A pergunta está lançada no próprio título do presente texto. A imprensa na semana passada deu ampla divulgação à prisão em flagrante do turista italiano Guliano Tuze, de 40 anos de idade, casado com uma brasileira, por ter beijado na boca da sua filha de oito anos, fato este ocorrido na piscina de um hotel localizado na Praia do Futuro, na bela cidade cearense de Fortaleza.
À vista desse quadro, aludido turista foi acusado da prática do crime de Estupro de Vulnerável, previsto no artigo 217-A, Código Penal, com a nova redação dada pela recente Lei n 12.015, de 07 de julho de 2009. Consta, em síntese, que a polícia, em face da reclamação de um casal de senhores (mais de 70 anos) de Brasília, compareceu ao aludido hotel e efetuou a prisão do referido turista por esse fato.
“Estupro de vulnerável”, em face da nova lei, é a prática não só de relação sexual como qualquer outro ato que satisfaça o libido sexual do autor(a) (como por exemplo, beijos, carícias), desde que com essa finalidade, contra menor de 14 anos ou contra qualquer pessoa que não tenha capacidade de discernimento (violência presumida), cujas penas variam de 8
a 15 anos de prisão. Com efeito, em face da nossa lei penal, para caracterizar essa modalidade de crime exige-se que o agente (homem/mulher) tenha a intenção (dolo) de satisfazer o seu desejo sexual, o que pode ser, repito, por meio de beijo etc.
No caso, objeto destas rápidas reflexões, a alegação tanto do turista italiano, como da sua esposa, mãe da menor, é de que o beijo na hipótese (selinho) ou qualquer outra espécie de carinho são práticas comuns nas relações entre pais e filhos na Itália, ou seja, fazem parte da cultura daquele povo, portanto, despidos de qualquer propósito de satisfação sexual. Essa versão (dos pais), a mim me parece, à vista do local onde se deram os fatos (piscina, onde se encontravam várias pessoas), tem fundamento.
Essa prática cultural se verifica até mesmo aqui no nosso país por seus nativos e, como tal, ninguém censura. Não é raro ver pai ou mãe beijando os seus filhos pequenos na boca. Particularmente, nunca fiz isso com meus filhos, não só porque não faz parte da minha cultura, mas também por uma questão de higiene. Entretanto não faço nenhuma restrição a quem tem esse hábito. Cada um é cada um! Aliás, tenho um amigo que tomava banho com suas duas filhas pequenas, cultura familiar.
A pergunta que se tem ouvido e lido é se a prisão nesse caso determinada pelo delegado de polícia está ou não correta, é justa ou injusta?
Bem, a resposta que nos interessa nestas singelas considerações só pode ser a de cunho jurídico. De plano, se pode afirmar que no caso se não houve - por parte do pai da menor - a intenção de satisfação de qualquer desejo sexual e sim uma forma de manifestação de carinho à sua filha, não há que se falar em prática criminosa, por ausência de dolo (dolo normativo-Roxin). Portanto, em não se tratando de prática de crime, não cabe a prisão, por se tratar de fato atípico.
Logo, para se chegar a essa conclusão, exige-se um juízo valorativo por parte do delegado, isto é, se presente ou não a intenção libidinosa por parte do pai da criança. O delegado, para determinar a prisão ou até mesmo para indiciar alguém, não só pode como dever fazer juízo valorativo-preliminar, sobretudo no que se refere à tipicidade (formal e material/substancial) e antijuridicidade da conduta do suspeito.
A crítica que se faz ao legalismo formal - metodologia adotada por alguns juízes e promotores - também se aplica ao delegado de polícia. Não há dúvida de que a legalidade formal, em face do princípio da legalidade, deve ser considerada pela autoridade policial responsável pela prisão, porém isso, embora necessário, não é suficiente, pois cabe-lhe, no caso concreto, verificar se a conduta é materialmente típica. No caso, objeto destas reflexões, em face das circunstâncias em que os fatos ocorreram, verificar se havia elementos de convicção/certeza de que o propósito/intenção do pai era a de satisfazer o seu desejo sexual. Na dúvida, ao invés da prisão em flagrante, dever-se-ia instaurar inquérito policial e, após a oitiva das partes, testemunhas etc, encaminhar os autos à Justiça, mais especificamente ao Ministério Público, responsável pelo processamento criminal ou não do suspeito.
No caso, sem conhecer o que efetivamente ocorreu, não se pode fazer um juízo definitivo quanto ao acerto ou não da polícia. Está-se apenas, fazendo reflexões no campo das hipóteses. Pelo que se tem lido, aparentemente houve exagero, repito, aparentemente!
Entretanto, todos sabem que o Direito Penal e o Processual Penal, pelo fato de interferir diretamente nos direitos e garantias fundamentais das pessoas, devem ser manuseados (interpretados, aplicados e executados) com muita prudência e sabedoria. A autoridade policial, por óbvio, está nesse contexto. Não é por acaso que se exige que o Delegado de Polícia seja graduado em ciências jurídicas e, além do que, após ser submetido a um regido concurso de provas e títulos, seja ainda submetido a um curso de formação técnico-profissional pelas academias de polícia.
Apenas reflexões.
Como citar este artigo: ROBALDO, José Carlos de Oliveira. ITALIANO PRESO POR BEIJAR A PRÓPRIA FILHA: CRIME OU EXAGERO?. Disponível em http://www.lfg.com.br. 14 de setembro de 2009.
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