sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Artigo: Sementes de solidariedade

No ano em que o Brasil perdeu Ruth Cardoso seria impensável comemorar, neste 5 de dezembro, o Dia Internacional do Voluntário sem destacar a importância fundamental de suas idéias e ações para que o voluntariado se firmasse no País. Guiados por seu legado, devemos discutir o futuro do voluntariado no Brasil, aproveitando esta oportunidade para vislumbrar novos horizontes de atuação cidadã e solidária.

Um marco no voluntariado brasileiro foi 1996, com a formação de grupos de trabalho reunindo, em dez capitais, organizações sociais que já contavam com voluntários. Na ocasião, a doutora Ruth Cardoso havia voltado de uma viagem aos Estados Unidos e ao Canadá com a firme convicção de que era necessário criar no Brasil centros regionais de voluntários, inspirados pelas experiências que já existiam naqueles países, a fim de reunir todas as pessoas dispostas a se engajar nesse tipo de atividade. "O voluntariado não está mais associado a formas unilaterais de ajuda, mas sim nas idéias de participação e responsabilidade. O trabalho voluntário exprime e amplia o capital social presente na comunidade e na sociedade", dizia a doutora Ruth.

Ainda em 1997 foram criados os primeiros Centros de Voluntariado do Brasil, entre eles o de São Paulo. Um ano depois, comemorávamos a promulgação da Lei do Voluntariado (Lei 9.608), de autoria do deputado Paulo Bornhausen, um marco na evolução do voluntariado no País, por dispor sobre as condições de seu exercício.

Em 2001 a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Ano Internacional do Voluntário e o Brasil se destacou, entre os 123 países participantes, tanto pelas atividades aqui realizadas como pelo número de voluntários envolvidos e pela maciça divulgação conseguida. Por isso mesmo, em 2002 tivemos a honra de representar o Brasil como país escolhido para apresentar o relatório final do Ano Internacional do Voluntário na Assembléia-Geral da ONU.

De lá para cá o voluntariado se consolidou, aqui e em todo o mundo, seja pelo reconhecimento e pela legitimação que conquistou, seja pelas ações transformadoras realizadas em vários países.

Assim, se a palavra voluntariado ecoava em vários cantos do Brasil de uma maneira muito discreta, hoje ela se tornou expressão de um desejo disseminado: o desejo de fazer parte, de transformar nossa realidade. O País respondeu de maneira afirmativa e entusiasmada à mensagem de que a doação de tempo e talento em prol da comunidade pode mudar a nossa realidade. A prática da solidariedade ganhou terreno nas empresas, conquistou o cidadão e recruta novos adeptos a cada dia nos mais distintos estratos da sociedade.

Chegamos à data de hoje, comemorando mais um Dia Internacional do Voluntário, felizes pelas conquistas e conscientes dos desafios que ainda temos pela frente. Acreditamos que o trabalho voluntário é fundamental para tornar o Brasil mais justo e que fortalecer a cultura e a prática do voluntariado transformador significa promover a participação cidadã.

Evoluímos significativamente no que diz respeito à conceituação da atividade voluntária como exercício consciente da cidadania e materialização do sentimento de solidariedade. Como a doutora Ruth Cardoso já salientava, há muito que o voluntariado superou o paradigma da ajuda ao próximo, embora ainda traga embutido esse desejo. O trabalho voluntário parte do pressuposto de que cada ação individual, solidária e cidadã, é parte de uma grande transformação social, objetivo maior do próprio voluntariado. Nesse processo, o voluntário e o grupo em que ele atua estabelecem uma relação entre iguais. A atividade voluntária é transformadora não apenas na realidade em que ocorre, como também no próprio indivíduo.

Esse é o futuro do voluntariado, que, felizmente, já desponta no presente, como força suficiente para crescer e predominar no Brasil.

Para responder aos desafios deste novo tempo é essencial que os centros de voluntariado espalhados pelo País se estruturem cada vez mais. Um caminho que vislumbramos para isso é a consolidação da Rede Brasil Voluntário, recém-criada por iniciativa do Centro de Ação Voluntária de Curitiba, do Centro de Voluntariado de São Paulo, do Instituto Voluntários em Ação de Florianópolis, dos Parceiros Voluntários do Rio Grande do Sul e do Rio Voluntário.

Uma das primeiras ações da rede foi promover, de 2 a 9 deste mês de dezembro, juntamente com o Programa de Voluntariado da ONU (UNVoluntários), administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a Semana Brasil Voluntário. O objetivo é motivar mais pessoas a dar início a suas atividades de voluntariado e torná-las presentes em sua vida.

Embora já formemos uma poderosa rede de colaboradores, ainda somos poucos para abraçar esta tarefa. Há muito por fazer... A conquista de novos adeptos, a profissionalização dos projetos sociais, a capacitação de lideranças, a renovação do interesse daqueles que já põem a "mão na massa" em prol do social e o fomento de caminhos alternativos são desafios permanentes.

Aproveitamos a comemoração do Dia Internacional do Voluntário para reconhecer e incentivar o trabalho daqueles que doam seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não-remunerada, para causas de interesse social e comunitário, estimulando outras pessoas a fazerem o mesmo e continuar trilhando este caminho rumo à construção de uma sociedade mais solidária.


Milú Villela, presidente do Centro de Voluntariado de São Paulo e do Instituto Faça Parte, é embaixadora da Boa Vontade da Unesco João Mellão Neto, excepcionalmente, não escreve o seu artigo hoje.

Estadão.

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