É longa a caminhada dos que optam pelo curso de Direito. Das aulas na Faculdade até a aposentadoria, o percurso pode ser cheio de emoções ou uma longa e arrastada rotina. Cada um traça o seu destino e recebe, ainda, a influência de fatores externos, para os quais não existem explicações. Sorte ou azar também estão presentes no destino de todos.
A educação recebida dos pais, por certo, é decisiva. Mas dois irmãos criados sob o mesmo teto podem ter caminhos diversos. O resultado pode depender da energia que se traz dentro de si, da disciplina, dos relacionamentos e de outros tantos fatores.
No emaranhado de qualidades e defeitos que direcionam a pessoa para um rumo rico em experiências ou na direção de uma rotina morna e insossa, uma característica de personalidade pode ser motivo forte do fracasso: a autocrítica excessiva. Segundo Leandro Quintanilha “pesquisa mostra que o excesso de autocrítica trava mais a carreira do que a ausência dela” (Você S.A., 187, p. 82) Ela geralmente passa despercebida, às vezes travestida da virtude da simplicidade. No entanto, é não só prejudicial à pessoa como à sociedade.
O que leva uma pessoa a exigir-se demais? O que leva alguém a não aceitar seus erros, seus fracassos? Possivelmente uma soma de fatores e não um apenas. Pode ser uma educação rígida em excesso, falta de confiança em si própria ou uma visão perfeccionista do mundo. Na realidade, o sucesso não tem receita pronta.
Nas aulas do curso de graduação delineiam-se as formas de comportamento. Alguns estudantes, em sua maioria do sexo feminino, exigem-se demais e não ocupam espaços de destaque. Saem-se bem nas provas escritas, mas apavoram-se diante da perspectiva de falar na frente da classe. Recuam diante da possibilidade de um estágio no exterior, por sentirem-se aquém das exigências. Ao participarem de um grupo de estudos permanecem mudos. Ao escreverem um artigo ou a monografia (TCC) adiam, adiam e adiam a conclusão, sempre achando que não está bom.
Anos mais tarde, na vida profissional, a situação pode repetir-se. Na advocacia ou nas carreiras públicas a autocrítica pode ser o fator que definirá a vitória ou o fracasso. Vamos aos exemplos. Todos tirados da vida real.
Ele era um estudante exemplar. Responsável, cordial, esforçado. Notas altas, respeitado pelos colegas e professores. De origem social humilde, tinha um sonho que revelava só aos mais chegados: ser juiz. No entanto, aprovado em um concurso para um cargo administrativo que pagava razoavelmente bem, desistiu do seu sonho por não se sentir à altura d magistratura. Passou a vida no mesmo bairro, da mesma cidade, fazendo as mesmas coisas. A autocrítica excessiva levou-o a perder a oportunidade de realizar-se profissionalmente e de ascender na escala social, beneficiando a si próprio e a toda a família. Prejudicou-se e prejudicou a sociedade, que perdeu um bom juiz.
Ele era Promotor de Justiça. Sério, dedicado, respeitado na pequena comarca em que iniciava sua carreira. Nas suas atividades, ia além da rotina. Preparava modelos de denúncias e cotas em assuntos complexos, distribuindo-os aos colegas mais novos. Porém, inseguro de si próprio, não aceitava convites para palestras e muito menos para publicar um artigo. Nem mesmo no “Sentinela da Serra”, o muito lido jornal local. Um dia, lendo o Diário da Justiça, vi o nome de outro promotor, do qual o que menos se ouvia eram elogios, sendo autorizado a fazer um curso na Europa. Recortei o ato administrativo, coloquei-o em um envelope e mandei com carta ao inseguro, com a mensagem: “enquanto uns se escondem na timidez, outros vão assumindo os postos de destaque”. Deu resultados. Ferido nos brios, o estudioso expôs-se e teve muito sucesso.
Passam os anos. Eu participo de uma banca de concurso para juiz federal substituto. Prova oral. Candidata jovem, ótima base cultural, procuradora de um município. Sai-se mal na prova oral e não é aprovada. Poucos anos depois, pergunto por ela a uma juíza e a resposta foi desalentadora: “ela desistiu, achou que não passaria porque não sabia falar em público, que não estava preparada, casou...” Lamentei, pois via na jovem perspectivas de uma ótima magistrada. Porém ela sucumbiu diante de um autojulgamento muito severo e não soube superar o obstáculo.
Ele, juiz de Direito com cerca de 15 anos de experiência, por seus méritos é convidado a atuar em Brasília, dando suporte a decisões de um Ministro de um Tribunal Superior. Oportunidade rica e única de sair da província, criar novos relacionamentos, conhecer o Brasil através dos processos. Pensou muito e não se sentiu à altura, “amarelou”. Respondeu que não e tentou justificar sua recusa nos gastos, distância dos pais que estavam envelhecendo, coisas assim. A autocrítica privou-o de um crescimento pessoal fantástico e deixou-o por mais uns anos na rotina de assaltantes e agressores que desfilavam todas as tardes na sua Vara Criminal.
Mas será mesmo um problema alguém ser extremamente rígido consigo próprio? Ao meu ver, sim. Uma pessoa que nunca se julga à altura de um cargo ou atividade importante tem diminuída sua autoestima. Conforma-se com pouco, não desfruta as oportunidades que a vida lhe oferece. Não prejudica apenas a si própria, mas também a sua família. É óbvio que uma posição de destaque facilita o desenvolvimento dos que lhe estão próximos. Desde o estágio para um filho em um bom escritório de advocacia até a possibilidade de um sobrinho participar de uma pesquisa científica em uma conceituada universidade norte-americana ou europeia.
E não é só isto. O rígido compulsivo também é nocivo à sociedade, ao seu país, muito embora disto não se dê conta. Na medida em que sai do campo de batalha, refugia-se no comodismo do seu bairro e dos amigos de infância (zona de segurança), permite que outros, muitas vezes mal intencionados, assumam os postos de mando.
Imagine-se um bom advogado que deixa de assumir a presidência da subseção da OAB de sua comarca porque se considera pessoa simples, sem traquejo social. Sua omissão poderá significar a ascensão de outro sem predicados, que está preocupado mais com sua trajetória do que com a sua classe. E o que dizer daqueles que, tendo experiência rica em determinado setor, deixam de divulgar seus conhecimentos através de artigos em revistas ou sites da internet.
É óbvio que o outro lado da moeda também é nocivo. Refiro-me àqueles que não têm limites, excedem-se em exibições, são invasivos e consideram-se o centro do universo. Evidentemente, não são exemplos a serem seguidos. Mas, entre os dois extremos, acho que o autocrítico é mais nocivo a si próprio que o gabola. Para resumir: enfrentar os desafios de frente, pôr de lado a autocrítica excessiva, faz bem para a carreira.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2014
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