segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Por um sistema prisional mais humano
Manifestação na Praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre/RS, amanhã (25/11), às 19hs, dá início à criação do Movimento pela Consciência Prisional
Como surgiu a idéia da criação do Movimento pela Consciência Prisional?
Inicialmente, eu, e um grupo de amigos, estávamos insatisfeitos e revoltados com o caos que se estabeleceu em todo o sistema prisional - não posso dizer que chegamos no fundo do poço, pois, algumas vezes, parece que ainda é possível ir além. Porém, nos demos conta que não adiantava criticar um ou outro governo, por exemplo, pois a sociedade apóia a máxima "quanto pior a pena, melhor", além de que seria ingenuidade pensar que isso é culpa somente de um ou outro ator que atua em todo este sistema. Na prática, o Estado é um só. Nós somos o Estado, e quem estabelece este sistema somos nós mesmos. Quem quer que o sistema prisional seja um caos é a própria sociedade, e por mais bem intencionados que possam estar nossos governantes, dificilmente, sem o apoio político da sociedade, se consegue avançar em algo. Ademais, os presos são invisíveis políticos, e, dessa forma, fica difícil pensarmos em políticas públicas para o sistema prisional. Se o discurso de Direitos Humanos não tem sido suficiente para sensibilizar a sociedade (o que, para mim, seria o ideal), que seja, então, por egoísmo, como forma de querer que as pessoas saiam das casas prisionais recuperadas. Um preso recuperado será, no mínimo, um crime a menos. E a idéia central do Movimento não é de responsabilizar esta ou aquela entidade, mas, sim, fazer com que todos se auto-responsabilizem pela situação em que se encontra hoje o sistema de cumprimento de penas em regime fechado e semi-aberto. Como nos ensina a Justiça Restaurativa, por exemplo, conforme o jurista Leoberto Brancher, quando buscamos culpados, acabamos por nos desresponsabilizar. E é isso que tem que mudar, pois somos, sim, todos responsáveis, e nós que decidiremos como queremos que as pessoas presas retornem para a sociedade.
Como a questão carcerária tem sido considerada, em linhas gerais, pelas autoridades governamentais?
Em linhas gerais, os governos se preocupam com os problemas de seus prováveis eleitores. E esta questão me parece muito clara. Preso não rende politicamente, haja vista que não vota. Dessa forma, sendo provável que as autoridades preocupar-se-ão mais com seus eleitores, dificilmente se preocuparão com a situação do sistema penitenciário. É uma pena que, apesar dos apenados não votarem (pelo menos por enquanto, já que isso fere todos os tratados internacionais), as autoridades públicas não se deram conta que estes apenados têm diversos familiares. Se pensarmos, por exemplo, somente no Estado do Rio Grande do Sul, com mais de 25 mil apenados, quantos familiares teríamos? Enquanto o preso tiver um direito para defender, se faz necessário que ele tenha as ferramentas necessárias em uma democracia para garantir sua cidadania. E isso se dá a partir do voto.
O senhor afirma que a máxima do "quanto pior, melhor" tem resultados trágicos para a própria comunidade, principalmente quando o preso retorna ao convívio social. O senhor pode nos contar sua experiência nesta questão?
Todos que conhecem minimamente o sistema prisional sabem de duas coisas: a prisão é a escola do crime, e a sociedade quer que o cumprimento da pena seja o pior possível para o apenado. O que se percebe, é que a restrição da liberdade não basta. Se fizéssemos uma enquete, perceberíamos que a sociedade poderia ser a favor, por exemplo, que os apenados tivessem somente uma refeição por dia (e talvez nem isso). Ou seja, ainda trabalhamos com uma idéia medieval, quando podemos achar que infligindo o máximo de "torturas" durante o cumprimento da pena, mais chances teremos de que a pessoa não retorne a reincidir, o que sabemos que não é verdade. A física já nos ensina isso. É a lei da ação e reação. Quanto maior a violência que tratarmos os apenados, mais violentos retornarão para a sociedade. Como disse representante da ONU quando esteve visitando casas prisionais no Brasil: se tratarmos pessoas como animais, elas se comportarão como animais.
No Brasil, o debate entre as concepções de segurança pública e o sistema prisional é recente. Para que lado pode evoluir esse debate?
Na prática do dia-a-dia, ele ido contra ou a favor o respeito aos direitos fundamentais do cidadão? Neste questionamento você pega uma questão-chave. Pelo fato de não termos muito consciente quais as reais concepções de segurança pública e sistema prisional, ficamos, ainda, discutindo questões que não nos fazem avançar na prática. Ficar somente no discurso ideológico entre os que defendem que para a melhora da segurança pública precisamos de um sistema social mais sólido, e os que pensam ser necessário maior repressão, simplesmente faz com que não se consiga dialogar sobre o assunto. É necessário que possamos discutir a segurança pública de forma cientifica, tão somente com dados, e não com políticas partidárias (ou o famoso jogo do empurra-empurra, entre governos municipais, estaduais e federal). Falta, inclusive, aos próprios operadores do Direito, uma análise mais científica do que apaixonada. Temos que pensar em melhorar a segurança pública. Dessa forma, em cada ato que tomamos, precisamos imaginar se isso comprovadamente irá diminuir índices de reincidência criminal, por exemplo. Caso contrário, não nos serve absolutamente para nada, e o Direito deixará de ser uma ciência...
Qual seria o caminho para a aplicação de políticas de segurança pública eficientes no Brasil?
Creio que, em consonância com o que falei anteriormente, o caminho é uma discussão séria a respeito do assunto, com base única e exclusivamente científica, e não política. Este é um assunto que só não tem avançado por discussões político-ideológico-partidários. Costumo fazer um trocadilho: temos que pensar realmente em políticas públicas de segurança, e não em publicidades políticas de segurança.
Qual o objetivo e as expectativas da manifestação, programada para o dia 25/11?
As expectativas são as melhores possíveis. Temos um apoio crescente de instituições dos mais diversos segmentos, bem como apoio de muitos cidadãos (familiares de apenados, magistrados, promotores, advogados, estudantes, funcionários públicos, etc) que participarão do evento. Creio que é um passo inicial para criarmos um novo paradigma de sistema prisional, fazendo com que toda a comunidade e autoridades se auto-responsabilizem pelo problema, bem como uma forma de participação social que muito se aproxima dos ideais democráticos. Difere de muitos movimentos que acabam se vinculando a partidos políticos, ou que têm interesses exclusivamente próprios, que não a melhora de todo um sistema. A diferença que estamos tentando trazer é que a consciência da importância de uma melhora nesta questão trará uma melhora para toda a sociedade e segmentos. As prisões nasceram para resolver um problema, e, atualmente, se transformaram em um grande problema. E este problema é de todos nós.
Rodrigo Puggina
Advogado licenciado, Assessor Jurídico da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Membro da Comissão de DH da OAB/RS, Consultor Internacional da UNESCO para Educação em Prisões, Coordenador Nacional da Campanha Voto dos Presos pelo Instituto de Acesso à Justiça
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