É certo que por muitas vezes o rigorismo da lei não faz justiça ao caso concreto. Dar ao caso concreto o justo julgamento é o papel do Poder Judiciário, é a função dos tribunais. Caso contrário, para que servem os juízes?". Esta observação faz parte do voto do des. Romero Osme Dias Lopes, relator da Apelação Criminal 2009.011866-5, julgada na sessão do dia 20/7, da 2ª turma Criminal do TJ/MS.
Conforme os autos do processo, V. B da S. foi condenado à pena de 11 meses de detenção, em regime semi-aberto, por suposta infração ao disposto no art. 129, § 9º e art. 163, § único, I, do CP (clique aqui), os quais dispõem sobre violência doméstica (lesões corporais, Lei Maria da Penha - clique aqui) e destruição de coisa alheia, com violência à pessoa ou grave ameaça.
Houve a condenação em virtude de um fato ocorrido no dia 7 de abril de 2007, quando o ora apelante, sob o efeito do uso de drogas e mediante violência leve, adentrou na casa de sua ex-companheira e a agrediu fisicamente, danificando, ainda, parte de sua mobília.
Segundo o julgador, a materialidade e a autoria dos crimes encontravam-se suficientemente comprovadas no processo, e embasadas na confissão parcial do acusado. No entanto, o relator segue seu voto aduzindo que as consequências dos delitos foram mínimas, os danos materiais atingiram pouco mais que o valor do salário mínimo vigente à época (R$ 380,00) e a vítima teria, em 15 de janeiro de 2008 – ou seja, após os acontecimentos – reatado com o réu, passando novamente a conviver em união estável.
Como se não bastasse, a própria ofendida salientou que os fatos ocorreram quando o seu companheiro fazia uso de entorpecentes e bebidas alcoólicas. Todavia, ele passou a frequentar tratamento e se recuperou. Finalizou que, fora dos vícios, seu amásio revelou-se pessoa trabalhadora, afável, e que não seria de seu interesse vê-lo condenado pelos fatos narrados na denúncia.
Estes aspectos fortaleceram a posição do relator para que, no caso, fosse aplicado o "princípio da insignificância" ou "bagatela imprópria", em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, embasado em consistentes posições doutrinárias – dentre os quais podem-se citar Luiz Flávio Gomes, Paulo José da Costa Júnior, José Antônio Paganella Boschi e Santiago Mir Puig. Pretendeu o magistrado a aplicação da melhor punição ao acusado, ou "aquela que seja suficiente para a reprovação do ato criminoso, que é uma satisfação à vítima e à sociedade".
Segue seu voto afirmando que a função da pena é proporcionar a reintegração do apenado ao meio social, pondo em dúvida se no caso em questão, seria prudente restringir a liberdade de V. B da S., em vista da situação na qual aponta sua total recuperação. Concluiu que manter a sentença condenatória a contragosto da vontade atual da companheira (e única vítima, haja vista que os delitos não importaram em demais consequências à sociedade) seria afrontar "valores que não podem ser esquecidos no âmbito da família, como a busca da harmonia do lar e a superação efetiva de situações em que houve violência ínfima".
Ressaltou, ainda, o desembargador que: se a palavra da vítima serviu para acusar o réu, ela também deve ser levada em conta para fragilizar a acusação, cuja continuidade irá atrapalhar a própria relação do casal. E, ainda, o acusado era réu primário, de modo que pode usufruir deste benefício, até mesmo porque "o Poder Judiciário não pode ser usado para punir/prejudicar cidadãos em razão de brigas superadas de casais. Deve-se respeitar o princípio da intervenção mínima".
Diante das considerações expostas, o relator deu provimento à apelação criminal para aplicar a "bagatela imprópria", mantendo a decisão condenatória, deixando, em contrapartida, de aplicar a reprimenda imposta (11 meses de detenção no regime semi-aberto), observando os princípios da irrelevância penal do fato e da desnecessidade da aplicação concreta da pena. Os desembargadores Marilza Lúcia Fortes e Claudionor Miguel Abss Duarte acompanharam o relator.
IBCCRIM.
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