quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Artigo: Nova definição jurídica do fato depois de oferecida a denúncia e a aplicação da Lei nº 9.099/95

A possibilidade de nova definição jurídica do fato, diversa daquela constante da denúncia, ganhou importância com o advento da lei que disciplinou a criação do Juizado Especial Criminal, pois, até então, a capitulação dada pelo órgão do Ministério Público não trazia maiores implicações, haja vista que o seu equívoco poderia muito bem ser solucionado, sem maiores problemas, após o encerramento da instrução, aplicando-se os arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal.

Contudo, nos dias de hoje, a classificação do fato contida da peça vestibular foi alçada a um elevado grau de importância. Afinal, daí será cabível ou não, em muitos casos, a aplicação dos institutos consagrados na Lei nº 9.099/95. A título de exemplo, vale citar o caso de furto simples (quando cabe suspensão condicional do processo) ou qualificado e a hipótese de receptação dolosa (suspensão) ou culposa (possibilidade de transação penal).

É bem verdade que a definição da capitulação da denúncia já havia adquirido relevância no que tange ao delito de homicídio, lembrando que sua forma qualificada, atualmente, é considerada crime hediondo com todas as conseqüências daí decorrentes.

Portanto, não há dúvida. Nos dias de hoje, a definição jurídica dada pelo órgão ministerial é matéria das mais relevantes.

Contudo, não se pode perder de vista que a capitulação da denúncia é provisória. Com base em elementos do inquérito policial, o promotor de justiça forma sua opinio delicti, classificando determinada conduta como incursa em certo dispositivo penal.

Mas o expediente extrajudicial, no mais das vezes, possui deficiências, até porque foi produzido sem contraditório e ampla defesa, o que tende a impedir uma correta compreensão dos fatos.

Assim, em se apurando ao longo da instrução criminal, que aquela suposta ação delituosa deu-se de maneira diversa do contido na capitulação da denúncia, de modo que a nova definição jurídica implicaria na concessão de benefícios da Lei nº 9.099/95, o juiz não poderá deixar de aplicá-los sob o argumento de que a peça vestibular o impede.

Afinal, é notório no sistema legal pátrio, que o acusado não se defende dos dispositivos apontados na denúncia, mas dos fatos ali narrados.

De tal sorte, que se os fatos, cuja verdade somente logrou-se apurar ao cabo da instrução criminal, permitem a aplicação da Lei nº 9.099/95, o magistrado deverá assim agir, pois os institutos ali previstos, mormente a transação e a suspensão do processo, constituem verdadeiros direitos dos acusados.

E como proceder então?

Em brilhante acórdão prolatado pela 6ª Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Ap. nº 984.353-0, de lavra do eminente rel. juiz Almeida Braga, vislumbra-se a solução, qual seja, o juiz deverá na sentença promover a nova capitulação que entendeu correta e comprovada e, sem adentrar no mérito das eventuais teses condenatória e absolutória, promover a aplicação efetiva do benefício legal agora possível ante a nova classificação dada ao fato.

A partir daí, seguir-se-á o rito normal da nova lei, o que não mais constitui novidade alguma. Abre-se vista ao Ministério Público para oferecimento de proposta, designa-se audiência, intimam-se as partes e por aí afora. Vale consignar que o mencionado acórdão determina, inclusive, que o magistrado estará obrigado a conceder os novos institutos na hipótese de discordância ou omissão do órgão acusador, pois, como já se disse, está-se falando em direitos dos acusados e não em faculdades para a acusação.

A interrupção de uma sentença ao meio poderia, como reconheceu a própria decisão mencionada, parecer uma heresia jurídica. Mas, o advento da nova lei fez com que toda a dogmática jurídico-penal fosse refeita, admitindo-se novos conceitos como é o caso em estudo. Afinal, o direito à liberdade não pode sofrer restrições por apego a dogmatismos.

No entanto, pode-se depreender que o ato judicial que permite dar aos fatos uma nova definição jurídica sem adentrar no mérito, nada mais é senão uma aplicação mais abrangente dos já citados arts. 383 e 384 do CPP. É dizer, muito embora tudo pareça ser uma novidade, na realidade, está-se dando nova roupagem a institutos já previstos em nosso sistema processual-penal.

Agora, só resta aos operadores do direito penal dar aplicabilidade aos novos desafios.


Vitore André Zilio Maximiano, Procurador do Estado de São Paulo.

MAXIMIANO, Vitore André Zilio. Nova definiçäo jurídica do fato depois de oferecida a denúncia e a aplicaçäo da Lei n. 9099/95. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.52, p. 02, mar. 1997.

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