sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Artigo: Tolerância zero, discriminação máxima

As notícias sobre a operação "Tolerância Zero" que foi realizada no centro de São Paulo fizeram com que eu me lembrasse de dois interessantes artigos publicados através dos boletins deste Instituto (os quais pude localizar com facilidade graças ao índice).

No primeiro artigo, intitulado "Da famigerada atitude suspeita" (Boletim IBCCRIM 16/03), o autor Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso indaga sobre o que venha a ser a chamada "atitude suspeita", origem de vários processos por porte de intorpecente ou arma. Conclui o ilustre autor que a "atitude suspeita" baseia-se simplesmente no fato de o suspeito estar mal trajado, andar em locais pouco recomendáveis, afirmando ainda que "se um usuário de intorpecente ou portador de uma arma adquirisse um termo e uma gravata, acompanhados de uma mala 007 e decidisse circular pelos bairros da alta renda, não seria jamais importunado ou considerado em atitudes suspeitas, contando que não fosse negro ou pardo. Este tratamento desigual, além de discriminatório, por violar o princípio de que todos são iguais perante a Lei é ilegal, na medida que viola os preceitos das garantias individuais dos cidadãos.

"Se a Constituição Federal demonstrou grande evolução nos direitos individuais, tornando a residência do cidadão mais inviolável, acabou com a irregular prisão administrativa, passou a exigir, salvo as excessões previstas (flagrante delito, etc.), mandado judicial para prisão e busca e apreensão de coisas, inconcebível que pessoas continuem a ser abordadas desta maneira quando se encontram na rua."

O segundo artigo que me veio à memória foi publicado no Boletim 26/06, de autoria de Paulo Márcio da Silva, cujo título é "Da ilegalidade da busca realizada em 'blitz' policial". Nesse artigo, que versa sobre as buscas em automóveis realizadas por ocasião das denominadas "blitz" policiais, o autor assevera que "tais procedimentos são realizados de forma ilegal, arbitrária, ao arrepio da legislação vigente". Em relação ao § 2º do art. 240 do CPP, é feito o seguinte comentário: "Diante de tal dispositivo, a conclusão lógica a que se chega é a de que a 'a busca pessoal'... somente poderá ser realizada quando recair sobre a pessoa que será submetida à revista, fundada suspeita de que oculte consigo arma e objetos proibidos (tóxicos por exemplo) ou que sejam, tais objetos, produtos de origem criminosa..."

"... O certo é, porém, que inexistindo a fundada suspeita a que se refere a lei e, mesmo assim, realizada a busca, estarão os agentes policiais, por melhor que sejam suas intenções, praticando conduta ilícita, prevista no Código Penal e na Lei nº 4.898/65, que trata do abuso de autoridade".

Através da leitura dos artigos supra referidos nós notamos que a "Operação Tolerância Zero" é arbitrária e abusiva. É uma operação arbitrária e abusiva na medida em que as pessoas são detidas para averiguações com base em impressões subjetivas e preconceituosas dos policiais. De fato, somente os pobres e mal vestidos são considerados "suspeitos", o mesmo não acontecendo com os "engravatados"; e essa suspeita que se baseia em trajes, cheiro ou cor dos detidos jamais poderá ser considerada uma fundada suspeita, havendo, então, o abuso de autoridade.

Os defensores da "Operação Tolerância Zero" poderão argumentar que nessas averiguações foram flagradas pessoas portando armas ou entorpecentes. Entretanto, essas apreensões tem como origem uma operação visando somente uma camada mais baixa da sociedade, logo, tem origem em atos discriminatórios. Por que não se realizam essas operações junto às diversas faculdades, onde vários estudantes também seriam pegos portando intorpecentes? Será que é porque eles são "filhinhos-de-papai", vestem-se bem e usam perfume importado? Qual a diferença entre o menor de rua viciado em "crack" e o jovem estudante viciado em cocaína?

A apreensão de menores carentes, considerados suspeitos da prática de atos infracionais é de fato discriminatória, pois todos sabemos que os adolescentes de alto poder aquisitivo, moradores de condomínios fechados e dos bairros nobres, também praticam atos infracionais, dirigindo sem habilitação e destruindo telefones públicos, e nada é feito com relação a isso.

Desta maneira, apesar dos aplausos de alguns segmentos da sociedade, só podemos concluir que a "Operação Tolerância Zero" é arbitrária, visando apenas satisfazer os interesses de uma sociedade hipócrita que não se engaja em uma luta sincera pela melhoria das condições sociais.

Mauro Monteiro Mondin, Advogado em São Paulo.

Boletim IBCCRIM nº 53 - Abril / 1997

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog