A execução penal é a fase mais importante do direito punitivo, tanto que preleciona Roberto Lyra que "é pela execução, em última análise, que vive a lei penal. Antes daquela, o criminoso não sente a pena".
Nessa linha, o legislador consagrou como pilares fundamentais da Lei de Execução Penal a proteção dos bens jurídicos e a reeducação do preso e sua reinserção social, buscando sempre amenizar as conseqüências da segregação que, reconhecidamente, está na índole de todos os sistemas universais e para qual ainda não se encontrou nenhum substitutivo adequado. É, seguramente, um mal, mas, no interesse coletivo, um mal necessário.
O sistemático descumprimento desses mecanismos gerou um sistema penitenciário caótico, precário e abandonado, que devolve à sociedade o condenado, após cumprir sua pena ou parte dela, sem o menor preparo e sem o menor amparo.
Conhecedor de tais fatos, o governo brasileiro, em vez de elaborar uma política penitenciária realista e humanista, preferiu adotar o caminho fácil da concessão de indulto para esvaziar as prisões, à custa de uma sociedade combalida pela violência enfrentada diariamente.
A medida de clemência, que deveria premiar o condenado que mereça o perdão de sua pena, é transformada pelo Poder Executivo em pretensa medida de política criminal, destinada exclusivamente a despovoar prisões, desprezado o fato de que a impunidade gera maior criminalidade.
Esquece-se o Sr. Presidente da República de que não pode transigir com criminosos contumazes e perigosos, em prejuízo da sociedade, e de que a tolerância, para as mentes criminosas, é vista como sintoma de fraqueza.
Estarrecida, vejo o Poder Executivo tratar igualmente os desiguais, colocando nas ruas, em liberdade, condenados com pena inicial ou restante até seis anos – primários e reincidentes, independentemente do grau de periculosidade, sem nada exigir deles em troca. Se reincidirem, como prêmio, retornarão ao regime que se encontravam, contrariando as normas de execução penal que regulam a regressão e a falta grave.
A pretexto de solucionar o seu problema de "déficit" de vagas no sistema penitenciário, o governo brasileiro, por via de decreto, cria uma nova figura beneficiária de Direito Penal, com a qual fere o princípio da segurança jurídica e da reserva legal, afronta o Código Penal e a Lei de Execução Penal e subtrai da apreciação do Poder Judiciário a análise do perfil do criminoso e da gravidade do delito praticado.
Não se resolve a questão da saúde pública quanto à falta de leitos hospitalares dando-se alta aos pacientes, independentemente da gravidade ou do estágio da doença!
Portanto, a questão penitenciária não será resolvida com atitudes demagógicas e meramente paliativas emanadas dos gabinetes onde se isolam os responsáveis pelo gerenciamento do sistema no país, à revelia da vontade da maioria da sociedade brasileira e de seus legítimos representantes no Congresso Nacional.
O sistema prisional está clamando por reformas – que não podem ser feitas no papel – e que exigem trabalho sério, árduo, contínuo e, acima de tudo, atitudes responsáveis, inovadoras e revolucionárias, capazes de romper definitivamente com a estrutura implantada. Para tanto, é necessária uma vontade política determinante e determinada a solucionar os problemas – a nível prático e não teórico.
A viabilização da infra-estrutura mínima necessária à aplicação da Lei de Execução Penal se constituiria no início da construção de todo um sistema de segurança pública – cuja garantia é tarefa precípoa do Estado. Há que se buscar um sistema de penas mais coerente e mais consentâneo com a realidade, de molde a se obter uma diminuição da criminalidade e da impunidade.
A falsa solução visada é proporcionalmente insignificante quando comparada aos riscos com que arcará a sociedade após a liberação desses condenados.
Aliás, tenho para mim que não se trata de um indulto a condenados, mas de um insulto à sociedade brasileira!
Lúcia Maria Casali de Oliveira, Promotora de justiça das Execuções Criminais de São Paulo.
OLIVEIRA, Lúcia Maria Casali de. O insulto. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.46, p. 06, set. 1996.
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