Apontando a falta de necessidade de custódia por conta da “incoerência das hipóteses que autorizam a prisão preventiva”, o desembargador Luiz Augusto San Juan França, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acolheu em caráter liminar Habeas Corpus apresentado pelos advogados de dois homens presos em flagrante. Eles foram acusados de tentativa de furto qualificado e tiveram a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva por ordem da juíza Teresa de Almeida Ribeiro Magalhães, do Departamento de Execuções Criminais e de Inquéritos Policiais (Dipo). Tanto a conversão em prisão preventiva como a concessão da liminar ocorreram durante o plantão judiciário deste fim de semana.
O caso começou na sexta-feira (7/2), quando dois homens foram flagrados pelo dono do carro que tentavam furtar na City Lapa, zona oeste de São Paulo. Eles teriam se juntando a um terceiro comparsa e fugiram, enquanto a vítima acionou a Polícia Militar. Quase duas horas depois, a três quilômetros do local, dois suspeitos foram abordados por policiais em um carro semelhante ao utilizado pelos criminosos na fuga. De acordo com o HC, impetrado pelo advogado Nilson Cruz dos Santos, do Eluf e Santos Sociedade de Advogados, eles disseram que voltavam de uma adega na Vila Hamburguesa, em que foram para fazer um pagamento. Um dos homens disse que era dono de outra adega — o segundo foi apontado como seu funcionário —, e que fazia compras junto à primeira adega para revender seus produtos. Chamado pelos policiais, um funcionário da adega da Vila Hamburguesa reconheceu os dois homens como seus clientes.
Durante o reconhecimento, a vítima disse que não tinha 100% de certeza de que os dois suspeitos eram os homens que furtaram seu carro, afirmando apenas que as roupas eram semelhantes. Dentro do carro em que a dupla estava foram encontradas ferramentas comuns e uma bobina que o dono da adega tinha comprado para o carro de sua mãe, com a nota fiscal sendo apresentada aos policiais. Os oficiais alegaram que tratava-se de um módulo de ignição, como o que foi levado do carro da vítima. De acordo com o HC, “causa estranheza não serem localizados dois módulos de ignição, uma vez que o veículo da vitima restou sem nenhum módulo de ignição”. Os policiais apontaram que, informalmente, os dois suspeitos admitiram o crime, mas a peça de Nilson dos Santos alega que “nada de formal existe”.
Primeira instância
Após a prisão em flagrante, Nilson Cruz dos Santos e sua colega Luiza Nagbi Eluf apresentaram pedido de liberdade provisória à juíza Teresa de Almeida, responsável pelo plantão do Dipo, com as mesmas argumentações incluídas no pedido de HC. Eles afirmaram que mesmo com a pena máxima para tentativa de furto qualificado chegue a oito anos de prisão, os dois réus são tecnicamente primários e o crime foi cometido sem uso de violência, o que permitiria a aplicação de medidas restritivas de direitos. Os advogados informaram que a prisão preventiva deve ser concedida apenas “em situações de absoluta necessidade, o que não é o caso em questão”, até porque sequer a autoria do crime foi confirmada.
No entanto, a juíza negou o pedido, afirmando que “há indícios de autoria e de materialidade”, sendo que a prisão preventiva permitiria a aplicação da lei penal, caso necessária, além da manutenção da ordem pública. De acordo com ela, “os indiciados, em tese, praticaram condutas graves”. Teresa de Almeida citou o fato de o dono da adega possuir antecedentes criminais, por furto, roubo e receptação, e seu funcionário — que nasceu em Brasília — não ter provado estabilidade em São Paulo, apenas a afirmação de que vive na cidade há quase dois anos.
Liminar
No pedido de Habeas Corpus encaminhado ao TJ-SP, os advogados informam que é totalmente descabida a manutenção da prisão cautelar. Entre os motivos citados, estão a pena mínima por tentativa de furto qualificado, que fica em dois anos de prisão, o que torna a pena passível de cumprimento em regime aberto. A petição apontou que o fato de o dono da adega possuir antecedentes criminais não representa certeza de culpa, e ele ainda é tecnicamente primário. Em relação ao funcionário, os defensores afirmam que toda sua família vive em Guarulhos, o que garante laços sólidos com a região metropolitana da capital paulista. Os defensores disseram que “não há indícios que a soltura dos pacientes colocaria em risco a ordem pública”, sendo que “a decisão que indeferiu o pedido de liberdade está fundamenta de forma genérica, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico”.
As alegações incluídas na decisão da juíza plantonista do Dipo, para Nilson e Luiza, são apenas suposições, sendo que também não é válida a argumentação de que é necessário garantir a ordem pública. Os defensores alegaram que a presunção de inocência faz com que a prisão antes do trânsito em julgado do caso seja permitida apenas em “hipóteses específicas expressamente previstas em lei”. Ao receber o caso durante o plantão do TJ-SP, o desembargador Luiz Augusto San Juan França acolheu em caráter liminar o pedido, determinando a expedição dos alvarás de soltura. Ele afirmou em sua decisão que o crime de que são acusados foi praticado sem violência ou grave ameaça e sem aspectos que tornem necessária a custódia. O desembargador também citou o fato de os dois homens possuírem residência fixa e ocupações lícitas.
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Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2014
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