sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Mais da metade dos presos no Paraná são provisórios

A decisão de desativar as carceragens de oito distritos policiais de Curitiba e a constatação de que ao menos 2,3 mil pessoas estão presas indevidamente no Paraná é apenas a ponta de um problema maior, que esbarra na morosidade do sistema penal brasileiro. De acordo com a Secretaria da Justiça (Seju), mais de 15 mil dos cerca de 28 mil detentos do estado são provisórios, ou seja, ainda não foram julgados ou estão aguardando julgamento de recursos. Esse porcentual (55%) é o nono maior do país e passa longe do teto de 40% recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça.
No total, são 8.270 presos provisórios mantidos em dele­­gacias e 7.276 em unidades penitenciárias administradas pela própria Seju. Desses, 519 estão em regime semiaberto. São casos em que o detento entrou com algum recurso e aguarda julgamento.
Anteontem, a Seju admitiu que ao menos 25% da popu­­lação carcerária das delegacias do estado está presa indevidamente. Isso porque essas pessoas teriam incorrido em crimes cujas penas são inferiores a quatro anos, e que, portanto, deveriam ser cumpri­­das em regime aberto.
Sobrecarga
A demora no julgamento dessas pessoas sobrecarrega o sistema prisional e pode ser considerada uma restrição indevida ao direito de liberdade. Nesse cenário, estão pessoas como Leandro (nome fictício), 21. Ele foi preso recentemente com 15 gramas de maconha no Centro de Curitiba. Usuário de drogas, diz ter sido abandonado pela família e ainda não tem advogado. “Estou preso com outras 11 pessoas em um espaço para quatro. Isso não ajuda na minha ressocialização”, lamenta o jovem, que já havia sido preso por dano ao patri­­mônio nas manifestações de junho de 2013. Foi solto com a ajuda da Defensoria Pública. “Quero pagar pelos meus atos, mas não deveria estar preso se estava apenas fumando maconha.”
Segundo Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior, juiz da 1.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, o porcentual de presos provisórios no Paraná é alto, mesmo desconsiderando os que já foram julgados e aguardam análise de recursos.
Para dar celeridade ao julgamento desses casos, o ma­­gis­­­trado explica que uma reunião no Tribunal de Justiça do Paraná está prevista, para amanhã, com o objetivo de discutir a implantação de uma central de flagrantes e uma central de habeas corpus. “Queremos analisar os flagrantes em 24 horas e não permitir que o preso fique encarcerado mais do que deve”.

Mutirão para presos provisórios será em março 

No dia 10 de março ocorrerá um mutirão carcerário específico para presos provisórios no Paraná. Sete delegacias da região metropolitana de Curitiba e de Ponta Grossa vão ser beneficiadas. “Serão analisados os casos de 460 a 500 presos, levando em consideração critérios como delitos leves [furtos, tráfico de drogas e Lei Maria da Penha], idades dos presos [18 e 29 anos] e tempo de encarceramento [até 180 dias]”, explica José Carlos Cal Garcia, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR.
Desde 2011, já foram realizados 26 mutirões carcerários no estado – o que ajudou a reduzir a superlotação em 60%. Somente nas carceragens de delegacias, a superlotação caiu de 10.111 em 2011 para 3.246 em 2014. Cal Garcia reconhece que o foco dos mutirões até então não era direcionado aos presos provisórios, mas sim à concessão de benefícios, progressão de regime e liberdade.
 Superlotação
Carceragem de delegacia tem de usuário de drogas a morador de rua
Ontem, a carceragem que será desativada do 1º Distrito Policial de Curitiba ainda tinha 28 presos – sete vezes mais do que ela comporta. Desse total, cinco já estão condenados e 23 são provisórios. A maioria deles, segundo o delegado titular Rubens Recalcatti, são moradores de rua presos por roubo e pequenos traficantes de drogas.
“São casos em que geralmente a fiança é arbitrada, mas, como são pessoas humildes, elas não têm como pagar. Acabam encarceradas em locais insalubres e sujeitas a todo tipo de doença”, diz o delegado.
Recalcatti comemorou a decisão de desativarem as carceragens dos distritos policiais, mas pediu que a situação seja permanente. “Eu venho pedindo oficialmente que isso ocorra há muito tempo. Agora, espero que seja definitivo porque fazemos muitos flagrantes diá­­rios e depois não podem voltar a transformar em definitivo local que era de detenção provisória.”
Desigualdade
Para Dálio Zippin, da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB Paraná, a situação dos presos provisórios escancara a desigualdade do país. “Essas pessoas têm de ser consideradas inocentes até o trânsito em julgado da ação, assim como com os réus do ‘mensalão’. Quer dizer que para pretos, pobres e prostitutas a lei não vale?”, indaga.

Fonte: RAPHAEL MARCHIORI - Gazeta do Povo

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog