quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Artigo: Declaração dos Direitos Humanos, 60 anos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos. Desde 10 de dezembro de 1948, quando foi adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas (ONU), esse instrumento constitui o mais importante marco normativo para o desenvolvimento dos direitos humanos no Brasil e no mundo.

Ao reunir direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais num só documento, a Declaração transcendeu as divisões ideológicas de seu tempo. Posteriormente, as Conferências de Teerã (1973) e Viena (1993) consagraram os princípios de universalidade, indivisibilidade, inter-relação e interdependência dos direitos humanos.

O aniversário da Declaração marca o lançamento das Metas Voluntárias em Direitos Humanos, inspiradas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Aprovada por consenso, esta iniciativa, proposta originalmente pelo Brasil, é composta por dez metas que a comunidade internacional se compromete a implementar.

Os compromissos abarcam, entre outros, o combate à fome e à pobreza, a ratificação universal dos instrumentos internacionais, o fortalecimento dos marcos legais, institucionais e de políticas em direitos humanos, a criação de instituições nacionais, a cooperação com o sistema ONU e o direito ao desenvolvimento.

A maneira transparente como enfrentamos nossos próprios desafios no plano interno, num ambiente democrático, tem conferido maior legitimidade à atuação brasileira no plano externo.

O Brasil tem defendido um enfoque construtivo, universalista e não-discriminatório no tratamento das questões de direitos humanos. Em 2005, a diplomacia brasileira engajou-se ativamente no estabelecimento do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Entre suas principais inovações, que tiveram origem em proposta brasileira, o conselho realiza a chamada Revisão Periódica Universal.

Trata-se de mecanismo que possibilita aos Estados membros da ONU apresentarem relatório sobre a situação em seus países, que resultam em recomendações para corrigir problemas ligados à proteção dos direitos humanos. Com a Revisão Periódica, hoje institucionalizada, todos os 192 Estados membros serão analisados pelo conselho a cada quatro anos, sem a singularização de países de acordo com conveniências políticas desta ou daquela potência.

O Brasil apresentou seu relatório no primeiro semestre deste ano, em exercício que envolveu diversos órgãos do Executivo, o Congresso Nacional e a sociedade civil. Reafirmamos a solidez de nossos princípios ao assumirmos um compromisso voluntário de preparar informes anuais ao conselho sobre a implementação das recomendações que acolhemos.

O Brasil tem sido percebido como interlocutor coerente e equilibrado. Em maio fomos reeleitos para o conselho, com o apoio de 163 países. Buscamos identificar elementos positivos que julgamos devam ser mantidos ou reforçados. Sugerimos atenção particular a eventuais dificuldades que outros países enfrentem.

Num mundo onde todos devem realizar esforços em prol dos direitos humanos, a cooperação - e não a mera condenação - parece-nos a forma mais adequada para defender eficazmente a causa da Declaração Universal.

Temos buscado fortalecer a nossa presença sempre que chamados a ajudar. Sob a liderança do presidente Lula, o governo brasileiro tem prestado cooperação a países como Guiné-Bissau, Moçambique, Nigéria, Cabo Verde, Haiti e Timor Leste, contribuindo para a realização de direitos humanos fundamentais como paz, saúde, educação e desenvolvimento.

O Brasil não é indiferente às conseqüências de crises políticas ou sociais em outros países. Procuramos atuar em conformidade com o princípio da não-intervenção, atendendo a demandas do próprio país afetado.

A participação do Brasil em operações de paz é um exemplo da nossa postura de não-indiferença. Podemos ter uma contribuição diferenciada no tratamento das causas profundas dos conflitos, como a pobreza e as desigualdades socioeconômicas.

Nossa colaboração com a Missão da ONU no Haiti (Minustah), desde 2004, contribui para a proteção dos direitos humanos ao dar melhores condições à consolidação do Estado de Direito naquele país. Estamos conscientes, no entanto, de que esse processo depende sobretudo dos próprios haitianos.

Organizamos, em Brasília, a Conferência Regional Preparatória para a Conferência de Revisão de Durban sobre Eliminação da Discriminação Racial. Há pouco tempo sediamos, no Rio de Janeiro, o III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que reuniu mais de 3 mil pessoas, de 170 países. A cada semestre temos participado ativamente da Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos do Mercosul, trocando experiências e definindo estratégias conjuntas que favoreçam a integração, em benefício das cidadãs e dos cidadãos dos nossos países.

A ação diplomática do governo Lula deve ser entendida como sendo, a um só tempo, instrumento de desenvolvimento nacional e defensora de valores universais. Nenhum país ou região pode afirmar ter alcançado o objetivo de realizar plenamente todos os direitos humanos. Ricos ou pobres, do Norte ou do Sul, todos têm e sempre terão desafios a serem superados. Mais do que dar lições, temos de aprender a dialogar.

O enraizamento da temática dos direitos humanos na sociedade brasileira coincide com o engajamento do Brasil no âmbito internacional. A comemoração deste aniversário da Declaração Universal deve servir como estímulo para que governo e sociedade continuem somando suas forças.

Fazer valer na prática os direitos humanos constitui requisito indispensável para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.


Celso Amorim é ministro das Relações Exteriores

Estadão.

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