domingo, 1 de junho de 2008

Artigo: Notas sobre a Criminalidade e o Capitalismo

Neemias Moretti Prudente [01/06/2008]


Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males (1 Tm 6.10, Bíblia Sagrada)

Neste curto ensaio pretendo passar algumas modestas considerações sobre a criminalidade e o capitalismo, já que parece haver uma preocupação de todos os indivíduos, indistintamente, com o aumento da criminalidade e o que fazer para combatê-la.

De início, manifesto que desde minha militância na Criminologia, no Curso de Especialização em Direito Penal e Criminologia, com as brilhantes aulas de um dos maiores pensadores da atualidade, Dr. Juarez Cirino dos Santos, as minhas “lentes foram trocadas”, no sentido de afirmar que a principal raiz do problema, o leitmotiv da criminalidade, é o capitalismo.

De fato, o crime sempre existiu em qualquer tipo de sociedade, contudo, é na sociedade capitalista que ele adquire um novo status e mostra a sua face mais sombria.

No sistema capitalista, desde cedo, os indivíduos são domesticados pelos mais variados meios (como a família, a escola, a igreja, entre outros) para a produção do capital. Quando trabalhadores, são separados dos meios de produção e das terras, diante disto, sem saída, restam-lhes apenas a sua força de trabalho para vender no mercado, e, em troca, recebem um mínimo salário como recompensa, recompensa esta que tem somente finalidade de suprir suas necessidades básicas para que consigam sobreviver para produzir mais trabalho.

Para a institucionalização e o fomento do paradigma capitalista, é necessário o controle institucionalizado, que é realizado pelas autoridades do Estado, ressaltando que a lei, no capitalismo, é o instrumento de proteção de bens e interesses das classes dominantes (detentores de poder e capital).

Ocorre que alguns indivíduos não aceitam a “canga” do trabalho assalariado ou não encontram oportunidades no mercado de trabalho, pobres e miseráveis, se vêem abandonados pelo Estado e pela população em geral, sem perspectivas de uma vida digna, e, não restando outra saída, diante da necessidade e em busca de sobrevivência, se enveredam para o mundo do crime, que na maioria dos casos é um caminho sem volta.

Nesse sentido, segundo dados oficiais, no Brasil, mais de 75% dos crimes são contra o patrimônio(1), levando em conta que o desemprego atinge mais de 9 milhões de brasileiros, principalmente jovens de idade entre 15 e 24 anos, que representam 4,4 milhões de desempregados. 46,6% dos jovens estão em situação de desemprego. Não é a toa que os jovens de idade entre 18 e 29 anos representem quase 60% da população carcerária. O que poderíamos esperar? A soma de desemprego, mais necessidade, resulta em criminalidade.

Com sapiência Juarez Cirino dos Santos (A criminologia radical, p. 12) afirma que “sempre haverá um grupo inconformado com a situação, e passa agir contra os meios legais do Estado, para ter acesso a bens de consumo [...] Nota-se que na sociedade capitalista a imensa maioria dos crimes é contra o patrimônio, de que mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos materiais e o próprio crime patrimonial constitui a tentativa normal e consciente dos deserdados sociais para suprir carências econômicas”.

Ressaltando que diante da necessidade o indivíduo tem a escolha de morrer de fome lentamente, matar a si próprio rapidamente, ou tomar o que ele precisa onde encontrar, em bom inglês, roubar. E não é motivo para surpresa que muitos dentre eles prefiram o roubo à inação ou ao suicídio (Engels apud Rusche e Kirchheimer, 2004, p. 137).

No Brasil, constatou-se que a soma de habitação (35,3%), alimentação (22,4%), transporte (11,4%), e vestuário (5,7%), consomem 74,8% da renda dos trabalhadores. Os impostos pagos pelos contribuintes vão de 37% a 44% atualmente. O que resta? Isto para as pessoas que estão empregadas e recebem um salário para pagar estas despesas, e as despesas dos que não estão inseridos no mercado, como ficam? quem paga? e paga com o que? Pagam com o capital adquirido pela conduta delituosa.

Agora, o que podemos exigir de pessoas privados dos elementos básicos para a sobrevivência humana, incluindo a falta de alimentação, a carência de habitação, de vestuário, a baixa escolaridade e a falta de participação nas decisões políticas são, de fato, a pólvora do barril anti-social.

É ilógico exigir comportamento civilizado aos órfãos da dignidade humana. Antes de serem autores da infração, em geral, ele foram vítimas.

No Brasil, segundo dados recentes do Ipea, os 10% mais ricos concentram 75,4% da riqueza do país. A pesquisa também mostra o peso da carga tributária entre ricos e pobres, que chegam a pagar até 44,5% mais impostos. Um absurdo!

Ocorre que, ao recorrerem ao crime, existe a possibilidade de serem submetidos ao cárcere, como forma de “valor de troca” pelo ilícito.

