quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Artigo: Aperfeiçoamentos no ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente, parido sob a égide da Constituição de 1988 e inspirado nas tendências contemporâneas de proteção à menoridade acaba de ganhar importantes aperfeiçoamentos através da Portaria nº 4, de 07.01. 97 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

O primeiro destes ajustes diz respeito à necessidade da defesa técnica, desde o atendimento inicial, para o adolescente suspeito de ter praticado ato infracional, aí compreendida a apreensão em flagrante ou oitiva nos autos de investigação, assistência esta que deve ser prestada ou por defensor público ou por advogado dativo ou constituído. Trata-se de importante explicitação de direitos, colocando a legislação brasileira em posição de vanguarda neste tópico em relação aos demais ordenamentos ocidentais sobre o tema.

Neste ponto é importante ressaltar que, fora situações como a espanhola, onde o menor infrator é visto como um "doente" que precisa ser "curado" (sendo portanto a delinqüência concebida nos modelos positivistas(1)) e os procedimentos apuratórios tramitam sem a participação da defesa técnica pois não há acusados mas sim enfermos (sic) poucos países abrem mão da presença de defensor especializado em situações semelhantes ao nosso procedimento para apuração de ato infracional, como ocorre também em Portugal(2) e em certo sentido no México, onde até mesmo a presença do Ministério Público é dispensável(3).

Fora destes contextos a participação técnica é mitigada na Holanda(4) e mesmo na França(5), mas encontra valorização maior na Alemanha e especial importância nos modelos garantistas de Itália e Inglaterra onde é imprescindível a presença do defensor técnico(6).

Alinha-se neste ponto a legislação pátria com aquelas de cunho mais avançado, indo até um pouco além dos modelos italiano e inglês, na medida em que explicita necessidade do defensor técnico desde o momento da apresentação do menor tido como infrator. Para efeitos práticos pode-se considerar que eventual ausência de assessoria técnica causará vício processual cujas repercussões poderão não ser sanadas, na medida em que se trata de ofensa a princípio constitucional (ampla defesa, art. 5º, LV, da Constituição Federal).

Além deste importante tópico, a aludida portaria disciplina um teto para capacidade das unidades de internação, que não poderão receber um número superior a quarenta adolescentes. Aqui é inevitável a comparação com o falido sistema prisional pátrio, onde a superação da capacidade ocupacional é uma infeliz regra. No caso minorista, entretanto, a determinação legal não deixa dúvidas. Havendo extravasamento do limite de internos, deverá ser providenciada a liberação — ou remoção, dependendo do caso — do número excedente.

Também no sentido de otimizar as medidas sócio-educativas, a portaria esclarece a forma de execução da medida de semiliberdade, dando-lhe um caráter fortemente reeducacional, inclusive com ocupação profissional, acompanhada de assistentes técnicos que analisem o comportamento e a evolução do menor infrator.

Vê-se, pois, de forma louvável o esforço do Ministério da Justiça em aprimorar um texto legal que, do ponto de vista técnico-processual, ao menos na esfera da apuração infracional, já nasceu como um texto de vanguarda no cenário brasileiro. Certamente não se desconhece que as causas da criminalidade juvenil estão muito mais ligadas ao descompasso de distribuição de justiça social e somente serão mitigadas quando as enormes distorções econômicas, culturais e sociais também o forem. Mas é melhor que o Estatuto seja da forma que é, moderno, vigoroso e, até pretensioso. São passos importantes que já foram dados. E isto não é pouca coisa.

Notas

(1) Assim descreve Giménez-Salinas I Colomer, Esther, in "Introdución au Système de Justice des Mineurs", in "Droit Pènal Européen des Mineurs", Press Universitaires D'Aix-Marseille, 1992, p. 174.

(2) A posição portuguesa é categórica neste assunto. Embora encare a apuração de ato infracional como um verdadeiro processo de caráter repressivo, a legislação lusitana verdadeiramente impede a presença do advogado como ensina Gersão, Eliana, in "Le Droit Pénal des Mineurs au Portugal", op. cit., p. 230.

(3) Ao menos esta é a disciplina prevista no art. 522 do Código Federal de Procedimentos Penais: "O Ministério Público não intervirá de forma alguma no procedimento dos tribunais de menores".

(4) Op. cit. p. 203

(5) Veja-se Renucci, Jean-Francois, "Le Droit Pénal Français des Mineurs", op. cit. p. 185, especialmente ao aduzir que "pendant le d'reroulement de l'instruction, certains règles sont communes aux magistrats instructeurs, qu'il s'agisse du juge des enfants ou du juge d'instruction. Ainsi, il faut relever que le rôle réduit de la défense qui peut être critiqué même si l'on peut penser que le juge spécilisé est le défenseur natural de l'enfant..."

(6) Para o modelo alemão a observação cabe a Kerner, Hans-Jurgen, "Le Droit Pénal Allemand des Mineurs", explicando a evolução do tratamento germânico para o tema que, partindo de uma posição menos garantista hoje concebe a necessidade da presença do defensor técnico como essencial, inclusive colocando à disposição do menor carente a defesa dativa. Já o requintado sistema italiano prevê não apenas qualquer advogado, mas sim patronos especializados na defesa de menores, especialização esta alcançada através de cursos realizados na Justiça de Menores ou mesmo na nossa equivalente Ordem dos Advogados. (op. cit. p. 214). Na Inglaterra a necessidade de advogados também é imperativa. No entanto, se para o campo civil da legislação minorista deve haver uma especialização técnica (como no sistema italiano), na parte "penal" os representantes técnicos são de nível inferior aos defensores técnicos de criminosos de maior idade, causando assim um certo desequilíbrio no status profissional. (op. cit. p. 194).


Fauzi Hassan Choukr
Promotor de justiça em Jundiaí-SP, mestre e doutorando em processo penal pela USP, professor na USJT, 1º secretário do IBCCRIM, membro da Associação Internacional de Direito Penal.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Aperfeiçoamentos no ECA. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.52, p. 03, mar. 1997.

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