'Segurança pública deve ser feita com o cérebro'
O cérebro busca a técnica mais correta para cada situação, já o fígado...
Para que as emoções e os “achismos” não comandem as ações policiais no Brasil é preciso capacitação. É o que diz o secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, num momento em que o país ainda se questiona sobre a inteligência das ações do Grupo de Ações Táticas Especiais no recente seqüestro em Santo André, que terminou com a morte de uma refém de 15 anos.
Nesta entrevista exclusiva ao Comunidade Segura, Balestreri afirma que não se pode culpar os policiais pela falta de preparo. O problema, segundo ele, está nos mais de 40 anos de investimentos em armas e viaturas, em detrimento do capital humano.
Mas o secretário garante que as coisas estão mudando: antes do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, investia-se menos de 2% do orçamento em capacitação; hoje, de acordo com Balestreri, investe-se 30%. A mudança se fará notar, segundo ele, a médio e longo prazo, no contato dos cidadãos com os policiais.
Balestreri fala ainda do recém-criado Batalhão Especial de Pronto Emprego, novo setor da Força Nacional que visa "disseminar doutrina e tecnologia de ponta para as polícias estaduais e garantir a imediata atuação em casos de grave crise nos estados".
O que é e a que se destina o Batalhão Especial de Pronto Emprego (Bepe)?
A idéia de criar um setor especializado de apoio à Força Nacional de Segurança Pública surgiu como uma forma de disseminar doutrina e tecnologia de ponta para as polícias estaduais e de garantir a imediata atuação em casos de grave crise nos estados. Pela proposta, cada estado deve ceder 50 policiais durante um ano, entre homens e mulheres, para receberem treinamento.
Após esse período, eles retornarão aos locais de origem com todo o equipamento utilizado durante a capacitação, como viaturas, armas letais e não-letais, coletes e capacetes balísticos de última geração. São investimentos que com certeza terão impacto em grupos de operações especiais, mas que os estados não teriam recursos para fazer.
O Bepe poderá atuar em casos como o de Santo André e o do ônibus 174, no Rio?
O Bepe poderá atuar, sempre a pedido do governador, em momentos de grave crise em que as forças locais realmente não consigam resolver a situação como uma ameaça de chacina em presídios, conflitos agrários etc.
É importante lembrar que o Bepe, assim como a Força Nacional, não tem a função de substituir as polícias locais, mas atuam em parceria. Esse novo batalhão vai ajudar a fortalecer os grupos especiais nos estados para que possam fazer seu trabalho com técnicas e equipamentos adequados. O objetivo é que paulatinamente os estados recebam policiais tão bem treinados que não precisarão de auxílio para resolver crises.
Haverá uma unidade do Bepe no Rio? Como ele se integrará com os outros grupos de elite, como o Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) e o Core (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil)?
A unidade do Bepe que deverá chegar ao Rio de Janeiro vai ser especializada em disseminar doutrina de atuação em policiamento de proximidade, a chamada polícia comunitária. Mesmo assim, policiais do Rio de Janeiro também serão treinados pelo Bepe e repassarão os conhecimentos aos grupos de operações especiais. Com certeza, policiais do Bope e do Core poderão melhorar suas técnicas com o intercâmbio com o Bepe.
As polícias do Brasil estão preparadas para gerenciar situações com reféns e outras crises que envolvam risco e imprevisibilidade?
É preciso aprofundar as técnicas e treinamentos e oferecer equipamentos de ponta e adequados para a ação da polícia em situações de crise, mas não podemos culpar os policiais pela falta de preparo. Os investimentos em segurança pública sempre privilegiaram a aquisição de armas e viaturas em detrimento da capacitação profissional. Mais de 40 anos deste modelo não conseguiram reduzir nem a violência, nem a criminalidade.
O que é preciso para preparar grupos de elite?
O policial lida com pessoas e com situações diferentes a cada dia e deve desenvolver habilidades que permitam avaliar tecnicamente como agir em cada situação. A capacitação adequada e baseada no conhecimento científico, prático e nos estudos de caso impede que as emoções e os “achismos” sejam os comandantes das ações policiais. Sempre digo que no Brasil segurança pública sempre foi feita com o fígado, e não com o cérebro, que busca a técnica mais correta para cada situação.
Após o trágico desfecho do seqüestro em Santo André, que resultou na morte da refém Eloá, o senhor disse que a polícia deveria ter usado um atirador de elite para alvejar o seqüestrador. Existe algum tipo de manual a ser seguido nesses casos?
Não existem procedimentos padrões até porque cada estado define o perfil da sua polícia. A Senasp sempre apresenta diretrizes indutoras de políticas públicas nesta área, mas não temos como obrigar os estados a adotarem os mesmos procedimentos. Cada crise grave de segurança tem algumas características em comum, mas é muito difícil determinar matematicamente como agir em cada caso e ter certeza do resultado. A polícia de São Paulo avaliou que deveria negociar mais e admito que foi uma atitude que tentou preservar o maior número de vidas possível.
O que determina o "tiro de comprometimento"?
Mesmo em situações críticas, o objetivo deve ser sempre a preservação do maior número possível de vidas. Assim os profissionais de segurança pública devem ter técnicas, critérios e habilidade para analisar a situação e decidir pela intervenção mais correta. O tiro de comprometimento deve ser determinado após essa análise, pois cada caso tem suas especificidades e níveis de tensão na negociação.
Existem estatísticas sobre gerenciamento de crises pela polícia no Brasil ou nos estados?
A Senasp não dispõe destes dados, considerando que as estatísticas fornecidas pelos estados estão pautadas pelas categorias criminais.
Há treinamentos, cursos, capacitações e reciclagens adequados no Brasil? O que a Senasp tem feito nesse sentido?
A Senasp está investindo muito na formação dos profissionais de segurança pública em todas as áreas: inteligência, uso progressivo da força, técnicas e tecnologias não-letais, gerenciamento de crises, atendimento a grupos vulneráveis, identificação veicular etc. Implantamos a Rede de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp), que abrange a Rede Nacional de Educação à Distância, que já capacitou aproximadamente 480 mil profissionais de segurança pública de todo país (policiais civis e militares, bombeiros militares, peritos, policiais federais e rodoviários federais) em mais de 20 cursos.
Também foi implantada a Rede Nacional de Especialização em Segurança Pública, com 82 cursos de pós-graduação latu sensu, atendendo 5.500 alunos por ano. Apoiamos também cursos a serem realizados pelas Academias de Polícia e Centros de Ensino policial, realizados pelos próprios estados, bem como os que são realizados diretamente por nós.
Quanto já foi investido?
Neste ano de 2008, já investimos R$ 31 milhões em formação e faltam executar R$ 6,9 milhões somente em cursos presenciais e à distância. O Brasil está passando por uma mudança de paradigma na segurança pública e está entendendo que investir em capital humano é fundamental. Essa mudança cultural só mostrará seus efeitos e médio e longo prazo, mas a população começará a perceber essas mudanças quando tiver contato com nossos policiais.
Antes do Pronasci, a Senasp investia menos de 2% em capacitação. Agora, incluindo a complementação salarial para policiais que façam os nossos cursos, estamos investindo 30% na formação dos profissionais de segurança. A maioria dos recursos era aplicada apenas em armas e viaturas, que não conseguiram resolver os problemas de segurança pública. Ainda temos muito trabalho, mas sinto que já avançamos muito, inclusive em prevenção da violência e no fortalecimento da polícia comunitária.
Comunidade Segura.
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