quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O País dos paradoxos: tem os juízes mais produtivos do mundo, mas um Judiciário dos mais morosos e assoberbados

por José Denilson Branco*

Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem os juízes mais produtivos do mundo quando comparados com os juízes europeus. Cada um dos 16.000 juízes brasileiros produzem, em média, 1.616 sentenças por ano, contra a média de 959 dos juízes italianos, 689 dos espanhóis e 397 dos portugueses. Mesmo assim, temos um dos Judiciários mais morosos e assoberbados. Cada instância e ramo da Justiça têm seus problemas peculiares, mas de um modo geral faltam juízes e há excesso de demanda desnecessária. O que está errado?
A diferença começa pela quantidade de juízes e de casos novos que cada um deles recebe. Para cada grupo de 100.000 habitantes, o Brasil tem 8 juízes (16.000 juízes para 2.000 grupos de 100.000 habitantes – 200 milhões/hab), enquanto que Portugal tem 19 juízes/100 mil/hab, Itália 10,2 e Espanha 10,7. Cada um dos 19 juízes portugueses recebe apenas 379 casos novos por ano. Os juízes italianos recebem 667 e os espanhóis 673. Juízes brasileiros recebem em média 1.375 casos novos, com picos de média de até 2.900 (em SP, RJ e RS). Ou seja, a Justiça brasileira tem o dobro da carga de trabalho do juiz europeu. E o número de processos em tramitação só aumenta a cada ano. São quase 100 milhões.
Mas casos novos são fatos sociais naturais. Culpar o cidadão (e seu advogado) por buscar seus direitos não explica a complexidade do problema da Justiça brasileira. O país está crescendo e com isso surgem novas relações de consumo, novos direitos sociais, crimes etc, e todo conflito de interesses desagua na Justiça, local adequado para solucionar as dúvidas de uma sociedade democrática.
Culpar os juízes também não explica. Trabalham muito e não há mais o que deles exigir. Também dizer que juízes não cumprem decisões das cortes superiores conflita com a flexibilização da jurisprudência pelas próprias cortes. E a pacificação social deveria ocorrer exatamente pela jurisprudência imutável da questão. O desalinho entre decisões do STJ e STF é o Dédalo para o sistema jurídico brasileiro.
Por isso, demandas repetitivas causam excesso de volume nas cortes superiores, pois passam rapidamente pelos 1º e 2º graus, aguardando por anos a solução final no STJ e depois no STF (cerca de 250 temas de recursos repetitivos no STJ e outro tanto de recursos de repercussão geral no STF, alguns com mais de 15 anos sem definição). No TRF-3, por exemplo, há mais de 130.000 processos suspensos, outros 130.000 nas turmas recursais, além de 70.000 nas varas e juizados, aguardando decisão destas duas cortes. Multiplique isto por 27 Tribunais de Justiça e 5 Tribunais Regionais Federais e verá onde estão boa parte dos processos que causam a morosidade do Judiciário.
Por outro lado, 53% das ações em tramitação nas varas do 1º grau da Justiça Federal de São Paulo (e 86% dos processos sobrestados) são de execução fiscal, espécie de processo que não tramita pelo Judiciário na Europa e Estados Unidos, pois são processos de cobrança de dívida administrativa do Governo. Para ter uma ideia, sem estes processos, a Justiça Federal em São Paulo teria apenas 564.000 processos nas varas, ao invés dos 2.000.000 atuais. Multiplique isto por 27 TJ´s e 5 TRF´s e constatará que há processos desnecessários tramitando na Justiça.
Governos, bancos, companhias telefônicas/internet e INSS são responsáveis por boa parte das ações judicias em tramitação no Brasil. Ou seja, problemas com serviços públicos diretos ou concedidos pelo Governo entulham o Judiciário com demandas desnecessárias ou repetitivas, as quais poderiam ser facilmente resolvidas pelas Agências Reguladoras ou pela Administração Pública. Vê-se que o Governo transfere a responsabilidade da solução para o Judiciário, utilizando-se de todos os recursos judiciais possíveis. Gastam-se anualmente bilhões de reais em estrutura e condenações apenas para suprir a função administrativa do Poder Executivo. Por isso, o Executivo é atualmente a maior fonte de demanda perante o Poder Judiciário.
Mesmo neste cenário, ainda há espaço para o Judiciário melhorar. Planejar e gerir sua estrutura por intermédio dos fundamentos da gestão empresarial torna-se indispensável nestes tempos modernos. Mas a Justiça irá realmente melhorar somente quando deixar de ser utilizada pelo Poder Executivo como meio de protelação de suas obrigações constitucionais, destinando sua estrutura e tempo para os reais problemas da sociedade.
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Foto: Arquivo Pessoal
*José Denilson Branco é juiz federal em Santo André/SP

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