O Estado (incluindo a população em geral) não dá o mínimo para a garantia dos direitos fundamentais do cidadão, mas quando enviados ao cárcere, o Estado com seu discurso, afirma que retira o infrator da sociedade com a intenção de ressocializá-lo, segregando-o, para depois reintegrá-lo ao seio da coletividade da qual foi afastado, mas todos sabem que isso não passa de hipocrisia, as prisões são verdadeiras masmorras, em total desrespeito à pessoa humana que, ao invés de resolver o problema da delinqüência, acaba tendo efeito contrário: tornam-se verdadeiras escolas do crime, propagadoras de patologias físicas e morais.

Sem embargo, o Brasil conta com aproximadamente 420 mil presos. Ressaltando que este numero só não é maior por causa do baixo índice de punição de crimes no Brasil, que é inferior a 10%. A grande maioria da população carcerária é de pobres, jovens, do sexo masculino, de baixa escolaridade e de cor negra ou parda. Atualmente, 70% da população carcerária é formada por reincidentes, já que quando saem do cárcere, estigmatizados, não encontram chances de sobrevivência fora das alternativas ilegais, ainda que tentem. Então, quanto mais gente se prende, mais potenciais presos se está formando, porque a prisão é um espaço criminógeno.

Nota-se que a criminalidade está em todas as classes, mas é muito maior nas classes inferiores, pois raramente o sistema criminal volta-se para perseguição e punição de crimes praticados pelas classes dominantes (detentores capital e poder), ou seja, o sistema é bastante condescendente com as classes média e alta, e em contrapartida, é bastante duro com os pobres.

Ponto importante a ser observado é que, para grande parte da população e das autoridades em geral, a solução para a criminalidade é o ergástulo público e maior severidade em relação às leis penais e processuais penais, tais como aumento de pena, diminuições de benefícios, vedações de direitos, pena de morte, prisão perpétua, maior tempo de internação para menores infratores, redução da maioridade penal, entre outros.

Neste ponto é válido atentar para as observações feitas por Rusche e Kirchheimer (2004, p. 18) de que “[...] todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondam às suas relações de produção [...] quanto mais empobrecidas ficavam as massas, mas duros eram os castigos, para fim de dissuadi-las do crime”.

O Estado, ao alterar a legislação, diante do alto clamor da população em relação a criminalidade, desempenha um discurso puramente simbólica, para fins políticos e eleitorais, e não para tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados essenciais. A alteração da legislação serve para produzir um impacto tranqüilizador (e seu medo) sobre o cidadão e sobre a opinião pública, acalmando os ânimos, individual ou coletivo, de insegurança. Objetiva dar à sociedade a nítida impressão de que o legislador estava atento à problemática da criminalidade e oferece, com presteza, meios penais cada vez mais radicais para sua superação.

Mas sabemos que estas medidas em nada resolvem, tanto que se as mudanças nas leis penais fossem a solução para nosso gravíssimo problema de violência epidêmica, já estaríamos vivendo num paraíso.

A principal resposta para o problema da criminalidade é a democracia real, porque nenhuma política criminal substitui políticas públicas de emprego, de salário digno, de moradia, de saúde, de lazer e, especialmente, de escolarização em massa (Santos, Direito penal: parte geral, p. 706).

À guisa de conclusão, o problema da criminalidade não está na dose do remédio, mas sim no remédio em si, que é outro, não penal, e sim, socioeconômico. Mas quem está disposto a enfrentar isto?

Nota:

(1) Não há menor duvida de que o tráfico de drogas ilícitas, afinada com a lógica de acumulação e produção capitalista, já que movimento cerca de US$ 380 bilhões/ano, é um crime patrimonial.


Por Neemias Moretti Prudente é pesquisador integrante do Núcleo de Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania (Unimep/SP). Mestrando em Direito Penal (Unimep/SP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR). Membro fundador e conselheiro do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa IBJR. Membro do Conselho Editorial do Site e da Revista Sociologia Jurídica. Editor do Blog Informe Jurídico & Outros. http://www.infodireito.blogspot.com. neemias.criminal@gmail.com.


Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Notas sobre a Criminalidade e o Capitalistmo. O Estado do Paraná, Curitiba, 01/05/2008. Direito e Justiça, p. 6.

2 comentários:

Unknown disse...

Oie: muito bom o artigo. Concordo com você. Está na hora de tratar o problema da criminalidade como socioeconômico e não simplesmente como um problema criminal e do sistema penitenciário. Lilian.

Unknown disse...

Muito bom o artigo...
concordo plenamente com você, cada vez mais cresce o indice de criminalidade, e os tratamos como fruto de má educação, etc..
Temos sim que tratar os miliantes como fruto de um sistema, e darmos o mínimo de dignidade para ele, para quando saírem da prisão terem uma profissão e não terem de roubar novamente por que ninguém dá emprego pra eles.

Pesquisar este blog