Dobrar a pena para o estupro. Reduzir a maioridade penal. Instituir tolerância zero, com vigilância máxima. Reforçar policiamento para sufocar protestos.
Ainda não dá para saber quem vence a corrida eleitoral, mas uma coisa é certa: a depender dos principais candidatos, o direito penal é que não para de crescer.
Há inúmeras propostas de polícia na rua. Praticamente nenhuma preocupada com a redução dos crescentes índices de violência policial.
Descriminalização das drogas, nem pensar.
Enquanto tramita no Congresso uma lei que prevê tornar mais rigorosa ainda a punição para os crimes de entorpecentes, ao mesmo tempo em que estimula o aporte de recursos para internações em comunidades terapêuticas confessionais, o silêncio na campanha só foi rompido pelo outsider Eduardo Jorge.
Quem tem a perder não arrisca.
Dizem as más línguas que pesquisas de opinião sempre precedem a programas de governo. Na metalinguagem da demagogia: eu te proponho aquilo que você gostaria de me propor.
E assim os políticos sedentos a agradar fugazmente o eleitor, ou determinado grupo orgânico de eleitores, abrem mão de seu papel de liderança e de formulação de políticas –remetendo-as a seus marqueteiros ou aderindo aos da mídia.
A demagogia é altamente perniciosa como instrumento de campanha. Mas quem dera servisse apenas como promessa vazia. Como norte para políticas públicas e orientador da legislação consegue ser ainda pior.
Não é possível orientar-se pela lógica do senso comum. O aumento indiscriminado das penas não provoca qualquer redução na criminalidade e isso é fato sabido.
O erro crasso desse populismo legislativo foi o da Lei dos Crimes Hediondos, que resultou numa política de hiper-encarceramento e aumento da criminalidade por intermédio da gestação e crescimento das facções criminosas.
Mais gente nas cadeias representou mais crime e não menos.
A idiotia da política de guerra às drogas, que até os Estados Unidos tentam atenuar no momento, tem feito estragos seguidos na polícia, nas cadeias e nos recursos públicos, que deixam de ser encaminhados à saúde que, supostamente, se pretendia tutelar.
Enquanto isso, uma multidão de jovens pobres vão sendo depositados nas cadeias e fundações casa, quando não mortos em supostos confrontos, em nome de uma tutela moral e de uma saúde pública que os próprios administradores desprezam.
Deixar que as políticas sejam formatadas pelos formadores da opinião policial, pelos agentes do sensacionalismo, pelos arautos dos bordões de efeito, numa mídia que alimenta abertamente o estado policial, é um verdadeiro despropósito.
Um faz de conta, com uma conta altíssima para pagar.
Tentar melhorar a segurança, com recordes de violência policial e de encarceramento, estimulando e fortalecendo as facções criminosas, com as quais o Estado repele no discurso e negocia nas sombras, corresponde a apagar o fogo com querosene.
É mais ou menos como dizer que defende a vida, jogando ao desabrigo milhares de mulheres pobres que morrerão pela proibição formal do aborto, que só vale para quem depende da saúde pública.
Mas a este assunto, a descriminalização do aborto, resolvi dedicar aqui o mesmo espaço que ele deve ter numa possível disputa inédita entre duas mulheres à presidência da república: nenhum.
É juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
Mais do blogueiro no Sem Juízo ou pelo Twitter @marcelo_semer
Terra. 10.09.2014.
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