domingo, 16 de fevereiro de 2014

Marginal Literário: sobre intolerância e prisão!

por Leonardo Marcondes Machado*

Tolerância zero! Toda e qualquer forma de violência deve ser combatida e seus autores exemplarmente responsabilizados. Nenhum ato criminoso pode passar em brancas nuvens. Afinal de contas, a construção de uma “sociedade melhor” fundamenta-se no respeito integral à lei e na manutenção irrestrita da ordem.

A política de “tolerância zero” – verdadeiro frenesi punitivo que marcou o governo de Nova York, entre 1994 e 2002, sob a administração do prefeito Rudolph Giuliani e de seu chefe de polícia William Bratton – não é novidade no Brasil. Muitos – também por aqui – foram seduzidos por esse discurso de “combate à criminalidade” e “encarceramento pedagógico”.

Ignoram, contudo, o inflacionismo prisional, os efeitos nefastos do cárcere e a própria seletividade do sistema. Não sabem (ou não querem saber) dos atuais 545.000 presos, cujo perfil é de todos conhecido. São compostos (em sua maioria) por jovens, negros, pobres, do sexo masculino e sem educação formal (ou baixa instrução), segundo dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça e do Departamento Penitenciário Nacional.
Os representantes tupiniquins do expansionismo penal preferem lançar campanhas de ridicularização dos direitos humanos e de incentivo à vingança coletiva, com slogans do tipo “faça um favor ao Brasil: adote um bandido”. E, pior, ainda se afirmam “defensores das pessoas de bem deste país”. Medo desse tipo de gente!

Gostaria de ouvir a manifestação dos “analistas midiáticos do terror” neste caso específico: “o marginalzinho amarrado aos livros”! A imprensa noticiou que um rapaz de 19 anos de idade teria sido preso, no início deste mês, na capital baiana, quando tentara furtar três livros de ficção científica em uma livraria de shopping.

Segundo publicado nos jornais, o jovem teria sido autuado em flagrante delito e mantido preso no “Complexo Penitenciário da Mata Escura” até o pagamento de sua fiança de dois salários mínimos. As matérias jornalísticas narram, ainda, que o “marginal” já havia subtraído outros livros para a sua própria leitura e que assim teria agido por não ter dinheiro suficiente para comprá-los.

O mais curioso é pensar que na mesma época da prisão desse jovem brasileiro as salas de cinema de todo o país estavam repletas de pessoas que se emocionavam com a postura da personagem Liesel Meminger em “A menina que Roubava Livros” - filme inspirado na consagrada obra do escritor australiano Markus Frank Zusak. Evidente que as histórias são distintas. O enredo é outro. Talvez nem seja possível a comparação. Mas ficou a coincidência das manchetes. E a realidade da prisão em “terrae brasilis” - para além de qualquer drama cinematográfico.

Enfim, sem falsos moralismos ou maniqueísmo barato, o que precisamos compreender é que a violência faz parte da própria estrutura social – principalmente em um regime neoliberal –, de modo que seria ingenuidade demasiada ou completa perversidade imaginar que podemos extirpá-la do nosso meio (Zaffaroni / Ruth Gauer / Salah Khaled Jr.). Em verdade, o discurso de “guerra à criminalidade” só tem servido à reprodução e ao incremento da própria violência (institucional). A única saída (real) seria a adoção de uma política de redução de danos: menos intolerância penal e mais promoção social!


* Mestrando em Direito pela UFPR. Especialista em Ciências Penais. Professor de Direito Penal e Processual Penal. Delegado de Polícia Civil/SC

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