quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Rede comemora parceria entre polícia e sociedade

A idéia de colocar policiais e organizações da sociedade civil lado-a-lado para discutir propostas de combate ao crime parecia inviável. No entanto, as primeiras experiências de intercâmbio mostram o contrário. Por iniciativa do Viva Rio e com o apoio da Open Society Institute, a Rede Latino-americana de Policiais e Sociedade Civil, que reúne 12 ONGs e 31 corporações policiais de 10 países latino-americanos, comprovou que isso é possível.

O sucesso das oficinas e fóruns realizados entre policiais e membros da sociedade civil, somado aos encontros virtuais para discutir assuntos de interesse comum, são conseqüência de três anos de trabalho da Rede que acaba de concluir, no Chile, sua primeira Conferência Regional.

O encontro, considerado “altamente positivo” pela coordenadora da Rede, Haydée Caruso, foi realizado na sede da Policía de Investigaciones de Chile (PDI) e a organização compartilhada pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso Chile). Durante dois dias foram realizadas conferências, oficinas e experiências de intercâmbio.

Participaram da conferência policiais com capacidade diretiva nas suas corporações, dirigentes sociais e acadêmicos do país anfitrião e ainda da Argentina, Brasil, Colômbia, Venezuela, Nicarágua, El Salvador, Guatemala, México e Peru.

A conferência de abertura

Um dos pontos centrais da conferência foi a participação, na abertura, do ex-ministro do Interior do Peru Gino Costa, especialista em segurança e em assuntos criminais. Costa enfatizou as diferenças de abordagem que os governos dos países da América Latina conferem ao tema segurança, por exemplo, a formação das corporações policiais: em alguns países a polícia é unitária, em outros a força policial é federal, e em outros, ainda, existem ambos os tipos de corporação.

“Apesar da pluralidade”, assinalou Gino Costa, “nossas políticas de segurança e nossas polícias partilham problemas comuns, ainda que de distinta dimensão em cada país e em cada corpo policial”. O especialista considera que existem seis pontos a serem avaliados em se tratando de políticas de segurança:

- Carência de uma adequada liderança política e profissional;
- Autonomia e grande poder político dentro do estado, que as faz resistentes à mudança;
- Persistência da militarização;
- Resposta às demandas de segurança através de ações teatrais e retóricas;
- Falta de informação séria e confiável para planejar suas ações;
- Deficiência dos ministérios da Fazenda ou da Segurança em coordenar uma ação multisetorial.

Costa também enumerou quatro pontos em relação às polícias: anacronismo tecnológico, organizacional e conceitual; persistência de práticas corruptas e abusivas; condições deficientes de bem-estar para o trabalho da polícia; e desconfiança cidadã, principalmente como produto da impunidade diante da corrupção. “O primeiro desafio é ter funcionários nas áreas correspondentes que sejam profissionais do tema, blindados ao vai-e-vem político e sustentáveis no tempo”, assinalou.

Para o ex-ministro peruano, o problema da segurança não passa exclusivamente pelas forças policiais, mas requer um amplo compromisso de todas as áreas do governo. Por isso, acredita ser fundamental que os funcionários da área de segurança também contem com ferramentas de coordenação de todo o resto, “tanto de forma vertical, quanto horizontal”, explicou.

“Não basta contar com as melhores polícias já que o desafio da governabilidade da segurança implica em realizar, de forma simultânea, transformações nas polícias, na Justiça e no sistema penitenciário”, afirmou Gino Costa. Para ele, não adianta reformar as polícias se as prisões continuam sendo universidades do crime e espaços onde é conduzida a atividade criminosa.

Da mesma forma, criticou as políticas “teatrais e populistas” da América Central, chamadas de mano dura. Costa dedicou uma parte de sua fala à dignidade do trabalho policial e à assistência às suas famílias, mencionando pontos-chave tais como remuneração adequada e descanso, entre outros.

Após uma exposição acompanhada com atenção por causa de suas provocações contra as práticas tradicionais que não dão resultado, Gino Costa desafiou os participantes a “recuperarem a confiança cidadã”.

Policiais opinam e participam

A opinião dos policiais de diferentes pontos do continente foi substancial no decorrer da conferência. O alto nível de participação gerou entusiasmo suficiente para antecipar a necessidade de estender as atividades da Rede para o interior dos países membros e para outras nações da América Latina e do Caribe.

Para Rubens Rebuffo, da polícia da província argentina de Neuquén, e membro fundador da Rede, “o fato de integrar este núcleo tem me servido pessoalmente, mas também tem servido a todos para ampliar seus conhecimentos e poder planejar melhor a tarefa policial”.

Para o mexicano Ernesto Cárdenas, membro da ONG Insyde, “o intercâmbio favorecido pela Rede é de grande importância e, por isso, acreditamos que a mesma deve que ser ampliada, sistematizando informações e aumentando as viagens de intercâmbio entre policiais de diversos países”.

Luis Alberto Pacheco, do Corpo de Segurança e Ordem Pública do Estado de Aragua, na Venezuela, enfatizou o valor da participação dos membros nos fóruns virtuais da Rede. Pacheco considerou que a ferramenta é apropriada, assim como a Biblioteca Virtual e os chats, e sugeriu a expansão das atividades de membros na web.

Luis Antonio Brenner Guimarães, policial reformado da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, levou para a capital chilena a experiência da Rede Brasileira de Policiais, bastante extensa e consolidada. Brenner, que hoje faz parte da ONG Guayi, detalhou o funcionamento dos encontros no seu país, valorizando a experiência.

Algumas das conclusões das oficinas internas da rede, que apontaram para as tarefas que a Rede tem pela frente:

- Construir canais institucionais de diálogo com autoridades de segurança de cada país;
- Identificar boas e más práticas para compartilhar lições aprendidas;
- Ampliar ainda mais a Rede para permitir a participação de atores políticos, do governo e do empresariado;
- Promover cursos ministrados sobre plataforma virtual;
- Fortalecimento da base de dados do blog Policiaesociedade com o intercâmbio de manuais de procedimentos de cada polícia;
- Gerar um diagnóstico regional sobre a formação dos policiais;
- Apresentar documentos institucionais diante de organismos multisetoriais ou intergovernamentais;
- Facilitar consultas entre os distintos programas curriculares para a formação policial na América Latina;
- Promover experiências de prestação de contas.

Comunidade e policiaisUm dos eixos da conferência foi a participação comunitária. O tema atravessou todas as oficinas e exposições, mas foi abordado concretamente por Alejandra Lunecke, coordenadora do Programa Global para a Transformação do Setor da Segurança da Flacso-Chile. “Começamos a falar em segurança cidadã ainda nos anos 90, atribuindo à comunidade ou à cidadania, como conceitos distintos, um papel central”, lembrou acrescentando que “o paradigma daquela época era fazer segurança de maneira colaborativa”.

Lunecke disse que “a comunidade era abordada apenas como um espaço físico que deveria sofrer intervenções ou onde deveriam ser promovidas melhorias sociais para evitar sua deterioração e o aumento da criminalidade”.

Segundo Lunecke, muitas vezes foram copiados modelos de trabalho tipicamente anglo-saxões, centrados no fortalecimento do local o que gerou problemas à praxis latino-americana. “Nosso legado de participação comunitária não tem a mesma essência anglo-saxã, já que nossos estados têm uma cultura paternal ou centralizadora”, explicou.

Novos modelos

Diante daquelas experiências que, de forma alternada, foram sendo aplicadas em alguns países de uma maneira e, em outros, de forma parcial e até segmentada, a experiência foi se dirigindo, segundo a especialista, para uma polícia orientada sobre três princípios: inteligência criminal, comunidade e problemas concretos.

A partir de conceitos que questionam para que, por que e como incluir a comunidade nas questões da segurança, começou-se a trabalhar as diferentes oficinas que contaram com a participação de policiais e de membros de organizações civis que buscam estabelecer bases de relação mútua entre polícia e comunidade.

O último dia teve a presença de diversos convidados, entre eles, o ex-ministro do Interior do Peru, Gino Costa, o ex-secretário de Segurança Interior da Argentina, Luis Tibiletti, o diretor de Anistia Internacional Chile, Juan Gómez e o coordenador do Programa de Segurança Humana do Viva Rio, Daniel Luz. Ao fim das oficinas, o Secretário de Interior do Chile, Felipe Harboe, surpreendeu os assistentes com uma aula prática sobre políticas públicas na área de segurança.
Harboe defendeu uma abordagem integral da problemática da segurança ao afirmar que “em um governo, os ministérios devem se responsabilizar por temas que são divididos por razões administrativas, mas nada indica que devam ser divididas também as soluções”. E assinalou: “não há sucesso policial se antes não há sucesso social”.

Por sua vez, o diretor-geral da Policía de Investigaciones de Chile, Arturo Herrera, explicou por que a força chilena tem respeito e prestígio. Herrera afirmou que, além das simples estatísticas, “o que se valoriza é uma polícia que entende que deve enquadrar sua atividade de forma a respeitar os direitos humanos e o sistema democrático”.

Herrera postulou para o futuro uma polícia “cuja tarefa deve ser cada vez mais contribuir com o desenvolvimento da sociedade”. Por isso, “os policiais temos que entender nossa atividade como um serviço público baseado na deontologia e na accountability, ou seja, na transparência absoluta, prestação de contas e controle social de cada uma de suas ações”.

Lucía Dammert, coordenadora do Programa de Segurança e Cidadania da Flacso, sugeriu que os quadros técnicos especializados tenham acesso a cargos-chave de decisão nos governos da América Latina. A pesquisadora respaldou as conclusões a que chegaram os participantes do encontro. Para Haydée Caruso, há a necessidade de “fortalecer as redes existentes para o interior dos países e ampliá-la para o resto das nações da América Latina e do Caribe”

Comunidade Segura.

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