quinta-feira, 10 de julho de 2008

Notificações de violência infantil em Londrina crescem 60% em cinco anos

A mãe faz a denúncia em 20% dos casos, aponta pesquisa realizada por enfermeira do HU

Em cinco anos, o número de notificações de violência contra menores de 15 anos aumentou 60% em Londrina, Norte do Paraná, incluindo agressão física, sexual e negligência. Somente em 2006, foram notificados 1.013 casos, contra 607 em 2002, sendo que em quase metade deles (48,3%) as vítimas foram violentadas fisicamente.

Os dados constam de um estudo de análise epidemiológica da violência infantil realizado pela enfermeira Christine Baccarat de Godoy Martins, que há 20 anos trabalha na ala pediátrica do Hospital Universitário (HU). O levantamento foi defendido por ela no início do mês como tese de doutorado em Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP).

A enfermeira optou por analisar a evolução do quadro num intervalo de cinco anos e por isso pesquisou as notificações de 2002 e 2006 a partir de prontuários do Conselho Tutelar. “Não quer dizer que a violência em si aumentou 60%, porque entendo que há mais campanhas hoje e que mais pessoas estejam denunciando, ficou mais fácil”, ponderou.

A maioria dos denunciantes é de parentes da vítima, como avós e tios (41,9%). Em 27,3% das denúncias, quem as reportou foi o profissional de saúde que atendeu a criança e, em 13%, vizinhos. A mãe faz a denúncia em 20% dos casos, índice considerado baixo pela pesquisadora. “Quando o agressor é o pai, a mãe tem medo de represália; em muitos casos o homem é o provedor da casa”, explicou Christina Martins.

De 607 casos registrados nos Conselhos Tutelares em 2002, apenas quatro agressores foram presos. Naquele ano, 230 ocorrências foram comunicadas à Justiça porque que havia risco de morte. Desses, 40% foram arquivados por falta de provas contra o agressor ou cessão do risco, 31,7% ainda tramitam e apenas 1,7%, isto é, quatro agressores pararam na cadeira. Mais de 22% dos casos têm destino ignorado. “Descobrir que apenas quatro pessoas foram para a cadeia foi decepcionante. A morosidade da Justiça é um entrave para a punição dos agressores”, avaliou a enfermeira. Combate

Desde janeiro de 2007 uma comissão formada pelas secretarias municipais de Educação, Saúde e Assistência Social, em conjunto com o Ministério Público, e secretaria de Estado da Criança e Juventude, entre outros órgãos, estuda a reestruturação da rede de combate à violência infantil no município.

“A intenção é promover um conjunto integrado para pensar estratégias de enfrentamento”, afirmou a secretária de Assistência Social em exercício, Nívea Maria Polezer. Um dos frutos do trabalho da comissão é a criação de um centro de proteção para crianças e adolescentes vítimas da violência, que vai reunir todos os serviços oferecidos em Londrina. Outro ponto trabalhado é a estruturação de um banco de dados com informações acerca do agressor e da vítima, de modo a permitir a identificação de casos reincidentes. O encaminhamento dado ao agressor também tem sido discutido pela comissão.

Seqüelas vão de cicatrizes a deformações e transtornos psicológicos

O estudo de análise epidemiológica da violência infantil, realizado pela enfermeira Christine Martins, também apontou que 99% dos casos deixam seqüelas nas vítimas – sejam cicatrizes na pele, deformações, deficiências (perda de visão, por exemplo) ou seqüelas psicológicas. Há ainda situações com uso de objeto cortante, líquido quente ou corrosivo. Pouco mais de 30% (30,4%) são de negligência e 18,4% são de violência sexual.

Mais da metade das famílias em que há agressão a crianças possuem renda de até dois salários mínimos, ou R$ 930, segundo o salário nacional. Segundo dados de 2006, quando foram notificados 1.013 casos, os principais agressores eram a mãe (27,8%) e o pai (27,1%), seguidos de padrasto (15,6%) e madrasta (15,7%). As mulheres agressoras estão predominantemente na faixa dos 20 aos 24 anos e os homens, na faixa dos 30 aos 34 anos.

Para 20,7% das crianças agredidas, o tempo entre a primeira violência e a comunicação do fato ao Conselho Tutelar chegou a até quatro anos. Para 48,2% dos menores, este tempo foi de até 2 anos. A demora em denunciar provoca a reincidência: 172 casos em 2006. “Percebi que o mesmo caso aparece no conselho do centro, depois na zona norte. Acredito que o denunciante não queira deixar pistas, com medo de represália”, afirmou a enfermeira.

Mais rigor nas punições

A enfermeira Christina Martins afirma que para interromper a violência infantil é necessário, em primeiro lugar, levar informação às escolas e ensinar as crianças a identificar situações de risco. A enfermeira defende ainda que as medidas punitivas sejam endurecidas e que exista um tratamento específico para o agressor. Hoje, o único encaminhamento para a pessoa que pratica violência é a detenção, o que ocorre em pouquíssimos casos. Na maioria das vezes, o agressor é convocado a comparecer ao Conselho Tutelar e leva uma advertência.



Gazeta do Povo.

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