O Tribunal de Justiça de São Paulo, em paradigmático caso, reconheceu a nulidade de decisão que rejeitou resposta defensiva preliminar sem, contudo, efetuar uma análise suficiente da peça. O processo teve como defensores os advogados Carlos Alberto Pires Mendes e Cristiano Avila Maronna, membros da Diretoria Executiva do IBCCRIM.
Veja abaixo o emblemático caso, que sinaliza uma mudança de postura da Corte diante do novo procedimento processual penal:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÁO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
REGISTRADO(A) SOB N° 02531011
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n° 990.09.123605-5, da Comarca de Birigüi, em que são impetrantes CARLOS ALBERTO PIRES MENDES, CRISTIANO ÁVILA MARONNA e Paciente JOÃO ROBERTO PULZATTO.
ACORDAM, em 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONCEDERAM A ORDEM DE "HABEAS CORPUS" EM FAVOR DE JOÃO ROBERTO PULZATTO PARA ANULAR A AÇÃO PENAL N° 1635/07, DA 1ª VARA CRIMINAL DE BIRIGUI, A PARTIR DA
DECISÃO QUE REJEITOU A RESPOSTA DEFENSIVA, DETERMINANDO QUE OUTRA SEJA PROFERIDA, DE FORMA FUNDAMENTADA, BEM COMO PARA DETERMINAR O NÃO INDICIAMENTO DO PACIENTE PELO FATO NARRADO NAQUELES AUTOS. V.U. SUSTENTARAM ORALMENTE O ILMO. SR. ADVOGADO DR. CARLOS ALBERTO PIRES MENDES E O EXMO. SR. PROCURADOR DE JUSTIÇA, DR. RUY CID MARTINS VIANNA.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores HERMANN HERSCHANDER (Presidente), WALTER DA SILVA E SÉRGIO RIBAS.
São Paulo, 13 de agosto de 2009.
HERMANN HERSCHANDER
PRESIDENTE E RELATOR
Habeas Corpus no. 990.09.123605-5
Impetrante: Advs. Carlos Alberto Pires Mendes e Cristiano Ávila Maronna
Paciente: João Roberto Pulzatto
COMARCA: Birigui
Voto no. 1518
Vistos.
O presente habeas corpus foi impetrado pelos Advogados Carlos Alberto Pires Mendes e Cristiano Ávila Maronna em favor de João Roberto Pulzatto, sob a alegação de que o paciente está a sofrer constrangimento ilegal em virtude de ato praticado pelo MM. Juiz de Direito da 1ª a Vara Criminal da Comarca de Birigui.
O paciente foi denunciado por suposta prática do crime descrito no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.137/90. A denúncia foi recebida aos 27 de março de 2009, pelo nobre Magistrado apontado como Autoridade coatora.
Sustenta a impetração, em síntese: a) ausência de justa causa para a propositura da ação penal, por: i) ausência de prova acerca da materialidade delitiva; ii) ausência de indícios de autoria; iii) atipicidade da conduta; b) excesso acusatório na capitulação da conduta imputada ao paciente; c) incompetência do Juízo comum, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo; d) cabimento da suspensão condicional do processo; e) impossibilidade de indiciamento após o oferecimento da denúncia. Aponta, ademais, que o MM. Juiz de Direito afastou as defesas apresentadas na resposta escrita sem, contudo, analisá-las, em despacho padrão. Diante de tais argumentações, postula, liminarmente, a concessão da ordem, a fim de que seja sobrestado o andamento da ação penal, obstando-se o formal indiciamento do paciente. No mérito, requer a concessão da ordem a fim de que seja trancada a ação penal, por falta de justa causa ou, subsidiariamente, para corrigir a capitulação jurídica; anular o processo desde o recebimento da denúncia por incompetência do Juízo; reconhecer que o delito imputado ao paciente comporta a suspensão condicional do processo.
A liminar foi indeferida, assim como pedido de reconsideração.
O E. Superior Tribunal de Justiça concedeu liminar a fim de suspender o indiciamento do paciente.
Houve manifestação da Procuradoria Geral de Justiça.
É o relatório.
2. A ordem comporta concessão, para a finalidade a seguir exposta.
Ao que consta, o paciente João Roberto Pulzato e proprietário do Auto Posto Primavera, em cuja sede Agentes Fiscais da Delegacia Regional Tributária de Araçatuba, em 18 de Abril de 2007, coletaram amostras de combustível, enviando-as àquela Delegacia Regional, de onde foram encaminhadas ao Instituto de Pesquisa Tecnológica. Realizada no Instituto a análise das amostras coletadas, constatou-se que à gasolina fora adicionado álcool etílico anidro, em proporção superior àquela permitida.
