irregularidade no cumprimento dos mandados, “não tendo havido agressão física contra a denunciada”, afirmou.
Na data do arquivamento, o MP reconheceu que o procedimento contra o delegado foi arquivado porque o emprego da força na diligência ocorreu de forma “moderada e legítima”. Na denúncia, o Ministério Público Federal afirmou que a deputada deu causa à instauração de investigação administrativa contra o policial, imputando a ele crime de que sabia ser inocente. Por isso, praticou o crime de denunciação caluniosa.
Em sua defesa, a deputada alegou que para a configuração da denunciação caluniosa é indispensável o dolo do agente e a certeza sobre a inocência do imputado. “Aquele que vivenciou uma situação em que julga ter havido crime, mesmo que tal julgamento esteja equivocado, distorcido, ou seja, questionável, pode buscar a autoridade competente para que promova a devida investigação”, afirmou. Pediu a rejeição da denúncia, alegando que não foi demonstrado o dolo direto e específico para configuração do crime de denunciação caluniosa.
Ao julgar o caso no STF, o ministro Luiz Fuz deu razão à deputada. Disse que não pode ser caracaterizada como denunciação caluniosa a conduta daquele que, “movido pelo calor dos fatos”, relata a sua versão dos acontecimentos à autoridade competente, “sempre influenciada pela parcialidade inerente ao envolvimento do sujeito na situação a ser narrada”.
Em relação ao vídeo, Fux notou que houve confusão quando da chegada dos policiais na casa da deputada. Então, “se houve, de fato, o emprego de força, não há que se considerar como delituosa a conduta daquele que, reputando ilegítima a violência, dirige a sua irresignação ao órgão competente de apuração, a fim de determinar se houve ou não excesso no cumprimento do mandado”, afirmou.
Além disso, a deputada limitou-se a apresentar denuncia, exercício do direito fundamental de petição. Ainda segundo o ministro, o arquivamento da apuração do procedimento é capaz de tornar ilícito o seu comportamento, “ainda que se possa imputar-lhe um erro de avaliação na situação”.
Divergência
O ministro Marco Aurélio foi o único a votar pelo recebimento da denúncia contra a parlamentar. Ele questionou o fato de o MP pedir a degravação do vídeo sendo que um laudo constatou lesões leves. “Que laudo seria conclusivo no sentido de que a aparência de agressão seria pretérita ao acontecimento?”. Não estamos diante — considerado o valor envolvido, que é a atuação desassombrada do Estado personificado pela Polícia Federal — de um contexto que sinaliza a necessidade de abrir-se esse embrulho? Ao meu ver, estamos”.
Clique aqui para ler a decisão.
Inquérito 3.133/AC
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de setembro de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário