quinta-feira, 26 de junho de 2008

'A democracia começa no berço'

“A democracia começa no berço. A cidadania começa nos primeiros meses e anos de vida do ser humano.” Com essas palavras, Gary Barker, diretor do Instituto Promundo, apresenta o estudo “Práticas familiares e participação infantil a partir da visão de crianças e adultos”. A pesquisa explora práticas familiares que promovam a participação infantil baseada no diálogo entre adultos e crianças de seis países da América Latina e Caribe.



Durante os anos de 2006 e 2007, o Promundo analisou o caso do Brasil. A consulta envolveu também organizações de Jamaica, México, Nicarágua, Peru e Venezuela. “Pode parecer um pensamento corrente, mas é importante afirmar que é a partir de interações entre crianças e seus pais, mães, responsáveis e cuidadores que se formam as primeiras impressões do mundo”, afirma Barker.



Para o coordenador do estudo, é nesses momentos e durante esses processos que as pessoas aprendem estilos e maneiras de interagir com o mundo e com os demais, expressar desejos, escutar e negociar. “Todo isso são instrumentos da cidadania”, enfatiza.



Mas o que significa participação infantil?



Segundo o estudo, participação infantil significa escutar e incentivar crianças a tomar parte dos assuntos que as afetam, assegurando a sua liberdade de expressar suas opiniões e de vê-las levadas em conta. “A participação da criança deve ser autêntica e significativa, ou seja, deve permitir que os adultos substituam a visão que exclui as opiniões infantis por uma que as inclua, respeitando suas capacidades”, define o documento.



Foram escutados pais, mães e cuidadores de diferentes classes sociais (classe média urbana, classe popular urbana e classe popular rural) para que o quadro apresentado fosse o mais amplo possível. “A metodologia consistiu em escutar pais e filhos em grupos focais independentes e comparar os discursos, além de uma entrevista de maior profundidade”, explica Isadora Garcia, que fez parte da equipe de pesquisa no Brasil.



Infelizmente, os resultados não são muito otimistas. “Em todos os contextos, em todos os países estudados, existe pouca participação da criança na família”, afirma Isadora. A pesquisadora destaca que mesmo em cenários mais participativos é possível notar que os pais e responsáveis detêm o poder na maioria das escolhas referentes às crianças, especialmente os mais novos, que não são considerados aptos a opinar sobre os rumos de suas próprias vidas.



“Na classe média, o discurso é um pouco mais favorável. As crianças tomam algumas decisões, escolhem a roupa que vão usar para ir à escola, por exemplo, mas são decisões que não afetam a família propriamente dita”, observa Isadora.



Diálogo que abre caminhos



Entre os fatores que interferem nas práticas familiares, Isadora ressalta o contexto socioeconômico, a idade da criança, o gênero e a idade dos pais quando tiveram os filhos.



“Se por um lado, os contextos de classe média urbana, altos índices de escolaridade e recursos socioeconômicos dos pais e responsáveis são favoráveis a maiores espaços de participação infantil, por outro, índices mais baixos de escolaridade, precariedade de uma rede de apoio e violência urbana parecem estar vinculados a concepções de práticas familiares tradicionais e autoritárias, mais comuns em contextos rurais e populares urbanos”, resume a pesquisadora.



Para Barker, as famílias com práticas mais democráticas e participativas nas relações adulto-criança costumam apresentar maior eqüidade de gênero e demonstram mais acesso a outros ambientes participativos ou com oportunidade para exercitar sua própria cidadania. “Pode parecer óbvio, mas vale afirmar que, para criar e oferecer cidadania para crianças, é necessário oferecer cidadania também para os pais”, chama atenção o diretor do Promundo.



O estudo mostra que com crianças que tiveram oportunidades de participação efetiva, em suas famílias ou na escola, o resultado foi motivador: as crianças assumem uma postura assertiva e positiva em relação à vida, que difere muito de uma posição subalterna e resignada. “As crianças que têm oportunidade de participar aprendem e atuam desde cedo com respeito pelos outros e enfrentam o mundo com mais auto-estima”, observa Barker.



Mais afeto e diálogo



Segundo o coordenador da pesquisa, apesar das diferenças, fica claro que as crianças querem mais afeto, querem ser escutadas e contar com ambientes seguros para encontrar seus amigos. “É importante ressaltar que não estão falando necessariamente de mais tempo com seus pais, mas de mais momentos em que os pais estejam totalmente dedicados a eles”, assinala.



Para Barker, é necessário criar espaços de cidadania para os próprios pais e cuidadores, pois a violência urbana, o desemprego, os problemas de habitação, de saúde, de educação, e de ócio, limitam a capacidade de expressar-se dos adultos. “Levando isso em consideração, tente deixar os problemas no local de trabalho e, em seu tempo livre, brinque com seus filhos”, recomenda.



Traduzido por Aline Gatto Boueri


Comunidade Segura.

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