Disso resultou o oferecimento de denúncia contra o paciente, segundo a qual ele estaria incurso no artigo 7°.,inciso II da Lei no. 8.137/90.
Recebida a exordial, determinou-se o indiciamento do paciente1, bem como sua citação para oferecimento de resposta escrita, "podendo argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, sob pena de preclusão".
É como determina a lei.
Subscrita pelo ora impetrante, veio aos autos do processo alentada "resposta à acusação", que se estendeu por quase quarenta laudas.
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1 Fls. 84
Alegou a zelosa Defensoria, em sua bem elaborada manifestação:
(a) Ausência de justa causa para a ação penal, que poderia ser reconhecida mesmo após o recebimento da denúncia, por falta de prova da materialidade, pois não há perícia, assim como falta de indícios de autoria, pois a responsabilidade pela composição do combustível é do distribuidor e não do revendedor;
(b) Atipicidade da conduta, já que não há desacordo do combustível com normas legais;
(c) Excesso abusivo de acusação, já que, em tese, o fato se subsume à norma especial do artigo 1º, inciso I da Lei 8.176/91, cuja pena mínima é de um ano, ensejando desde logo a suspensão condicional do processo;
(d) Incompetência do Juízo, já que, estando cominada multa alternativa para o delito capitulado na denúncia, este se insere na moldura das infrações de menor potencial ofensivo, o que atribui ao Jecrim a competência para o processo e julgamento;
(e) Cabimento da suspensão condicional do processo, ainda que mantida a capitulação feita na denúncia, ante a previsão legal de sanção pecuniária alternativa para o tipo penal;
(f) Não cabimento de indiciamento após o oferecimento da denúncia.
A perquirição acerca da natureza das argüições acima sintetizadas indica que aquelas relativas à (a) ausência de justa causa, (c) excesso de acusação, (d) incompetência do Juízo e (e) cabimento da suspensão condicional do processo constituem preliminares, cujo eventual acolhimento imporia a rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395, inciso III do CPP (a), ou a correção da capitulação jurídica (c), ou a remessa a outro Juízo (d), ou ainda a abertura de vista dos autos ao Ministério Público para formulação ou recusa de proposta de suspensão condicional do processo(e).
A alegação de atipicidade (b) diz respeito ao mérito; se acolhida, imporia a absolvição sumária, nos termos do artigo 397, inciso III do CPP.
Verifica-se, portanto, que a Defesa oferecida se valeu daquilo que o artigo 396-A lhe faculta: "argüir preliminares e alegar tudo o que interesse".
Não há dúvida de que o direito à resposta preliminar conferido à Defesa pela nova sistemática processual tem como consectário inarredável o direito à apreciação fundamentada das preliminares e matérias ali argüidas, quaisquer que sejam. Portanto, a resposta oferecida exigia do MM. Juiz decisão complexa e acuradamente fundamentada.
Assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PECULATO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO SOBRE A DECISÃOQUE RECEBEU A DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PROCEDIMENTO ESPECIAL. PREVISÃO DE DEFESA PRELIMINAR. NECESSIDADE DE ANÁLISE DAS PRELIMINARES ARGÜIDAS PELA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O PROCESSO ATÉ A DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. PREJUDICADO O PEDIDO DE INÉPCIA MATERIAL E FORMAL DA PEÇA ACUSATÓRIA. 1. O procedimento da Lei 11.343/2006 prevê em seu artigo 55 a apresentação de defesa preliminar pelo denunciado no prazo de dez dias. 2. Nos procedimentos especiais em que o legislador exigiu defesa preliminar, é evidente a necessidade de motivação da decisão que recebe a denúncia, eis que, nesse tipo específico de procedimento, faculta-se à parte a manifestação pretérita ao ato decisório que deflagra a ação penal, podendo ela, inclusive, ofertar provas, tudo em homenagem ao princípio constitucional do contraditório. 3. A ausência de análise das preliminares suscitadas pelo denunciado em defesa preliminar constitui vício que macula o procedimento e requer a declaração de sua nulidade como forma de cessar o constrangimento. 4. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O PROCESSO ATÉ A DECISÃO QUE RECEBEU A DENUNCIA, INCLUSIVE. PREJUDICADO O PEDIDO DE INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA." (HC 89765/SP, Rei. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 24/03/2008).
Todavia, a defesa foi rejeitada nos seguintes termos:
"Com o novo rito procedimental trazido pela Lei no.11.719/08, a defesa escrita passou a ser peça essencial de ataque do réu às imputações lhe são feitas na peça acusatória. Por meio dela, deve o defensor alegar toda a matéria que venha a diminuir as pretensões opostas pelo órgão acusatório, visando, com isso, a absolvição sumária.
Ao que noto, as defesas e documentos de fls.105/144 não tem esse condão, razão pela qual entendo que não se trata de hipótese de absolvição sumária."
Data venia, é manifesta a carência de fundamentação do aludido despacho.
Como vimos, uma das teses suscitadas pela Defesa dizia respeito exatamente a hipótese legal de absolvição sumária; entretanto, a decisão se limita a dizer que "não se trata de hipótese de absolvição sumária", sem explicitar os motivos desse entendimento.
Quanto às preliminares e ao requerimento defensivo, a digna Autoridade coatora nada diz.
Ora, se ao Juiz somente fosse imposta a apreciação de matérias pertinentes às hipóteses de absolvição sumária, não se compreenderia a razão pela qual a lei
faculta à Defesa, nesse momento, a argüição de preliminares.
Assim, viu-se a Defesa compelida a trazer suas alegações a esta Superior Instância, por meio de hábeas corpus, pretendendo que esse E. Tribunal as conheça originariamente, já que desmereceram consideração em primeiro grau.
O que não é cabível.
Temos que a solução adequada à hipótese é a anulação do feito a partir da decisão que rejeitou a resposta preliminar, nos moldes do que determinou o E. Superior Tribunal de Justiça, no Aresto acima transcrito.
Assim, caberá ao MM. Juiz apreciar todas as teses defensivas, na forma devida.
Não cabe alegar que, já antes recebida a denúncia pelo MM. Juiz, não lhe caber apreciar a tese de ausência de justa causa, pois ultrapassada.
Desde logo cabe destacar que a Defesa não fora chamada a manifestar-se antes do recebimento da denúncia; portanto, a resposta preliminar é o primeiro
momento em que a falta de justa causa pode ser por ela suscitada.
A par disso, sendo a falta de justa causa questão cuja relevância permite até mesmo a rejeição de plano da denúncia ou da queixa, não faz sentido impedir que, caso ela venha a ser constatada a seguir, através de elementos trazidos pela resposta preliminar, o Magistrado a reconheça e obste o infrutífero prosseguimento do feito, através de juízo de retratação do recebimento da denúncia.
É por tal razão que, embora não vislumbremos na norma do artigo 399 do CPP um segundo recebimento da denúncia, consideramos que ela pretende significar a manutenção do recebimento anterior, quando não abalado pelas alegações trazidas pela defesa prévia.
Em outros termos: oferecida a denúncia ou queixa, se não vislumbrar desde logo hipótese de rejeição liminar, o juiz a receberá, determinando a citação.
Mais tarde, após a resposta defensiva, o juiz deverá manter ou retratar o recebimento da denúncia.
Esta última hipótese ocorrerá quando a resposta trouxer elementos, antes não vislumbrados pelo Juiz, que imponham a rejeição.
Basta supor, por exemplo, hipótese em que a resposta defensiva hospede preliminar que convença o juiz da inépcia da exordial, antes não constatada. Ele não estará impedido de reconhecê-la.
Portanto, deve o Magistrado nessa fase, para manter o recebimento da denúncia, rejeitar fundamentadamente eventuais alegações defensivas relativas às hipóteses de rejeição, previstas no artigo 395 do CPP.
Anula-se o feito, portanto, a partir da decisão que rejeitou a defesa prévia, por carência de fundamentação.
Por óbvio, essa anulação prejudica a análise, nesta sede e a esta altura, das questões ventiladas pela Defesa naquela peça, e reiteradas nesta sede.
Por outro lado, não havendo notícia de que tenha sido julgado o mérito do pedido de habeas corpus impetrado perante o E. Superior Tribunal de Justiça, não se encontra prejudicado o pedido de revogação da determinação de
indiciamento do paciente.
Muito embora consideremos que a questão não encontraria agasalho em sede de habeas corpus, curvamo-nos à orientação já consolidada no E. Superior Tribunal de Justiça, que em sede de habeas corpus determina o não indiciamento quando já oferecida denúncia.
Assim, é caso de conceder a ordem também para obstar o indiciamento do paciente.
Isto posto, pelo meu voto, concedo ordem de habeas corpus em favor de JOÃO ROBERTO PULZATTO para anular a ação penal no. 1635/07, da 1ª. Vara Criminal de Birigui, a partir da decisão que rejeitou a resposta defensiva, determinando que outra seja proferida, de forma fundamentada, bem como para determinar o não indiciamento do paciente pelo fato narrado naqueles autos.
HERMANN HERSCHANDER
Desembargador RelatorFonte: IBCCRIM.
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