quinta-feira, 24 de julho de 2008

Prisões vazias

Na mesma semana em que o promotor gaúcho Airton Michels assumiu a chefia do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), chamando a atenção para o grande déficit de vagas no sistema prisional, a imprensa noticiou que dois presídios federais estão vazios há meses, por falta de verba para a contratação de agentes carcerários. Os dois fatos não são isolados e constituem mais um exemplo de inépcia administrativa e desperdício de dinheiro público.

Situados em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e em Porto Velho, em Rondônia, os dois presídios federais são considerados essenciais para o remanejamento dos líderes mais perigosos de facções criminais que controlam penitenciárias estaduais e já organizaram violentas rebeliões em São Paulo e no Rio de Janeiro. Desde a inauguração do primeiro presídio federal, o de Catanduvas, no Paraná, há dois anos, os governos estaduais já pediram a transferência de 694 presos para estabelecimentos penais sob responsabilidade do Ministério da Justiça.

Os presídios federais de Mossoró e Porto Velho custaram cerca de R$ 25 milhões cada um e são considerados os mais modernos do País, comportando, juntos, 416 presos de alta periculosidade. A construção do primeiro estabelecimento foi concluída em abril e a do segundo, em maio. O projeto demorou cerca de dez anos para sair do papel e os dois presídios foram lançados pelo então ministro Márcio Thomaz Bastos como necessários para a redução das tensões e motins nos presídios estaduais. Cada um desses presídios tem cerca de 12 mil metros quadrados de área construída e é monitorado por 240 câmaras de televisão. O circuito interno de televisão permite ao diretor do Sistema Penitenciário Federal, em seu gabinete em Brasília, ver o que acontece nas celas em Mossoró e em Porto Velho.

Mas essas celas estão vazias porque o Ministério do Planejamento não autoriza o Ministério da Justiça a abrir concurso para contratar carcereiros. Por isso, os presídios de Mossoró e Porto Velho não podem ser inaugurados. Os presídios federais que já estão em funcionamento, como o de Catanduvas e o de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, também sofrem com a escassez de pessoal. Como não dispõe de verba para contratar funcionários, o Ministério da Justiça tem de deslocar 60 agentes penitenciários de outros estabelecimentos, a cada dois meses, para fazer a segurança dos dois prédios.

"Essa capacidade ociosa (dos presídios vazios) representa um ônus para o cidadão e para o contribuinte. Sem o isolamento dos chefes de facções criminosas, perde-se com a insegurança, que continua alta", diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Comissão de Segurança da Câmara, que pretende convocar os gestores do Ministério do Planejamento, após o recesso parlamentar, para explicar por que, estando o sistema penitenciário abarrotado de presos, não autorizam a realização de concursos.

Segundo as estatísticas do Depen, há no País 422.373 presos e um déficit de 185 mil vagas. Dois estudos recentes, um da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e outro do próprio Ministério da Justiça, mostram que nos presídios há 80 mil presos provisórios e outros 54 mil que já poderiam estar em liberdade. Juntos, eles somam 134 mil presos, o que equivale a 35% da população carcerária. Por terem praticado crimes de baixo potencial ofensivo, cometidos sem uso de violência, os presos provisórios poderiam aguardar o julgamento em liberdade. Já os 54 mil presos condenados poderiam cumprir penas alternativas. Segundo o estudo da Edesp, 35% das prisões provisórias duram mais de 100 dias, quando o limite legal é de 81 dias. A grande maioria está presa por ter furtado coisas cujo valor médio é de R$ 300.

"Esses presos ocupam vagas essenciais para o sistema prisional sem necessidade", diz a coordenadora do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do Ministério da Justiça, Márcia de Alencar. Por aí se vê que uma das principais causas da crise do sistema carcerário é a falta de planejamento e a desordem administrativa.


Estadão.

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