sábado, 8 de fevereiro de 2014

Desafio para empresas

Nova lei dá
ênfase ao setor
privado sem
a adequada
contrapartida em
segurança jurídica
GIOVANI AGOSTINI SAAVEDRA*
No primeiro dia do mês de agosto de 2013, foi aprovada a Lei nº 12.846, desde então, apelidada de Lei Anticorrupção. A aprovação dessa lei está sendo celebrada como uma resposta às manifestações das ruas e, especialmente, está sendo identificada como um marco, um divisor de águas, que inaugura nova fase no ambiente de negócios no Brasil. Os 180 dias que separam a sua publicação da sua entrada em vigor, que aconteceu no dia 29 de janeiro, foram, porém, suficientes para começar a levantar dúvidas sobre esse otimismo preliminar.
Analisando-se melhor a lei, salta aos olhos uma série de pontos que, mais do que aumentar o controle e a punição sobre atos de corrupção, representam para empresas de todos os segmentos focos de insegurança e risco de intervenção excessiva do Estado. O principal ponto é o da responsabilização objetiva autônoma de pessoas jurídicas, ou seja, independentemente da responsabilização de seus dirigentes. Dependendo da forma como esse ponto da lei for interpretado, o único meio de defesa da empresa, no caso de responder a processo por ato de corrupção praticado por seus funcionários, será a demonstração de que a empresa tinha um sistema efetivo de Compliance anticorrupção à época do fato. Porém, a lei não identifica quais são as características e as exigências desse sistema de Compliance e esta omissão gera insegurança jurídica em dois sentidos: por um lado, a lei estabelece que o Poder Executivo federal deverá regulamentar os parâmetros de avaliação desses mecanismos de controle, mas a lei entrou em vigor sem que ainda se tenha notícia de qualquer regulamentação neste sentido; por outro, a lei deixa aberta a possibilidade de que a “autoridade máxima” de “cada órgão ou entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário” apure a responsabilidade das pessoas jurídicas. Com isso, chegamos a um número aproximado de 11 mil órgãos ou entidades que poderão promover a apuração das responsabilidades de pessoas jurídicas. Porém, insegurança não está vinculada apenas ao número de órgãos públicos envolvidos, mas a como será definida a competência de cada órgão. Esse será um problema especialmente sensível no caso dos acordos de leniência: afinal, se a empresa fizer um acordo com o poder público federal, este acordo vinculará também os demais poderes? Se considerarmos, ainda, que as multas podem chegar a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, fica, então, evidente o receio do mercado com a forma como a Lei Anticorrupção será aplicada.
Como se pode ver, um dos desafios da nova lei é que ela dá, por demais, ênfase no setor privado aumentando o controle, sem a adequada contrapartida em segurança jurídica, quando, ao que parece, o cerne da corrupção está no setor público. Resta saber, portanto, se esta estratégia vai ter efeito. Só o futuro dirá com certeza.

*Advogado e professor da PUCRS

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